Monumento ao Cristo-Rei, projeto e escultura de Agostinho Balmes Odísio.
por Armando Lopes Rafael
Tempos tranqüilos e difíceis, aqueles do final da década 30 do século XX...
Os dias corriam devagar. A inexistência dos meios de comunicação, como os existentes hoje, aliada à precariedade das estradas carroçáveis, contribuía para as populações do hinterland cearense só tomar conhecimento dos acontecimentos, ocorridos alhures, vários dias depois de suas ocorrências. Os jornais de Fortaleza, por exemplo, chegavam ao Cariri com um atraso de dois dias, pois eram transportados nos barulhentos trens da Rede de Viação Cearense, puxados pela “Maria Fumaça” (assim denominado pela população o vagão da caldeira a vapor, alimentada por carvão ou lenha) que faziam o percurso Fortaleza-Crato, e vice-versa, em dias alternados da semana.
A edição do jornal O Nordeste, órgão oficial da Arquidiocese de Fortaleza, editado numa terça-feira, 28 de novembro de 1939, chegou, certamente, atrasado a Crato. E desta vez veio com uma longa e pouco elucidativa manchete: Imitando o Cardeal de Paris, no seu programa de “estaleiros” para igrejas. Abaixo da manchete, em letras menores, o complemento explicativo: “O grande surto renovador das matrizes da Diocese do Crato”.
Ilustraram a reportagem, na primeira página, duas fotos: uma de Dom Francisco de Assis Pires, bispo diocesano de Crato, a outra, da fachada do novo Palácio Episcopal, recém construído. Perdido na vasta matéria este pequeno trecho: Graças ao espírito iluminado do virtuoso prelado que governa os destinos da Diocese de Crato, as velhas matrizes vem se remodelando em belos e majestosos templos. E depois de citar as igrejas dotadas de “embelezamento”, descrevendo as melhorias nelas introduzidas, “O Nordeste” explicou: “Sua Excia. Revdma. o Sr. Dom Francisco e os Revdmos. Vigários encontraram na pessoa do professor Agostinho Balmes Odisio, o complexo de aptidões para a realização dos trabalhos acima descritos”
Tempos tranqüilos aqueles...
Mas, quem era esse Agostinho Balmes Odísio, no qual os vigários encontraram um “complexo de aptidões”? Tratava-se, na verdade, de talentoso artista, nascido na Itália, escultor, arquiteto, autor de peças teatrais e que, nas horas vagas, gostava de escrever e fotografar. Ele viveu apenas seis anos no Cariri, entre 1934 e 1940. Neste curto espaço de tempo, foi autor de bom número de obras de arte, fincadas no Sul do Ceará, sendo a mais conhecida a Coluna da Hora, com 29 metros de altura, encimada pela estátua do Cristo Redentor, com 6 metros – totalizando 35 metros – ainda hoje considerada o ícone da cidade de Crato e o cartão-postal mais conhecido da Princesa do Cariri. O monumento está localizado na Praça Francisco Sá, também projetada pelo escultor italiano.
Quando chegou ao Cariri, Agostinho encontrou uma região promissora, mas atrasada “ano-luz” em relação ao Sudeste brasileiro, onde ele vivera os últimos vinte anos. Em Juazeiro do Norte, onde se fixou, a quase totalidade das casas não dispunha de energia elétrica, e a iluminação noturna era proporcionada por candeeiros com pavios, alimentados a querosene. Não havia água encanada nas residências. As famílias utilizavam grandes potes de barro para armazenar o líquido, que era transportado no lombo de jumentos. A maioria das casas era de taipa e chão batido. E mesmo as construídas com tijolo possuíam cômodos escuros, com pouca ventilação. Além disso, as residências eram destituídas de instalações sanitárias. As mais aquinhoadas possuíam, no quintal, uma “sentina”, a latrina, com um buraco aberto no chão para as necessidades fisiológicas dos seus habitantes. O mau cheiro dali exalado, vez por outra, invadia o ambiente domiciliar. Banhos? Só os “de cuia” , como eram conhecidos os asseios corporais, feitos com a água contida num balde de flandre, cujo líquido era tirado por meio de um pequeno caneco de alumínio.
Não existiam hospitais no Cariri. Além do mais, a região possuía um dos maiores focos de “tracoma” do Brasil, ou seja, a doença da inflamação da conjuntiva (o revestimento delgado e resistente que reveste a parte posterior da pálpebra) causada por vírus e bactérias, que penalizou com a cegueira a muita gente no Cariri.
Tempos difíceis, aqueles...
Texto e postagem: Armando Lopes Rafael
Os dias corriam devagar. A inexistência dos meios de comunicação, como os existentes hoje, aliada à precariedade das estradas carroçáveis, contribuía para as populações do hinterland cearense só tomar conhecimento dos acontecimentos, ocorridos alhures, vários dias depois de suas ocorrências. Os jornais de Fortaleza, por exemplo, chegavam ao Cariri com um atraso de dois dias, pois eram transportados nos barulhentos trens da Rede de Viação Cearense, puxados pela “Maria Fumaça” (assim denominado pela população o vagão da caldeira a vapor, alimentada por carvão ou lenha) que faziam o percurso Fortaleza-Crato, e vice-versa, em dias alternados da semana.
A edição do jornal O Nordeste, órgão oficial da Arquidiocese de Fortaleza, editado numa terça-feira, 28 de novembro de 1939, chegou, certamente, atrasado a Crato. E desta vez veio com uma longa e pouco elucidativa manchete: Imitando o Cardeal de Paris, no seu programa de “estaleiros” para igrejas. Abaixo da manchete, em letras menores, o complemento explicativo: “O grande surto renovador das matrizes da Diocese do Crato”.
Ilustraram a reportagem, na primeira página, duas fotos: uma de Dom Francisco de Assis Pires, bispo diocesano de Crato, a outra, da fachada do novo Palácio Episcopal, recém construído. Perdido na vasta matéria este pequeno trecho: Graças ao espírito iluminado do virtuoso prelado que governa os destinos da Diocese de Crato, as velhas matrizes vem se remodelando em belos e majestosos templos. E depois de citar as igrejas dotadas de “embelezamento”, descrevendo as melhorias nelas introduzidas, “O Nordeste” explicou: “Sua Excia. Revdma. o Sr. Dom Francisco e os Revdmos. Vigários encontraram na pessoa do professor Agostinho Balmes Odisio, o complexo de aptidões para a realização dos trabalhos acima descritos”
Tempos tranqüilos aqueles...
Mas, quem era esse Agostinho Balmes Odísio, no qual os vigários encontraram um “complexo de aptidões”? Tratava-se, na verdade, de talentoso artista, nascido na Itália, escultor, arquiteto, autor de peças teatrais e que, nas horas vagas, gostava de escrever e fotografar. Ele viveu apenas seis anos no Cariri, entre 1934 e 1940. Neste curto espaço de tempo, foi autor de bom número de obras de arte, fincadas no Sul do Ceará, sendo a mais conhecida a Coluna da Hora, com 29 metros de altura, encimada pela estátua do Cristo Redentor, com 6 metros – totalizando 35 metros – ainda hoje considerada o ícone da cidade de Crato e o cartão-postal mais conhecido da Princesa do Cariri. O monumento está localizado na Praça Francisco Sá, também projetada pelo escultor italiano.
Quando chegou ao Cariri, Agostinho encontrou uma região promissora, mas atrasada “ano-luz” em relação ao Sudeste brasileiro, onde ele vivera os últimos vinte anos. Em Juazeiro do Norte, onde se fixou, a quase totalidade das casas não dispunha de energia elétrica, e a iluminação noturna era proporcionada por candeeiros com pavios, alimentados a querosene. Não havia água encanada nas residências. As famílias utilizavam grandes potes de barro para armazenar o líquido, que era transportado no lombo de jumentos. A maioria das casas era de taipa e chão batido. E mesmo as construídas com tijolo possuíam cômodos escuros, com pouca ventilação. Além disso, as residências eram destituídas de instalações sanitárias. As mais aquinhoadas possuíam, no quintal, uma “sentina”, a latrina, com um buraco aberto no chão para as necessidades fisiológicas dos seus habitantes. O mau cheiro dali exalado, vez por outra, invadia o ambiente domiciliar. Banhos? Só os “de cuia” , como eram conhecidos os asseios corporais, feitos com a água contida num balde de flandre, cujo líquido era tirado por meio de um pequeno caneco de alumínio.
Não existiam hospitais no Cariri. Além do mais, a região possuía um dos maiores focos de “tracoma” do Brasil, ou seja, a doença da inflamação da conjuntiva (o revestimento delgado e resistente que reveste a parte posterior da pálpebra) causada por vírus e bactérias, que penalizou com a cegueira a muita gente no Cariri.
Tempos difíceis, aqueles...
Texto e postagem: Armando Lopes Rafael
Pois foi neste cenário que Agostino Balmes Odisio construiu monumentos, reformou igrejas, fez plantas para modernas e estéticas construções, fabricou e introduziu artísticos mosaicos, muitos, ainda hoje, embelezando os pisos dos templos e residências do Sul do Ceará. Ele foi também pioneiro na introdução do marmorito no Cariri.
ResponderExcluirEm Crato, esse italiano foi o autor de outros importantes projetos, como o Palácio Episcopal; busto de Dom Quintino, na Praça da Sé; o altar-mor e o Sagrado Coração de Jesus da Catedral de N.Sra. da Penha; gruta de N.Sra. de Lourdes e estátua de São Geraldo, no Colégio Santa Teresa; altar mor da capela do Seminário São José, dentre outros. Em Juazeiro do Norte, ele trabalhou na reforma do Santuário Diocesano de Nossa Senhora das Dores, onde projetou os altares e esculpiu estátuas, medalhões e painéis, todos até hoje conservados.
Armando.
ResponderExcluirApesar da grande evolução no mundo das artes não temos ainda obras que superem as descritas por voce em seu belo texto. Voce está prestando um grande serviço a historia e memoria da região com este seu relato. Acredito que a maioria da população desconhece a importancia que teve o Agoatinho Balmes Odisio neste cenario. Voce está fazendo justiça.
Parabens
Armando,
ResponderExcluirGostei deste texto informativo.
Gostaria de saber qual o motivo que levou a retirada da estátua de Dom Quintino da Praça da Sé. Será que foi para dá mais espaço aos camelôs? Acho um absurdo essas reformas(?) das praças.
Aquela estátua era patrimônio do povo do Crato. Distante do Crato, venho observando esses predadores que não têm amor pela cidade pois não preservam sua memória, isto é lamentável!
Alguns desses administradores do Crato são bastantes irresponsáveis.
O povo do Crato deveria exigir a volta da estátua de Dom Quintino.
Parabéns pelo texto.