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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 10 de outubro de 2021

A SAGA DE ANTONIO DANTAS SOBRINHO - Postagem do Antônio Morais.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu, 

Mas nele é que espelhou o céu.  

(Fernando. Pessoa)

Nasci no sítio Baixio, Várzea Alegre, Ceará, 1938. Filho de Lourenço Ferreira Lima e Luisa Dantas de Souza. Faço parte da décima geração descendente de Agostinho Duarte Pinheiro, donatário de uma sesmaria no Riacho da Fortuna onde fundou o sitio Monte Alegre. Um dos filhos de Agostinho, mudou o nome para José Ferreira Lima, com o intuito de obter mais uma sesmaria na região. Até hoje a família é conhecida como os Ferreira Lima de Monte Alegre. Por parte de meu pai, também sou descendente dos Alencar do Crato. Minha avo paterna era Ana Pereira de Moraes, irmã de Carlos de Alencar e outros. Por parte da minha Mãe, sou Neto de Manoel Dantas do Baixio. Meu nome é uma homenagem a um irmão do meu avô.

Eis a trajetória de minha vida.

No início de 1945 passei 2 meses aprendendo a ler numa escola de um vizinho. Em 1946, passei mais 2 meses completando que se chamava o primeiro ano de leitura, e em 1948, passei três meses com um amigo de meus pais cursando o primeiro ano primário em Juazeiro do Norte. Em 1949, por intolerância religiosa, minha mãe havia se convertido ao protestantismo, tivemos que sair do Baixio. Fomos morar numa localidade chamada Santa Luzia, perto da Mata do Nascimento, atual cidade de Dom Pedro, no estado do Maranhão.

Tal qual no Ceará, não havia escola naquele lugarejo, mas ainda tive a oportunidade de passar uns três meses numa escola de uma amiga de meus pais numa localidade vizinha. Em 1954, fui morar e aprender alfaiataria com um amigo numa vila mais distante chamada, Centro do Paciência, atual cidade de Governador Archer, onde meus pais moram atualmente.

Em 1956, por indicação de minha mãe, comecei a estudar no Instituto Batista do Cariri enquanto trabalhava numa alfaiataria em Juazeiro. Quando fiquei ali, tive muitas oportunidades de matar as saudades de Várzea Alegre e do Baixio, visitando e passando férias com meu avo, Manoel Dantas e outros parentes. 

Em 1958 fui expulso do Colégio Batista. Não tinha vocação religiosa! Mudei para Fortaleza onde passei um ano e meio trabalhando numa alfaiataria. Fiz um plano de sair de Fortaleza sabendo inglês, e pus-me a estudar sozinho. Todos os dias, durante um ano, aprendia dez palavras novas. Apenas aprendia a ler e escrever, mas foi muto importante porque meu primeiro emprego em São Paulo foi de tradutor de peças mecânicas, numa firma de pesquisa de petróleo filiada a Petrobrás. Ali havia muitos americanos e aproveitei para melhorar a pronuncia do inglês. Por influência deles, abri uma conta bancária nos Estados Unidos para onde enviava minha poupança para protegê-la da inflação e me preparar para uma eventual oportunidade de estudar no exterior.

Em 1963, comecei a namorar uma americana, e por influência do meu futuro sogro, pedi um visto de emigrante no consulado americano. Emigrei para os Estados Unidos no fim daquele ano. Logo em seguida, fui aceito na Universidade de Wisconsin, em Stevens Point, via um exame de admissão, pois não tinha educação formal. Como não tinha recursos para custear os estudos, a universidade me concedeu uma bolsa de estudos do legislativo estadual.

Em 1966, casei com Marilyn, que fora minha namorada em são Paulo e havia retornado aos Estados Unidos antes do meu visto de imigração. Foi ela quem me deu apoio moral e cuida muito bem de mim até hoje. Em 1968, ganhei uma bolsa de estudos para o mestrado na mesma universidade no campus principal, em Madison. Ali encontrei muitos brasileiros dedicados e preocupados com o destino do nosso país. Eles me influenciaram para que voltasse para o Brasil.

Em 1970, fui convidado, por indicação de um professor, para lecionar na Universidade de Brasília. Quando cheguei ao departamento de economia, acanhado e tímido academicamente, fiquei surpreso em saber que era o primeiro com mestrado lecionando naquele departamento. Logo, com 31 anos de idade, assumi interinamente a chefia do departamento onde promovemos uma reforma acadêmica que deu bons resultados até hoje.

Em 1972, voltei para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos da Fundação Ford e apoio da Universidade de Brasília para me preparar para o Ph.D. na universidade de Cornell, estado de Nova York. Ali, tive a oportunidade estudar com ilustres brasileiros, com José Serra, Luciano Coutinho, Yoshiaki Nakono, Sérgio Mindlin, Lívio Reis de Carvalho e outros brilhantes colegas. Senti muito orgulho daqueles amigos. Tínhamos uma intensa vida intelectual e de preocupações com o destino da pátria. Estes se dedicaram a vida acadêmica e política. Eu fiquei sempre ligado a vida acadêmica.

No primeiro dia de aula em Cornell, agosto de 1972, nasceu meu filho Lourenço e na semana que conclui os exames para o Ph.D. nasceu minha filha, Tania. Em 1975, passei 3 meses em São Paulo, levantando dados para minha tese de doutorado. No início de 1976, defendi uma tese comparando o desempenho econômico entre firmas brasileiras e estrangeiras operando em São Paulo.

Em 1978, participei de um programa do MEC, lecionando para professores da Universidade do Piauí dentro do programa PICD. Em 1979, fui convidado pra lecionar no Colorado College, uma pequena universidade na cidade de Colorado Spring nos Estados Unidos. Passei um  ano de licença naquela cidade. E em 1981 voltei brevemente pra passar mais uma temporada lecionando ali.

Em 1985, havia acabado de sair da direção do Instituo de Ciências Sociais da UnB quando recebi um honroso convite do Governo do Canada para visitar o país e participar de um seminário dirigido a administradores. Em 1986, voltei para os Estados Unidos e passei 6 meses na Universidade de Harvard com uma bolsa da Fundação Fulbright. Tive a oportunidade de me especializar na área de investimentos e administração de projetos. 

Em 1988, participei durante 45 dias de um programa das Nações Unidas e Banco Mundial, preparando técnicos do Banco Central de Moçambique, na capital Maputo, antiga Lourenço Marques.

Em 1990, voltei para os Estados Unidos acompanhando meu filho que ia estudar engenharia no Instituo Politécnico de Worcester, estado Massachusettes. Nesse  período, 1990-93, lecionei no Framingham State College, perto de Worcester. Neste último ano, minha filha também entra para universidade, na cidade de Oshkosh, Wisconsin.

1993 - 2001, todos os anos, passamos as férias nos Estados Unidos, acompanhando os os filhos, Tania fazendo graduação e Lourenço, a partir de 1994, fazendo o mestrado na universidade da California, em Davis. 

Aposentei-me da universidade de Brasília em 2001 e passei a lecionar, administração pública e planejamento estratégico na Escola Nacional de Administração Publica, ENAP em Brasília.

Em 2005, voltamos definitivamente para Wisconsin e inverti o percurso, agora passamos mais tempo nos Estados Unidos e menos em Brasília, onde ainda me considero residente. 

Atualmente, desenvolvo trabalhos práticos, analisando os mercados financeiros e operando com ações e moedas. Quase todas semanas escrevo uma pequena resenha sobre esses temas e que são publicadas em alguns sites na Internet. A coleção completa pode ser lida neste site, www.investmax.com.br Todos os trabalhos na Internet são do pseudônimo, Professor Metafix.

Nota final.

Por trás dessa saga existe uma mensagem que aproveito para dirigir especialmente aos jovens de Várzea Alegre e aos leitores desse Blog. Apesar de não possuir a escolaridade de praxe, pois juntando todos os dias que passei nas escolas rurais e em Juazeiro, não chega a ser um ciclo completo do primário, nunca deixei de estudar sozinho até chegar a universidade. Sempre trabalhei pra me sustentar, mas as noites eram minhas e as dedicava aos estudos. 

Considero o sucesso como dependente de dois ingredientes; aquele que vem de dentro, a vontade; o outro, o que vem do ambiente. A inspiração vem do fora pois só podemos ver longe quando pisamos ombros de gigantes. Os professores são importantes e indispensáveis. Não realizamos muito sem que aja algum incentivo ou estimulo externo.

Felizmente, para manter a disciplina, trabalhei com um PMA – plano, metas e ação. Para minha surpresa isso foi fundamental na minha formação. Por exemplo, quando decidi aprender inglês, o plano era chegar em São Paulo com um conhecimento literário que me desse apoio para o trabalho e para os estudos. A meta era aprender, pelo menos, dez palavras por dia. A ação era escrever repetidas vezes as palavras nas duas línguas, traçando uma imagem mental do significado. 

Assim, como fiz com o inglês, todas as outras etapas foram planejadas. E como disse Shakespeare – a consciência nos transforma em covardes –  eu tinha medo de falhar.

Observo que as pessoas trabalham com um plano estratégico. Entretanto,  a maioria não executa, e fica apenas nas intenções. Neste caso, é necessário examinar as forças internas e externas, e trabalhar com metas num ambiente apropriado. 

Nosso cérebro funciona melhor dentro de um quadro de referência. Reconhecia minhas fraquezas e minhas forças e tentei eliminar as primeiras e fortificar as outras. Esse é o primeiro quadro. O segundo é ter uma meta e cumprir todos os dias uma parcela dela. O terceiro quadro, é o meio ambiente. Os estímulos e as forças externas vem do ambiente, se ele não for  propício, não atingimos nosso potencial. 

Na falta de escolas, tentei me colocar em ambientes que me dessem força. Coloquei-me sempre ao lado dos interessados no saber. Fugi dos pretendentes que não tinham a inteligência emocional para entender que a ignorância sai bem mais cara do que o saber. Reconheci o ditado que diz  – mostra-me com quem andas que saberei quem tu és.

Fácil? Não! Simples? Sim! O importante é o desafio; subimos montanhas não porque seja fácil, mas porque elas são lindas.  Não se faz aquilo que é bom porque seja útil, mas porque engrandece a alma. – Tudo vale a pena se alma não for pequena. Navegar é preciso – como disse Fernando Pessoa. Acima de tudo, procurava a felicidade e continuo cultivando-a até hoje. Não tenho riquezas porque sempre fiz tudo para dignificar o espirito.  Não mudei e ainda mantenho meu jeito alegre e brincalhão característico dos várzea-alegrenses. 

Estes são meus heróis. – Merrill, Wisconsin, EUA, 2 de setembro de 2012.

Antônio Dantas Sobrinho.

2 comentários:

  1. Uma história muito bonita. Sair de um sitio em Várzea-Alegre e se tornar professor de uma universidade nos Estados Unidos é uma saga admirável. Foi professor dos presidentes do BNDES Carlos Lessa e Luciano Coutinho, além do senador José Serra entre outras personalidades brasileiras.

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  2. Louvores a esse é outros varzealegrenses que, com humildade, estudo e perseverança, conquistarame/ou propiciaram desenvolvimento, justiça, trabalho e paz nesse mundão de Deus...

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