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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 26 de outubro de 2024

202 - Preciosidades antigas de Várza-Alegre - Por Antônio Morais


Dedicado aos meus amigos Mundim do Vale e Sávio Pinheiro.

Esta postagem é um pouco longa, é um resgate, um achado, por esta razão a dedico aos meus estimados amigos Raimundinho Piau e Sávio Pinheiro. 
Nas décadas de 30, 40 e 50 José de Morais Feitosa, filho de João Alves Bezerra e Conceição de Morais Feitosa, meus bisavós, quando chegava a época do inverno se deslocava do Arneiroz para Várzea-Alegre com o objetivo de plantar uma lavoura de arroz. 
Fixava residência no Sanharol, na casa de sua irmã Andrezinha, minha avó materna. 60 anos mais tarde, já residindo em Curitiba, Zezinho fez uma carta ao meu pai, José Raimundo de Morais, solicitando que fizesse um contacto com Raimundo Alves de Morais, Candeiro, para que este fizesse um verso falando daqueles tempos felizes vividos por eles. 
O Poeta atendeu e o meu pai memorizou os versos, cantou para Pedro de Joaquim Piau que os datilografou em sua maquina de escrever e eu tenho em meus arquivos esta relíquia memorável:

Não há quem possa negar
Como já foi o Machado
Com o povo interessado
Trabalhando sem parar
Gente de todo lugar
Tinha até do Arneiroz
A luta era feroz
Muitas vezes enlameado
Limpando arroz no Machado
E vivendo aqui mais nós.

Quando pegava a chover
Nós todos íamos plantar
Depois íamos pastorar
Prus passarinhos não comer
Depois do arroz nascer
Nós começávamos a limpar
E a lama sem secar
Só se ouvia nego dizendo
O meu mato está comendo
Acho que vou aceirar.

Quando clareava do dia
Agente se levantava
A merenda que pegava
Era a enxada e saia
E por lá passava o dia
Trabalhando sem parar
E pra poder acabar
Precisava ir tantas vezes
Com mais ou menos dois meses
Terminava de limpar

Quando o arroz segurava
Só se ouvia o assunto
Gente fazendo adjunto
Juntando quando botava
E o povo se juntava
Era gente pra valer
Fazia gosto se ver
Um bando de cabra macho
Cortando cacho por cacho
Cantando sindô lelê

E agora está mudado
Ninguém quer se juntar mais
Tá indo tudo pra traz
Já nem parece o Machado
O Povo é desanimado
Não joga maneiro pau
E por isso o pessoal
Não conta com arroz doce
Tudo isso acabou-se
Mode o demónio do girau

Veja o tamanho da sujeira
Que tudo esculhambou
Eu não sei quem inventou
De cortar com roçadeira
Chega abarcando a touceira
Vai levando por igual
Depois outro pessoal
Pegando tudo que vê
Vai levando pra bater
No Satanás do girau.

Só pode ter sido um caé
Ou mesmo uma brocharia
E com essa putaria
Não tem quem queira um quicé
pode ser homem ou mulher
É todo o povo em geral
Que apoia esse bicho mal
Que fez toda maldição
Foi o maldito do cão
O criador do girau

Nada se pode fazer
Jeito ninguém tem pra dar
Precisa se acostumar
Com o que aparecer
Não tanto que nem você
Que foi lá pra capital
Hoje é um jovem legal
Que nem liga o Ceara
Tire um tempinho e venha cá
Pra eu lhe mostrar o girau

Meu caro amigo Zezinho
Colega mui verdadeiro
Quem informa é o Candeiro
O Poeta do Brejinho
A coisa aqui está assim
Não está bom pra viver
Só se planta pra perder
Dá só pra gente escapar
Contudo no Ceará
Só está faltando você.

6 comentários:

  1. Eu sou um saudosista inveterado. Valorizo o passado, especialmente o inteligente, aquele que deixou exemplos de dignidade, de grandeza e de valores.

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    1. Uma leitura desta, da prazer independente da extensão. Que neste caso, so contribuiu para a alegria. Espantador de passarim, foi meu primeiro emprego, como diz um safado amigo. Parabéns amigão, por tão belo.passado. E continue saudosita. Só temos a ganhar com.isto.

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  2. Esse foi um passado que deixou saudades. O cultivo de arroz acabou em Várzea Alegre há cerca de dez anos, em função das secas e do custo-benefício deficitário da exploração.
    Era um trabalho árduo, mas a determinação e voluntarismo dos exploradores da cultura fizeram histórias, que só um poeta como esse resguarda para o futuro.
    Comentei o fato em meu livro TROPEIRISMO NOSSO.

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  3. Meu amigo Morais, primeiramente obrigado por ter nos dedicado o interessante poema. E, segundamente, vale a observação que qualquer texto, seja ele qual for, poderá se tornar um fato histórico importante. Daí, a importância dos registros literários. Grande abraço!

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  4. Prezados Antonio Gonçalo e José Sávio - Raimundo Alves de Morais, o Candeiro na sua linguagem popular retratou a verve da nossa gente. Os usos e costumes de uma época em que o roceiro fazia de sua atividade na agricultura um prazer.

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  5. Todas essas histórias da minha querida Sanharó vem mi afunilando a não esquecer de um passando muito presente...

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