Não consigo falar sobre Luiz Gonzaga, esse gênio da raça, sem me emocionar e deixar de recordar um fato interessante e bem distante.
Ainda imberbe, por força do emprego do meu pai na RVC (Rede Viação Cearense), morei em lugarejos, onde nos anos 1950 era difícil cair nas mão de uma criança a informação impressa.
Era um período em que se ouvia rádio.
E ouvia-se muito Luiz Gonzaga, a quem passei a considerar o único artista existente no Brasil, tal a admiração que se formou a partir daqueles tempos longínquos.
Antes mesmo do gosto pelas revistas em quadrinhos, passava a vista em raras publicações que traziam registros fotográficos.
Foi aí que me deparei com as primeiras fotos de Luiz Gonzaga. Fiquei fascinado com sua vestimenta e o chapéu de couro. Passei a colecioná-las como relíquias.
Duas dessas fotos até hoje permanecem bem vivas em minha retina, principalmente a que registra sua presença com Humberto Teixeira ladeando o líder político de Iguatu, Dr. Gouveia.
Só fui conhecer Luiz Gonzaga muito tempo depois, na década de 60, na cidade de Crato.
Estava ele, em carne e osso, para o meu frêmito, em frente à Praça Siqueira Campos, num lugar onde existiu a edificação conhecida como “casa dos leões”, demolida, em parte, para abrigar prédios comerciais.
Fiquei um pouco afastado, como se estivesse a poucos metros de uma divindade, impotente para uma aproximação, tal a reverência por aquela figura que povoou musicalmente a minha infância.
Já como profissional de rádio, nos anos 70, tive a oportunidade de entrevistar Luiz Gonzaga na Rádio Progresso de Juazeiro do Norte, numa fase em que ele estava em baixa no cenário musical.
Era o tempo da Jovem Guarda e, na entrevista, o “Rei do Baião” não conseguiu esconder que estava incomodado com isso.
O interior do Brasil ainda o reverenciava, mas nas capitais a classe média e a crítica já não lhe davam mais a merecida atenção.
A história de Luiz Gonzaga todos conhecem, através de filme e livros, mas se torna obrigatório acrescentar que ele antecipou as estratégias do showbusiness no país, abrindo caminhos e pavimentando a estrada para uma porção de gente.
Depois do ostracismo, revigorado pelos baianos Caetano e Gil (este afirmou: “Eu não existiria sem Luiz Gonzaga”) e amparado na obra musical de João Silva, Luiz Gonzaga deu a volta por cima, retornando às paradas, com incontáveis sucessos e solidificou-se como monumento nacional.
Nunca teve a verdadeira dimensão de sua importância e, segundo Gilberto Gil, “era uma planta, misturava-se naturalmente com a terra. Pertencia, de maneira orgânica, ao universo que retratou”.
Ave, “Gonzagão”.
Faz muito tempo, mas aconteceu. Vale a pena lembrar. Após abastecer meu veiculo, a margem da BR 116, descobri sentado, no restaurante, ao lado do seu motorista, o famoso Luiz Gonzaga, de boné e óculos escuros, tendo o olhar voltado para estrada. Estava absorto, talvez lembrando sua terra no Exu ou estimulado pelo cheiro da carne assada que vinha do alpendre.
ResponderExcluirLuiz trazia no rosto desenhos profundos de um homem amargurado, emagrecido, ombros caídos, em nada se assemelhando aquele biotipo amorenado, monumento vivo de braços valentes repuxando os pulmões da sanfona, estremecendo a plateia no melhor ritmo do reinado do baião daqueles velhos tempos. Aproximei-me dele para tocar-lhe o ombro, em sinal de identificação amiga dos nossos bons momentos da Radio Progresso de Juazeiro, nos shows delirantes programados.
Luiz Gonzaga! Que bom revê-lo! Nunca mais andou pelo Juazeiro?
Minha saudação de alegria teve uma resposta melancólica. Erguendo a cabeça, o sanfoneiro fitou-me buscando uma identificação que não conseguia e balbuciou triste:
Como vai o senhor?
Resposta anonima e diferente a um passado bem recente, quando nos abraços no acerto de contas dos contratos e na alegria de suas noites de sucessos. Desconversei qualquer coisa e fui saindo entristecido. Seu motorista, ao lado, sinalizou-me com um olhar de decepção confirmando que seu patrão já não era o mesmo. Prossegui viagem profundamente constrangido por aquele encontro. Sentir que o rei estava próximo de morrer. Já não expressava a simpática eloquência comunicativa de festa interior, quando dissertava o linguajá do baião em livre palestra regionalista, sem a necessidade de olhar para o teclado. Luiz exibia ali um fantasma amargurado de corpo e alma. Havia perdido a alegria de viver, vitima da falta de saúde, decepções e sem esperança por um amanha propicio. Nunca imaginei ver aquele "monarca nordestino" condenado a um abandono de si próprio, sem a capacidade de sonhar. Ele que distribuiu tantos sonhos de amor por esse mundo a fora. Que encantou os terreiros e palcos. Acelerei o carro na certeza de ter visto, pela ultima vez, o mais eloquente folclorista do Brasil.
Meu ultimo encontro com o rei - Dr. Geraldo Menezes Barbosa.