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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 6 de março de 2021

A Crônica do Domingo (por Armando Lopes Rafael)

David Ottoni & Maria Luiza Bezerra, uma história de amor nascida em Crato

Capelinha de São Sebastião dos Currais, zona rural de Crato, 
cenário do casamento de David & Maria Luiza

   Há cerca de nove anos viajo regularmente a Belo Horizonte, a bela capital das Minas Gerais. Lá, faço tratamento de um problema ocular. A clínica, onde me trato, funcionou até recentemente, na Rua dos Ottoni, no bairro Santa Ifigênia. Quantas vezes, aguardando a hora de ser atendido, ficava a me perguntar: Quem foram esses Ottoni? Lembrava-me apenas do político Theóphilo Ottoni, fundador de uma importante cidade mineira, que hoje leva seu nome. Desconhecia os feitos e outros ilustres membros da família Ottoni. 

      Recentemente chegou-me às mãos dois volumes autobiográficos do Dr. David Benedicto Ottoni, fruto de paciente trabalho de recuperação de memória, feito por um bisneto dele, o engenheiro Flávio Ottoni Penido. A leitura desses livros resultou numa grande surpresa: O Dr. David Benedicto Ottoni tem profunda vinculação com esta nossa Mui Nobre e Heráldica Cidade de Crato

    Antes de falar na passagem do Dr. David Ottoni por Crato é bom ressaltar que ele obteve graduação em medicina, na cidade do Rio de Janeiro, com vinte e dois anos de idade. Depois da formatura, e de ter clinicado em alguns municípios do interior de Minas, Dr. David resolveu fazer uma especialização em oftalmologia   – à época chamada “moléstia dos olhos” – na Europa. Estudou durante três anos em universidades de Paris, Viena, Heideiberg (Alemanha) e Londres. Retornou ao Brasil como um dos primeiros médicos versados em oftalmologia aqui nascidos. E decidiu percorrer o interior do nosso país-continental, para conhecer melhor a terra que o viu nascer.

    Voltemos à passagem do Dr. David Ottoni por Crato. Muitos sabem da veneração que tenho pela figura do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro. Este, na minha opinião, é o mais ilustre dos cratenses. Entretanto, poucos conhecem o meu encanto por uma igrejinha católica, existente na zona rural de Crato: a capelinha de São Sebastião, localizada no sítio Currais. Juntando as “peças” desse “quebra-cabeça" permita-me agora falar do romance entre o médico-político David Ottoni e Maria Luiza Bezerra de Menezes.

       Em 1893, Dr. David Ottoni veio conhecer o Ceará. Esteve em Fortaleza e Icó. Tendo ouvido falar muito em Crato (nas duas cidades citadas) resolveu esticar sua viagem até o extremo Sul do Estado. Chegando à Cidade de Frei Carlos, instalou-se temporariamente numa casa alugada, na Rua das Laranjeiras (atual Rua José Carvalho). Logo a boa notícia se espalhou. Mais de trezentas pessoas acorreram ao seu improvisado consultório.  A maioria vitimadas pelo tracoma, doença epidêmica nos olhos que infestava, àquela época, a Região do Cariri. Entre os pacientes do Dr. David estava uma bonita senhorita, Maria Luiza Bezerra – bisneta do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro – pois filha do Capitão José Geraldo Bezerra Monteiro (àquela época já falecido) este, neto do legendário Brigadeiro. O Capitão José Geraldo era dono das terras localizadas nas imediações da capelinha de São Sebastião dos Currais.

        Foi amor à primeira vista entre David Ottoni e Maria Luiza Bezerra. Mas, para não fugir à regra dos grandes sentimentos de afeição entre um homem e uma mulher, o início do romance do casal foi sofrido. A mãe da jovem – também chamada Luiza – alegava, que ninguém conhecia a procedência daquele rapaz. E argumentava a genitora:  E se o Dr. David fosse um mal intencionado? Por que viera parar nessas lonjuras do interior nordestino, tão distante das Minas Gerais?  Será que ele não quer somente se aproveitar de uma donzela bonita, prendada e bem criada, oriunda de uma das famílias mais aristocráticas do Vale do Cariri?  

          Como diz um provérbio popular nordestino: “Deus protege os inocentes”. Ademais, o mineiro agiu com inteligência para enfrentar o problema. David Ottoni lembrou-se de uma carta de recomendação – que trouxera, firmada por um Juiz de Direito da sua terra – endereçada a uma autoridade de Icó. Selou um cavalo e foi àquela cidade, de onde regressou a Crato com a correspondência. Esta, um autêntico atestado de idoneidade moral dele. Em 20 de maio de 1893 houve o casamento de David e Maria Luiza, celebrado na capelinha de São Sebastião dos Currais. Dois meses depois o casal enfrentou a longa travessia entre Crato e a cidade do Rio de Janeiro, onde residiram por breves meses.

Dr. David Ottoni na maturidade
Maria Luiza Bezerra, na ancianidade

    Pouco tempo depois o casal fixou residência na então vila de Poços de Caldas, hoje uma pujante cidade do Sul de Minas Gerais. Foi feliz o casamento de David e Maria Luiza. Sempre houve amor entre eles. Fruto dessa união foram os sete filhos com que o casal foi abençoado. Todos bem encaminhados pela vida e motivo de orgulho para os pais. David Ottoni ocupou importantes cargos em Poços de Caldas: Juiz de Paz, Vereador, Presidente da Câmara Municipal e quando o município foi criado ele foi o primeiro Prefeito da cidade. Muito do belo aspecto urbano que Poço de Caldas tem hoje  deve às iniciativas do seu primeiro prefeito. David Ottoni foi cronista e colaborador de vários jornais do Sul de Minas. Sua clínica oftalmológica, dotada de bonitas instalações físicas e excelentes equipamentos, foi sempre uma referência em vasta região que circunda Poço de Caldas.

       Hoje, numa das praças centrais daquela cidade existe um busto em homenagem ao seu primeiro prefeito. E seus descendentes continuam a venerar a memória do casal David e Maria Luísa, o que motivou, recentemente, a publicação de dois volumes contando sua bela história.

 
Clínica Médica do Dr. David Ottoni, em Poços de Caldas, no início do século XX

 
Armando Lopes Rafael. Historiador e cronista.

 

2 comentários:

  1. Essa capelinha é um colírio para os olhos. Sempre que passo por lá paro e fico admirando sua beleza.

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  2. A capelinha já foi objeto de uma crônica minha, há alguns anos.

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