Dr. Rodrigo Rolim.
Desde 2018, motivado pela publicação no Blog de Antônio Morais, menos pela precisão de detalhes, alusão à memória e objetividade do texto sobre o Padre Vieira – o “nosso” – do que pela delicada e coerente abordagem sobre a instalação do seu Memorial, tenho produzido alguns escritos sobre a arquitetura e o “patrimônio histórico” do Centro-sul.
Padre Antônio Batista Vieira nasceu em Várzea Alegre em 1919 no sítio Lagoa dos Órfãos. Além do sacerdócio, destacou-se como jornalista, escritor, economista – graduado pela Universidade da Califórnia - e professor de teologia e filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro – após ter sido cassado como deputado federal pelo regime militar em 1967. Morais (2018), após situar o leitor sobre a existência de uma acervo significativo de bens culturais do Padre, a respeito da relação dos familiares com esses objetos e sobre o trato que é dado à cultura através das políticas públicas, faz duas colocações igualmente valiosas; a primeira, considerando a não realização do memorial na zona rural – na localidade onde nasceu o Padre; o segundo, de ser no Crato e não em Várzea Alegre a sua instalação.
O autor do Blog, com muita propriedade, informa “que um memorial localizado na zona rural, distante vários quilômetros do centro citadino não atrairá, como deveria, a visita das pessoas.” Morais é preciso e coerente uma vez que em relação a um equipamento “cultural”, implantado com recursos públicos e integrante de um “programa de cultura” de governos, instalado isoladamente, seria insustentável. De outra forma, sendo a família de Padre Vieira responsável em erguer e manter o Memorial com recursos próprios, não se questionaria sua localização. No entanto, creio que Morais faz a precisa contestação no sentido desta empreitada ser realizada através de verba pública ao reconhecer sua relevância histórica.
Desta forma, nem no Cristo Rei, tão pouco na Várzea Alegre, mas talvez no Crato, como defende Morais, tenha uma estrutura econômica e urbana para abrigar equipamentos desta monta.
Com base na questão levantada por Morais em relação aos bens de Padre Vieira, coloco a pauta que remete ao Patrimônio da Industrialização – dos engenhos, das olarias, das usinas, dos motores, dos maquinários, das ferrovias, etc. - que formigam em nossa região.
Inicialmente, não pretendo tratar a questão da conversão de patrimônio cultural edificado em museus, assim como não é objeto destes relatos a valorização da história factual, da memória e dos valores propedêuticos e museológicos dos objetos, mas remeter aos remanescentes móveis que possam vir a integrar o Patrimônio Cultural, em especial o industrial, que sobejam na região.
Bens Culturais Móveis do Patrimônio Industrial.
Iguatu, Orós, Acopiara, Várzea Alegre, Cariús, Jucás, Lavras da Mangabeira, Aurora, Cedro, dentre outras, são cidades que se desenvolveram às custas do algodão e do processo de industrialização. Com exceção de Cedro, Aurora e Lavras, onde se observou que os municípios fizeram uma parte da “lição de casa” em preservar alguns remanescentes da industrialização, nas demais cidades, este trabalho ainda está por ser feito.
Poderia inserir Cariús, cidade em que há muito tempo o hospital funciona em um belíssimo exemplar do patrimônio ferroviário, mas abordarei o contexto em um outro “retalho”.
Terminal Ferroviário de Várzea da Conceição, em Cedro - CE.
Na rota que fiz no dia 22-12-2019 e publiquei no Facebook e Instagram, identifiquei, dentre outros bens móveis, relacionados ao transporte ferroviário e a industrialização, os seguintes legados: aparelho de manobra (equipamento que movimenta as linhas dando passagem para uma outra via, em Várzea da Conceição, no Cedro) carros de manutenção ferroviária, placas de sinalizações (no Iguatu – onde, segundo o jornal veiculou na época, foram verificados furtos de vagões nos últimos anos); Locomotiva (no Cedro); maquinário de atividades proto-industriais dos engenhos de cana-de-açúcar (em Várzea Alegre); e mobiliários diversos em Jucás. Pela natureza móvel destes objetos, devem existir muitos espécimes relacionados às usinas, beneficiadoras, ferrovias, engenhos, guardados ou até mesmo esquecidos pelos proprietários e seus familiares.
Nesta etapa da investigação, por exemplo, constatei que o mercantil Leandro no Iguatu, pertence a um dos herdeiros da Usina que funcionou onde hoje está implantado o comércio. É provável que objetos relacionados aos maquinários, documentos, fotos, etc. estejam “esquecidos” nalgum lugar sob a guarda da família.
Isto posto, para preservar os objetos móveis de relevância histórica do processo de industrialização que deram sentido as nossas cidades são necessários a identificação e o inventário. Onde estão os equipamentos que forneciam luz antes da energia de Paulo Afonso? As bolandeiras? As moendas? Os teares antigos? Projetores dos cinemas? Os documentos e fotos sobre o relevante sistemas de transportes em que se destacaram os varzealegrenses? Certidões, recibos, fotografias das famílias Diniz, Ferreira, Benevides, Mendonça, Correia, Pimpim, Rufino, Batista?
Os bens de Padre Vieira aparentam alguma catalogação pela família sendo questionado apenas os instrumentos para acautelamento e a relevância quanto ao interesse público, mas quanto aos bens da industrialização que estão espalhados ao relento ou em depósitos, galpões, usinas, engenhos, olarias, beneficiadoras, etc., quais medidas poderiam ser tomadas para sua identificação, inventariação e preservação?
Inicialmente, apenas com o intuito de “desencantar” esses objetos e parabenizar Antônio Morais por trazer à tona o tema, no qual “embarquei” de carona em uma estação que não é a derradeira, deixo a questão do Tombamento e dos Museus para tratar nos retalhos seguintes.
Memória cultural: o vínculo entre passado, presente e futuro.
ResponderExcluirFlávia Dourado.
À primeira vista, a memória parece uma coisa inerte, presa ao passado — a lembrança de algo que aconteceu e ficou parado no tempo.
Mas um olhar mais cuidadoso revela que a memória é dinâmica e conecta as três dimensões temporais: ao ser evocada no presente, remete ao passado, mas sempre tendo em vista o futuro.
Pesquisadores alemães Aleida e Jan Assmann.