“Mentez, mentez, il restera toujours quelque chose”
(Menti, menti, sempre ficará alguma coisa) – Voltaire
(Menti, menti, sempre ficará alguma coisa) – Voltaire
A chamada “Proclamação da República” (um eufemismo utilizado para
denominar o golpe militar de 15 de novembro de 1889) foi perpetrada por
uma minoria de oficiais do Exército, aquartelados no bairro de São
Cristóvão, no Rio de Janeiro. Este golpe teve consequências funestas.
Citemos, en passant, algumas: foi rasgada a primeira Constituição do
Brasil, a da fase Imperial, que vigorava há 67 anos; expulsou do nosso
país a honrada Família Imperial. Esta amargou um injusto exílio oficial
de 33 anos, o mais longo banimento político da nossa história. E, pior,
impôs de cima para baixo a forma de governo republicana, sem a simpatia,
consentimento ou apoio da população brasileira. Basta dizer que a
ideologia positivista-republicana nunca se popularizou no Brasil. Apesar
do apoio da mídia de então, formada pelos jornais, nas eleições
legislativas ocorridas em agosto daquele ano, o Partido Republicano só
conseguiu eleger dois deputados para a Câmara dos Deputados. Era um
partido nanico, sem expressão...
Na prática, a República teve início com o Decreto nº 1, de 15 de
novembro de 1889, elaborado pelos golpistas, que anunciava na sua
epígrafe (mantendo a grafia da época): “Proclama provisoriamente (o grifo é meu)
e decreta como fórma de governo da Nação Brazileira a Republica
Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se devem reger os Estados
Federaes”.
O primeiro aspecto, nessa dita “Proclamação”, a chamar nossa atenção, foi que ela surpreendeu a todos. A começar pelo Imperador Dom Pedro II e sua família. O golpe militar causou espanto também à população do Rio de Janeiro. Trouxe estupefato às classes política e empresarial da então capital do Império. Pasmos ficaram igualmente os diplomatas estrangeiros e as redações dos jornais daquela cidade. O jornalista Aristides Lobo, um republicano histórico, em carta escrita no dia 15 (mas só publicada em 18 de novembro), no jornal “Diário Popular”, editado em São Paulo, assim sintetizou o golpe republicano: “A colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada”.
A “Proclamação” surpreendeu até ao próprio Deodoro da Fonseca
Denominado oficialmente de “O Proclamador”, o Marechal Deodoro nunca
planejou derrubar a Monarquia. Pois quando – adoentado e febril – em 15
de novembro de 1889, montou num cavalo e colocou-se à frente de um
punhado de oficiais, lotados em unidades rebeladas na cidade do Rio de
Janeiro, sua intenção era unicamente substituir o Ministério que
governava o Brasil, tendo à frente o Visconde de Ouro Preto. Esse
ministério vinha se atritando com algumas lideranças do Exército,
dotadas de forte corporativismo, iniciado após a vitória do Brasil na
Guerra do Paraguai. Todos eram adeptos da seita Positivista, um modismo
daquela época, que grassava nas tropas.
Prova disso é que, ao subir as escadas que conduziam ao gabinete do Visconde, Deodoro não bradou o alardeado “Viva a República”, como divulga a “versão oficial” da história republicana. Na verdade, o Marechal gritou: “Viva Sua Majestade o Imperador”. Proferiu, em seguida, alguns desaforos contra o Visconde de Ouro Preto. Deu a este “ordem de prisão”. Montou novamente no cavalo e retornou ao lar, em busca de repouso e tratamento médico para sua enfermidade passageira. Ademais, Deodoro tinha algumas dívidas de gratidão com Dom Pedro II. Basta citar que as despesas com a educação do Marechal, durante a juventude deste, foram pagas com a dotação particular do magnânimo Imperador.
Além disso, Deodoro da Fonseca era possuidor de fortes convicções monárquicas. Dias antes do fatídico 15 de novembro, escrevendo ao sobrinho Clodoaldo Fonseca, aluno da Escola Militar de Porto Alegre, fez constar na carta este conselho: “Não te metas em questões republicanas. República no Brasil é coisa impossível porque será uma verdadeira desgraça”.
Ao chegar a sua casa, o Marechal Deodoro deu por encerrada sua missão. E se recusou a assinar o Decreto nº 1 (instituindo a República) que lhe foi apresentado por alguns oficiais golpistas, presentes na sua residência. A rejeição, da parte de Deodoro, em assinar o decreto pôs água na fervura. Contrariados, esses militares não se deram por vencidos. Bom lembrar que desde o dia anterior – 14 de novembro – o Major Solon Ribeiro foi incumbido pelos golpistas de alimentar o Marechal Deodoro com mentiras, fofocas e narrativas. Pois bem, decididos a implantar a República de qualquer forma, esses militares voltaram a mentir para o velho Marechal. Disseram-lhe, desta vez, que o Visconde de Ouro Preto seria substituído por Silveira Martins. Todos conheciam a inimizade de Deodoro com este político gaúcho. Ao saber disso, o Marechal ficou tresloucado. Pediu a folha de papel antes recusada e disse que assinaria o decreto. Que motivo teria levado o velho Deodoro a mudar de ideia? É o que veremos a seguir.
Adelaide, personagem quase desconhecida
Nos dias atuais, é de domínio público a causa que levou Deodoro a aceitar – a contragosto – o papel de “Proclamador da República”. Motivou essa mudança um antigo “caso de amor” acontecido na vida do Marechal. Este, na juventude, quando serviu no Rio Grande do Sul, disputou com o político Silveira Martins o amor de uma certa viúva, chamada Adelaide. Nessa testilha, o velho Marechal levou a pior. Adelaide, que era viúva, preferiu o político. E a partir daí, Silveira Martins virou um desafeto para Deodoro. O jornalista Felipe van Deursen escreveu um interessante artigo (“Uma mentira e uma rixa amorosa levaram à proclamação da República”) onde detalha o quiproquó. A conferir.
“Em 1889, os republicanos convenceram o Marechal Deodoro de que o então Presidente do Conselho de Ministros de Pedro II, o Visconde de Ouro Preto, havia expedido uma ordem de prisão contra ele. Não era verdade, mas bastou para que Deodoro juntasse um pequeno batalhão e marchasse pelo Rio de Janeiro exigindo a deposição de todo o ministério.
Deodoro, então, soube que o novo Ministro-Chefe seria Gaspar Silveira Martins, seu desafeto – os dois tinham disputado o amor da mesma mulher na juventude, e viraram rivais para o resto da vida. “Aí já é demais”, Deodoro talvez tenha pensado. O fato é que isso levou Deodoro, que até então não via o Brasil sem a monarquia, a derrubar Pedro II e instituir um governo provisório. Estava proclamada a República. Graças a uma rivalidade romântica”. (1)
O novo regime promoveu perseguições aos monarquistas
No campo das leis, o novo Governo Provisório republicano promulgou o
Decreto nº 85, criando um tribunal de exceção, para julgar – em corte
marcial – sumariamente, qualquer pessoa que ousasse modificar a forma de
governo recém imposta ao povo brasileiro. E nas sucessivas 5 (cinco)
efêmeras Constituições, promulgadas ou outorgadas pela República (1891, 1934, 1937, 1946 e 1967), sempre constou uma cláusula pétrea
proibindo qualquer tentativa de modificar a forma de governo
republicana. A única exceção foi a atual e vigente Constituição de 1988.
Veio desta última Carta Magna o indulto para os monarquistas terem
liberdade de expressarem suas ideias. Os monarquistas foram, assim, os
“últimos anistiados políticos do Brasil”.
Ademais, desde os primeiros tempos do novo regime, com mais intensidade
no segundo governo, chefiado pelo Marechal Floriano Peixoto, as
autoridades republicanas promoveram violenta repressão à ideologia
monárquica. Essa perseguição chegou a custar a vida de muitos patriotas
brasileiros. Dentre eles citamos com profundo respeito: o Almirante
Saldanha da Gama (morto em Campo Osório); o Marechal Barão de Batovi –
herói da Guerra do Paraguai – fuzilado com seus companheiros
monarquistas no Estado de Santa Catarina. Acrescentem-se à lista os
trucidamentos perpetrados contra o Barão do Serro Azul e seus aliados,
no Paraná; o Coronel Gentil de Castro, assassinado, após longa prisão,
no Rio de Janeiro. Também foram trucidadas, em ocasiões diversas,
dezenas de ex-escravos negros, entusiastas da Princesa Isabel, quando
saíam às ruas dando vivas à Redentora. Citamos ainda o Genocídio de Canudos,
promovido pelos fanáticos republicanos no sertão da Bahia. Nesta página
negra da nossa história, uma população inteira de sertanejos, fixada no
vilarejo de Belo Monte (onde vivia a trabalhar e rezar) foi dizimada,
nas três expedições militares consecutivas, deslocadas do Rio de Janeiro
para promover esse massacre.
A República que não foi
Uma ironia da história. A Monarquia foi derrubada, no momento em que
vivia sua maior aceitação por parte da população brasileira. O
historiador José Murilo de Carvalho (2) assim resumiu a controvérsia: “Eu
diria mesmo que a Monarquia caiu quando atingia seu ponto mais alto de
popularidade entre esta gente, em parte como consequência da abolição da
escravidão. A abolição deu ensejo a imensos festejos populares que
duraram uma semana e se repetiram no ano seguinte, cinco meses antes da
proclamação da República. A simpatia popular se dirigia não só à
princesa Isabel, mas também a Pedro II, como ficou evidenciado por
ocasião do aniversário do velho imperador a 2 de dezembro de 1888.
Segundo o testemunho do republicano Raul Pompeia, o Paço Imperial foi
invadido por “turba imensa de populares, homens de cor a maior parte”.
Pura verdade!
(*) Armando Lopes Rafael é historiador.
(*) Armando Lopes Rafael é historiador.
Notas:
(1)htps://super.abril.com.br/blog/contaoutra/uma-mentira-e-uma-rixa-amorosa-levaram-a-proclamacao-da-republica/
(2) Livro “Os Bestializados...” 3ª edição, 25ª reimpressão, (1987), página 29.
(2) Livro “Os Bestializados...” 3ª edição, 25ª reimpressão, (1987), página 29.
Bibliografia
MELLO. Custódio José de. O Governo Provisório e a Revolução de 1893. Companhia Editora Nacional. São Paulo. 1938.
SANTOS. Armando Alexandre dos. A Legitimidade Monárquica no Brasil. Edição de Artpress– Indústria e Editorial Ltda. São Paulo.1988.
------ Parlamentarismo, sim! Mas à brasileira. Edição de Artpress– Indústria e Editorial Ltda. São Paulo. 1992.
Prezado Armando - Um texto muito esclarecedor. Há um ditado antigo e velho que diz : "Tudo que começa errado não pode dá certo". A república foi um grande erro. Com o tempo, ao invés de aperfeiçoarem o regime para melhor, contribuiram com o total apodrecimento. E de 20 anos pra cá virou uma "INIQUIDADE".
ResponderExcluirPrezado Armando Rafael - Infelizmente o povo não lê uma postagem destas suas. Mas está acompanhando a versão que interessa a midia. Deturpada, mentirosa e vergonhasa como a reapresentação da novela "Nos tempos do Imperador".
ResponderExcluirE uma população tonta, sem ação. Esparramada numa rede, sossegada esperando o mar pegar fogo para comer peixe assado. Com esse povo não haverá de haver mudança nunca.
Ninguém preciona as autoridades por geração de emprego. Estão todos investindo no auxilio emergencial. Os politicos para se manterem no puder e o povo para aliviar a fome. Assim segue a republica do Deodoro da Fonseca que proclamou para oito dias depois já está arrependido.
É isso, Morais. Vivemos tempos de iniquidade. Infelizmente, no contexto atual, não vejo saída para a mega-crise brasileira...Só Deus na causa.
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ResponderExcluir"Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito".
Mais um feriado, para a naçào dormir "em berço explêndudo"....
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