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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 23 de julho de 2019

O massacre da família Távora – por Armando Lopes Rafael (*)



Gravura de 1759 mostrando o martírio da família Távora, nas proximidades da Torre de Belém

    O Rei Dom José I – bisavô do nosso Imperador Dom Pedro I –, reinou em Portugal entre 1750 e 1777. Teve como Primeiro-Ministro, o cruelíssimo e impiedoso Marquês de Pombal. Este, governou o reino com mão de ferro. Pombal alimentou, ao longo da sua vida, profunda inveja contra algumas famílias aristocráticas de Portugal. Em relação ao clã dos Távoras – mais do que inveja –, Pombal nutria por eles um sentimento de ódio. Provavelmente porque a família Távora não somente fosse riquíssima.  Ela tinha ramificações (e exercia influência) noutras casas nobiliárquicas portuguesas, a exemplo das de Aveiro, de São Vicente, de Alorna, de Atouguia e de Cadaval. Todas faziam discreta restrição ao comportamento do Marquês de Pombal.

    Os Marqueses de Távora – Leonor e Francisco de Assis – possuíam um filho, Luís Bernardo, pessoa de muito destaque em Lisboa, casado com Teresa de Távora e Lorena. Era do conhecimento geral que o Rei Dom José I mantinha um relacionamento amoroso com essa nora dos Marqueses de Távora. Estes, sofriam muito com a situação moral de Teresa de Távora e Lorena. E viviam aconselhando o filho Luís Bernardo a se separar da esposa adúltera.

      Diz o livro dos Salmos 5,3-6: “os lábios da mulher adúltera no fim das contas, deixam um sabor amargo, uma ferida feita como que por uma aguda espada de dois gumes. Os seus comportamentos conduzem à morte”. Consta nos registros históricos que, na noite de 3 de setembro de 1758, Dom José I, retornava para casa, incógnito numa carruagem, depois de um encontro com a amante. No meio do caminho, a carruagem foi interceptada por três homens que dispararam contra o Rei. Dom José I ficou apenas ligeiramente ferido no braço. Mas o Marquês de Pombal tomou a si a apuração desse atentado. Dois empregados dos Távoras foram presos e torturados até declararem que o atentado teria partido dos seus patrões.

     
   Armas da Família Távora. Encimando, um golfinho; as águas azuis representam o Rio Távora, que banha uma vila da Província de Trás-os-Montes, local de origem desta família,. O Rio Távora é afluente do Rio Douro.

    O Marquês de Pombal não divulgou o atentado de imediato. Antes disso, mandou prender a família Távora (adultos e crianças), o Duque de Aveiro, e até o Padre Jesuíta Gabriel Malagrida (confessor de Teresa de Távora e Lorena). Este sacerdote foi, posteriormente, enforcado. O Marquês de Pombal aproveitou a acusação de “regicídio” (tentativa ou assassinato de reis) para expulsar todos os Padres Jesuítas de Portugal, desejo que alimentava há muito tempo. No dia seguinte ao atentado, o filho do Marquês, Luís Bernardo e o Duque de Aveiro foram enforcados. Nas semanas seguintes a Marquesa Leonor de Távora, o seu marido Francisco de Assis, e todos os seus filhos, filhas e netos foram encarcerados. Todos acusados de “alta traição” e “regicídio”. Os bens da família Távora foram confiscados pela Coroa. A casa dos Marqueses de Távora foi destruída e o terreno onde estava edificada foi salgado, para que, naquele chão, nem vegetação nascesse.

     O processo contra os membros do clã Távora tornou-se o caso judicial mais famoso da História de Portugal. À época, poucas pessoas acreditaram nas acusações feitas contra aquela família. A começar pela Princesa-herdeira do Trono (que viria a ser a futura Rainha Maria I).  Ainda hoje este é o sentimento entre os historiadores que se debruçam para pesquisar esse trágico episódio.

        Infelizmente, o plano traçado pelo Marquês de Pombal – para tentar apagar a semente   dos Távoras da face da terra – foi executado como ele planejou. No entanto, alguns Távoras conseguiram fugir para o Brasil. Enquanto isso, no dia 13 de janeiro de 1759, num local ermo, nas proximidades da torre de Belém, antecedendo à execução pública dos acusados, diversos membros da aristocracia e da alta nobreza portuguesa também foram torturados, expostos à humilhação pública e, por fim, decapitados. Os restos dos seus corpos foram queimados, com todo requinte de perversidade, e suas cinzas espalhadas no Rio Tejo.

         Morto Dom José I, em 1777, aos 62 anos, subiu ao trono sua filha, a agora Rainha Dona Maria I (avó do nosso Imperador Dom Pedro I). Ela, como um dos primeiros atos do seu reinado, mandou perdoar os Távoras e devolveu o patrimônio que havia sido desapropriado ilegalmente à família trucidada.

***
              O que aconteceu com os poucos Távoras que fugiram para o Brasil? Aqui adotaram outros sobrenomes, como “Silva” e “Fernandes”, para escapar de novas perseguições. Os descendentes desses fugitivos, residentes no Ceará, destacaram-se como homens íntegros e ocuparam funções e cargos relevantes no Brasil. Dentre eles, Juarez, Manuel e Franklin Távora (irmãos) e Virgílio Távora (sobrinho). Alcançaram eles as mais elevadas patentes no Exército Brasileiro; Juarez Távora foi candidato a Presidente da República Brasileira, em 1955; Manuel e Virgílio Távora governaram o Ceará em três ocasiões. Também foram Senadores, Deputados, Ministros de Estado. Outros membros dessa família se destacaram como jornalistas, advogados, bispos, sacerdotes...

                Atribui-se ao Monsenhor Fernandes Távora (ele foi Vigário de Crato entre 1883 a 1889) o restabelecimento do uso do sobrenome “Távora” entre os descendentes brasileiros. Consta que o Monsenhor quis cursar a Academia dos Nobres Eclesiásticos, em Roma. Dificilmente essa Academia admitia sacerdotes sem linhagem de aristocracia ou padres estrangeiros. Monsenhor Fernandes Távora viajou à Lisboa. Pesquisou e restaurou, no Brasil, o nome dessa família, o qual estava proscrito, desde 1759, em Portugal.

(Esta crônica é dedicada a três meninas nascidas no Cariri cearense: Lara, Lia e Maria, minhas netas, filhas de Carolina e Leonardo, que carregam no Registro Civil o sobrenome Távora, herdado do pai delas)
 Livro do historiador José Norton sobre a epopeia dos Távoras. A bibliografia sobre o tema é vasta

 (*) Armando Lopes Rafael é historiador, licenciado pela Universidade Regional do Cariri. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e membro-correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA). Em 2016 foi agraciado com a Comenda da Ordem Equestre de São Silvestre Papa, pelo atual Papa Francisco,  no grau de Cavaleiro.

3 comentários:

  1. Prezado Armando - Outro dia, na Praça Siqueira Campos, um "Marques de Pombal" da atualidade, por má fé ou ignorância, tentou colocar um Távora, O Virgílio no mesmo balaio de gato dos políticos cearenses depois dele. Recebeu a minha oposição de imediato. Virgílio, que não sei se faz parte da descendência dos Tavoras que você destaca na sua portagem tinha o caráter, honestidade e a decência que falta a muitos.

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  2. Temos de reconhecer: o autor do artigo fez uma pesquisa profunda, séria e se houve muito bem na redação. Artigo interessantíssimo.

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  3. Caro Morais:
    Domingo último, você me presenteou com um excelente livro: “Virgílio Távora– O Estadista Cearense”. Li-o de um fôlego!

    Como Virgílio é legítimo descendente dos Távoras massacrados pelo danoso Marquês de Pombal, este livro me inspirou a pesquisar (e publicar) um artigo sobre os notáveis Távoras de Portugal.

    Virgílio foi, também, um legítimo continuador dos ideais dos seus ancestrais portugueses. Virgílio Távora foi um homem público honesto, digno, inteligente e veraz. Certamente o espírito dele está junto ao nosso Criador– O Todo `Poderoso Senhor do Céu e da terra.

    Virgílio só fez o bem na sua passagem pela terra. Tenho muita admiração por ele.

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