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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 1 de março de 2010

UM PESADELO DE GUERRA - Por Mundim do Vale

Certa noite eu tive um sonho
Que meu país tava em guerra
Escutava pelo rádio
Que o sangue banhava a terra.
Daí eu pensei ligeiro:
- Guerra é coisa do estrangeiro,
Não tem no meu pé de serra.

Eu já estava esquecido
Trabalhando em meu roçado
Chegou lá um regimento
De major, cabo e soldado.
O major disse: - Elemento!
Vá pegar seu armamento
Que você foi convocado.

- Fui convocado porque?
Você tá ficando louco?
Minha guerra é contra a seca
E já é grande o sufoco.
Eu já vivo aqui lutando,
Com a lagarta me furtando
E o que sobra é muito pouco.

- Mas a pátria é sua mãe
E você tem o dever,
Quando ela precisar
Você tem que atender.
Levante nossa bandeira,
Vá na frente da fileira
Para matar ou morrer.

- Quero ficar no sertão
Sem ver granada cair
Enquanto Deus me der vida
Meu propósito é construir.
Não mude minha conduta,
Que vivo aqui nessa luta
Mas não sou de destruir.

- Deixe de ser tão covarde
Matuto desnaturado,
Negar ajuda ao país
Merece ser enforcado.
Você tá sendo grosseiro,
Com o exército brasileiro
E vai ficar encrencado.

- No dia que for preciso
Uma arma eu disparar
Tem que ter dois camaradas
Prontos para me amparar.
Um pra tapar meu ouvido,
Na hora do estampido
E outro pra me segurar.

- Fale comigo direito
Procure ser mais gentil
Você sendo brasileiro
Tem que servir o Brasil.
Seja um cidadão decente,
Porque de hoje pra frente
Sua inchada é um fuzil.

- Vocês que brincam com isso
Tão agora no castigo
Resolvam só sua briga
Não queiram contar comigo.
Minha luta é com a terra,
Não posso ir para a guerra
Porque não tenho inimigo.

- Eu entendo que você
É matuto da ribeira
Mas nem por isso eu aceito
Debochar nossa bandeira.
Quero ver o seu sorriso,
No dia que for preciso
Batalhar numa trincheira.

- Saia já do meu roçado
Com a sua cabroeira
Nasci pra viver no mato
Mas nunca numa trincheira.
Chame o cabo e o soldado,
Desocupe meu roçado
E feche bem a porteira.

- Você já passou da conta
E agora se deu mal
Não serve para o país
E agride oficial.
Vou agora lhe enquadrar,
Mais tarde eu venho buscar
Para a corte marcial.

Depois que o major saiu
Fiquei num toco sentado
Com duas horas depois
Invadiram meu roçado.
Fizeram um cinturão,
De jeep, rural, caminhão
E até tanque blindado.

O major me apontou
Disse: - É esse o desertor!
Não precisa tratar bem
Que o cabra não tem valor.
Me amarraram com corrente,
E ainda tinha gente
Me chamando de agressor.

Me levaram a um lugar
Chamado concentração
Lá vi gente mutilada
Que chorei de comoção.
Mas uma nuvem desceu,
E de dentro apareceu
O meu anjo guardião.

O anjo me amparou
Tratando com muito zelo
Disse: - Sossegue Mundim!
Que atendi seu apelo.
Você viu gente sem Deus,
Maltratando os irmãos seus
Mas foi só um PESADELO.

Eu acordei satisfeito
Mas não foi aliviado
Porque sei que uma guerra
Nunca tem bom resultado.
Quando o conflito termina,
Alem da carnificina
Gera viúva e finado.

O PESADELO foi cópia
Da situação real
Enquanto houver a ganância
O homem adota o mal.
E aqueles que tem poder,
Nunca vão interceder
Porque acham natural.

Mundim do Vale
V. Alegre–Ceará
Nascido pós guerra

2 comentários:

  1. Poema bonito e mensagem profunda. Parabens por mais essa.

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  2. Raimundim, mais um belo poema.. Lindíssimo!!!!
    Se as pessoas tivessem Deus no coração, o mundo seria de paz.
    Um grande beijo e Deus nos abençõe.

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