Este texto não é meu. O preâmbulo é de Claude Marie Bloc Boris. Ou, simplesmente Claude, tão nossa conhecida. E os excertos – abaixo publicados – foram tirados de uma carta escrita por Francis Bloc Boris. Ao final da leitura do texto, descobrimos que a solidariedade humana pode vencer as barreiras e os preconceitos criados pelo homem.
Armando Lopes Rafael
Preâmbulo
Quem é Francis Bloc Boris? Irmão gêmeo de Hubert Bloc Boris, nascido em Paris em 1922, aos 18 anos viu-se no meio da Segunda Guerra Mundial. Participando da resistência francesa, ele acabou aprisionado em Auschwitz na Polônia, considerado o pior dos campos de concentração. Não seria necessário aqui entrar em detalhes sobre sua trajetória nos horrores do holocausto. O texto-carta em si já serve para contextualizar o episódio, e foi escrito por ele, em lembrança aos fatos com ele ocorridos e dedicado ao Padre Bonaventure, que nunca saiu do seu pensamento pela dedicação, pelo altruísmo e sentimento de humanidade. No fim de tudo, e apesar de tudo, o que restou foi o amor fraterno, evidente na beleza deste relato. (Claude Bloc)
A carta
"Fortaleza, 5 de setembro de 1985.
CARTA ABERTA AO
Reverendíssimo Padre Bonaventure
Herói da Resistência Francesa durante a Guerra 1939/1945
Sobrevivente dos Campos de Concentração Nazistas
NO CÉU
Reverendíssimo Padre Bonaventure
Herói da Resistência Francesa durante a Guerra 1939/1945
Sobrevivente dos Campos de Concentração Nazistas
NO CÉU
Meu velho amigo da resistência e fiel companheiro dos campos de concentração nazistas.
Acabo de ser informado que você deixou esta terra para, como você dizia, um mundo melhor. No telex recebido do Arcebispado de Lyon (França) que me informou da infausta notícia, acrescentaram que você nunca se esqueceu de mim, preocupando-se ainda com as seqüelas que me deixou a deportação e continuava apelidando-me “o judeu mais cristão do mundo”.
Acabo de ser informado que você deixou esta terra para, como você dizia, um mundo melhor. No telex recebido do Arcebispado de Lyon (França) que me informou da infausta notícia, acrescentaram que você nunca se esqueceu de mim, preocupando-se ainda com as seqüelas que me deixou a deportação e continuava apelidando-me “o judeu mais cristão do mundo”.
Minha tristeza é imensa e minhas lágrimas dificultam a elaboração desta carta. Eu nunca conheci na minha vida um ser humano como você, e, por isto, gostaria de gritar ao mundo quem você era, bem como demonstrar que segundo seu exemplo, não é tão difícil dar de si e amar ao próximo qualquer que seja sua raça, sua cor, sua religião, suas origens.
Somos um exemplo de que, se muitos homens sobreviveram a tantas provas desumanas da escravidão nazista, foi devido à solidariedade que se manifestou sob múltiplos aspectos, permitindo a muitos lutar contra o “animal” nazista e conservar sua dignidade.
Se somos, como você dizia, depositários da grande esperança pacífica de todos os homens, esquecendo o ódio sempre estéril (o que foi para mim difícil de cumprir) prestamos juramento em reunião memorável de nunca esquecer o que suportamos nos campos de exterminação.
Reverendíssimo Padre Bonaventure, apesar de sua bondade inata, sua fé incomensurável, sua abnegação total diante da qual sempre me curvei com respeito e admiração, ao ponto de não saber como consegui sobreviver, continuo judeu, por respeito aos meus ancestrais e meus pais, e por ter sofrido desde que nasci, só por causa desta origem.
Padre Irmão, quantas vezes nos abraçamos, quando juntando nossos esforços conseguíamos o impossível: “salvar um companheiro do sofrimento”. Lembrar-me-ei sempre que você, tendo acesso às cozinhas do campo, ia roubar alimento. Quando nos separamos, cada um pesava 36 e 41 kg, tão secos e esqueléticos que não conseguimos derramar uma lágrima. Você me disse então; “Meu filho, quando conseguirmos chorar, seremos definitivamente salvos”.
Hoje precisaria de você para enxugar meus olhos nesta lembrança inesquecível. Queria que este exemplo servisse ao mundo inteiro para comprovar que nós, tão diferentes, com fé diferente, conseguimos nos entender tão humanamente.
Vou lutar até o fim da vida para cumprir nossa promessa: atuar sempre a fim de que nunca mais existam campos de concentração, para que não haja mais guerras e perseguições raciais, e sim respeito mútuo, qualquer que seja sua raça, religião, crença, origem, opinião.
Reverendíssimo Padre Bonaventure, se não freqüento ainda as igrejas, garanto que, se todos os eclesiásticos fossem do seu gabarito, as igrejas estariam sempre cheias. Com meu imenso respeito e eterna saudade, de seu fiel amigo e admirador,
FRANCIS BLOC BORIS
“SHALON”
Prezado Armando.
ResponderExcluirPoucas vezes li uma mensagem tão tocante como esta. A guerra, o pior dos males do mundo, deixa exemplos de grandeza humana como o que acabo de ler. Muito obrigado pela postagem. Receba os nossos cumprimentos.
É...
ResponderExcluirArmando Lopes Rafael:
Tenho um carinho imenso pelas suas postagens.
Elas refletem a abnegação de um estudioso sem fronteiras, buscando a informação saudável, criteriosa e instrutiva e nos repassando, seja como lenitivo para o coração sofrido, seja como instrução para a vida.
Junte-se ai um número sem conta de informações sobre a nossa cultura e o nosso histórico passado.
já li demais sobre a segunda grande guerra até cansar de tanto revisar o histórico de tanta barbárie.
Agora você nos presenteia com uma postagem sobre aquela guerra, mas, cheia de amor, fraternidade e vida. Trazendo à luz, sensíveis informações para nosso aprendizado.
Parabéns a você, Parabéns a Claude - Essa garota vai longe, ela é um depositário de informações envolventes.
Abraços do
Vicente Almeida
Armando, obrigada.
ResponderExcluirMesmo já tendo lido essa carta algumas vezes em épocas diferentes, sempre me sinto emocionada, pois Tio Francis realmente agregou muitos valores humanos e cristãos com essa passagem da vida dele.
Foi tudo tão marcante que nunca foi esquecido e foi passado para a família como exemplo.
Abraço amigo,
Claude
Morais,
ResponderExcluirVicente,
Claude:
Escrevi, semanas atrás, que “somos o que escrevemos”.
E é verdade.
Por esta carta escrita pelo Sr. Francis Bloc Boris, dá para conhecer um pouco do que habitava o coração dele, pois o texto embute: gratidão (a mais rara das virtudes), tolerância, sinceridade, solidariedade, dentre outras virtudes...
Não o conheci pessoalmente. Mas, pelo que li, fiquei conhecendo um pouco do espírito dele.
Que Deus – Pai misericordioso e fonte de amor – tenha o Sr. Francis na Mansão dos Justos.
Armando
Armando,
ResponderExcluirO preconceito é um mal universal. A grandeza do ser humano está na sua compaixão, pois só os compadecidos conseguem superar as suas dificuldades e se tornarem maiores do que as piores dificuldades. Um Viva! a solidariedade humana.
Belo texto, necessária mensagem.