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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ingenuidade.

O Cassimiro Bento, do Açude Velho, município de Piquet Carneiro, de início, era uma pessoa normal. Casou-se, nasceram muitos filhos, porém depois de quarenta anos, apareceram uns problemas e ficou amalucado. Não era totalmente débil mental, mas, muito ingênuo mesmo. As conversas dele não tinham pé nem cabeça. Enviuvou, e passou a morar na casa dos filhos, uns dias na de um, outros dias na casa de outro, e assim por diante. Quando se encegueirava por uma coisa não tinha quem o arredasse. No começo da década de 1940, cismou de ir passar uns meses na casa de uma filha em São Paulo. Insistiu até arranjarem dinheiro para ele viajar, àquela época de navio, em companhia de pessoas conhecidas.

Passou por lá um ano ou mais e, de novo, começou a insistir para voltar. Era no quente da segunda grande guerra, de vez em quando se sabendo notícias de navios afundados pelos alemães, por isso, a filha temia em deixar seu pai viajar de navio, pois, naquele tempo não havia outro meio de transporte, porém, insistiu tanto que o jeito foi ela concordar embora sabendo do grande perigo.

Arranjou passagem, embarcou ele no porto de Santos e telegrafou para a família. Aconteceu que com oito ou nove dias de viagem o navio foi torpedeado. Correu a notícia: “o navio que Cassimiro viajava afundou e não se salvou ninguém”. A família em Piquet Carneiro quando soube, ficou muito aflita e botaram luto. Passados uns dois ou três anos, eu estava um dia hospedado na casa do meu parente, o Chico do Zeca, em Fortaleza, saí pra rua e quando voltei avistei o Cassimiro bem sentado na casa onde eu estava hospedado, e sem querer acreditar, perguntei: “É o Cassimiro Bento mesmo?” E ele com aquela mesma cara de pateta, só fez dizer “éééé”.

Ai fomos quebrar cabeças para saber como foi que ele se salvou do naufrágio do navio. Ele contou uma estória que quase não acabava mais e no final tiramos a conclusão de que o caso aconteceu mais ou menos assim: quando o navio chegou no Rio de Janeiro demorou um pouco; o Cassimiro então saiu e foi pedir para um rapaz desconhecido trocar uma cédula de dez mil réis; o rapaz respondeu que não podia, mas, se ele quisesse, ia ali trocar o dinheiro e voltaria já; ele concordou e depois de esperar muito pelo rapaz, faltou a paciência e saiu para procurá-lo na rua; nem encontrou e nem acertou mais voltar; começou a se lastimar de rua em rua, até que um senhor se compadeceu e o levou para a casa, onde ficou trabalhando, zelando o jardim; depois, este mesmo senhor arranjou uma passagem e o mandou para o Ceará, visto que a guerra já havia terminado.

Passou mais de três anos na casa desse senhor. No dia seguinte viajávamos de trem para o interior, sentados na mesma cadeira, e de vez em quando eu notava ele querendo rir. Perguntei-lhe porque estava rindo e ele respondeu: “maginano, quandeu chegá lá, o avoroço do povo cum medo deu”....
Mombaça Online.

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