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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 19 de abril de 2012

SEXTA DE TEXTOS

O BEBARRÃO E O DOUTOR

- Vamos. São apenas seiscentos metros de caminhada.
- Em terreno plano?
- Claro que não! O caminho é íngreme e com muitos obstáculos, tipo pedras pontiagudas e plantas espinhosas. Mas vale a pena. Apesar do sol forte, teremos a oportunidade de conhecer a Gruta de Angicos, em Poço Redondo, Sergipe, lugar onde foram mortos parte do bando do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, em 28 de Julho de 1938.

Falando isso, o decidido médico convence três de seus companheiros, coincidentemente mulheres, a segui-lo naquela maratona semi-árida, rumo ao local da histórica chacina do sertão nordestino. Juremas, pereiros, mandacarus, cactos, pedregulhos, trilhas estreitas e raios solares engrenam àquela cansativa aventura.

Após torturante subida o coração bate apressado, não apenas pela emoção do momento, mas também pelo cansaço excessivo de corpos exaustos. Uma descida final, e ali está, na frente dos nossos olhos, o cenário daquele trágico combate unilateral. Alguns conseguiram fugir, porém, onze deles, foram assassinados e degolados pela volante do tenente João Bezerra. Dentre eles, o temido Lampião e sua companheira Maria Bonita, a qual teve o seu pescoço decepado ainda com vida.

O doutor, emocionado, escala uma das inúmeras pedras daquele escaldante terreno e recita um poema, entre as duas cruzes fincadas por ocasião do centenário do terrível cangaceiro, registrando, verbalmente, aquela rápida passagem, que possivelmente jamais se repetirá. Quase que simultaneamente, num gesto cristão, humanístico e espontâneo uma das nossas acompanhantes, segura de sua fé e de sua religiosidade, reza um Pai Nosso, o qual é acompanhado por todos.

Dever cumprido. O nosso grupo, sedento, retorna à base fincada às margens do Rio São Francisco. Ali próximo, os demais companheiros nos esperavam nas proximidades da casa do coiteiro Pedro de Cândido, que através de tortura, confidenciou a João Bezerra o esconderijo do Rei do Cangaço, naquele fatídico dia.

Passado o cansaço, mente mais arejada, o esculápio deu por conta que fora às três horas da tarde daquela Sexta Feira Santa, o exato momento da prece empreendida pelo grupo, em louvação aos cangaceiros mortos. Mesma hora em que o nosso redentor tombara na cruz durante o seu calvário.

Pensou em voz alta: - Ora, rezei pelos mortos. Todos precisam de oração. Acho que não vou ser surpreendido no céu devido a esta despropositada coincidência.

Nesse momento, um alcoólatra que bebia ali próximo blasfemou de maneira deselegante e impiedosa: - É... Mas o amigo devia ser mais otimista. Pense positivo! E se o doutor for para o inferno? Na certa, vai encontrar um amigão por lá!

Ao profissional da medicina, restou apenas fazer um sinal de negação a este filho do Demo e continuar a sua histórica missão.

3 comentários:

  1. Dr. Savio.

    Mais uma boa historia.

    Parabens.

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  2. Sávio, dizem que cabeça grande é sinal de inteligência, não se queixe da sua.
    Li por duas vezes seu texto. Mais uma vez você se supera com suas postagens.
    Um abração.

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  3. Dr. Sávio, o senhor te concedeu inteligência e conhecimento. não extingas a lâmpada da graça Divina. Lembra-te: um homem justo causa mais mal ao Demônio que um milhão de crentes insensatos; lembro -te ainda, somos todos filhos de Deus.
    Abraço fraterno. Fátima Gibão.

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