Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 17 de junho de 2012

Serra Negra - Por Dr. Jose Bitu Moreno.


Do terraço de casa descortinava a serra Negra. Minha mãe cantarolava a historia do canário da serra, que um menino prendeu na gaiola, e ele nunca mais cantou, até morrer de tristeza. A rede balançava-se ao compasso da musica. Eu relutava contra o sono, viajava com misto de medo e encanto pelas trilhas e segredos daquela serra tão próxima e ao mesmo tempo tão distante, a serra Negra, a serra dos meus primeiros sonhos.

Serras, havia outras: Gravié, dos cavalos, Charneca, Crioulos. Na charneca, sucedeu que um marido enciumado foi enterrar os pedaços do que foi a sua amada. Matou-lhe inocente, por isso que do chão brotou, no lugar onde a enterrou, uma capela branquinha como se de anjo, como no peito canoro do passarinho que lavava as roupas de Deus. De lá se divisava o vale. De lá, à beira de uma estrada que riscava a serra como se giz, sentava-se a capelinha chorando baixinho.

Mas de todas, a Negra mais me fascinava. Sentado na barra, em majestade com a lombada dobrando-se de lado, parecia touro manso, silencioso, impenetravel, ruminando segredos e eternidade.

Representava o intangível, o mistério, a serra do canário triste e do menino arrependido, e intrigava-me saber o que existia para depois dela, ou se era tão grandiosa que não me permitiria a possibilidade de outras, numa sucessão sem fim.

Penso hoje que daquela atração significou o lento formular de perguntas, o nascimento de esquisita melancolia ou ânsia, que me fez, adulto, trocar cidades, atravessar mares e conhecer outras terras.    

2 comentários:

  1. Do livro Camisa nova, seu Doutor do medico e escritor Jose Bitu Moreno.

    O livro do Dr. Jose Bitu é um verdadeiro passeio nas lembranças e saudades de um tempo feliz. A serra Negra não era só dele, pra mim também foi o lugar das lembranças inesquecíveis, o lugar da esperança de bom inverno, pois era lá que se via o primeiro relâmpago e começava a nascer as chuvas que se espalhavam pelo verde vale do Machado, banhando-o e gerando fartura.

    Da casa do Sanharol tinha-se uma bela visão da serra Negra, o meu pai dizia sempre: quem vê o primeiro relampago sou eu.

    Parabéns Dr. José Bitu pela saudação a serra Negra, a serra de todos os varzealegrenses.

    ResponderExcluir
  2. "Algumas casas se agrupavam nesse plantô,onde o caminho se alargava em terreiro de terra batida,palco de cavalhadas coloridas e bem disputadas.Seginddo,a estrada mergulhava na ladeira escura,encoberta por ávores e onde avia uma cruz,que de tão antiga não mais se lembrava do defunto.Após a ladeira,a casa branca de Vó Branca iluminada pelos raios de sol,a casa sem portões e sem sercas."Parabéns José Bitu.

    Nossa serra negra
    Porque ela também é minha
    Lá tem a baixa de Madrinha
    E as vezes amarra o cocó
    Assim dizia minha vó
    Também fala mamãe
    Hoje até sapo toma banho
    Quando a serra amanhesse assim
    Chove o dia todim
    Hoje a poeira não chega
    Bendito seja a serra neggra
    Florindo nosso jardim.

    Morais isto dizia nosso vó: hoje a serra tá com o cocó amarrado.

    ResponderExcluir