Matozinho, final de tarde, lá estavam os “jornalistas” de plantão, reunidos na praça da matriz, comentando as últimas notícias e dando pitaco em tudo: de cibernética à plantação de coentro. Aberta a pauta da última semana, de lá saltaram, com, estardalhaço, como codorniz detrás de moita: a eleição do Papa, o julgamento do Bruno e, na seção mais regional, a Seca e algumas traquinagens de pretensas baitolagens e enchiframentos.
Conversa vem, palestra vai, eis que chega ao tribunal, Jojó Fubuia que, àquelas alturas, já tinha espantado não só o anjo da guarda mas toda corte celestial. Fubuia, certificando–se da pauta, apressa-se em acrescentar mais um item para parecer: “Na Bahia, abriu-se um concurso para policial e estão exigindo, das mulheres candidatas, atestado de virgindade”. Resolvida, por quase unanimidade a quantificação da pena do goleiro: deve ser capado e os possuídos servidos as barrões de Coronel Sinfrônio Arnaud; passou-se a assuntos papais resolvendo-se que iriam levar ao Padre Arcelino uma petição solicitando encaminhamento de milagre a Santa Genoveva, dando paciência ao povo do Brasil para suportar os argentinos que já se pensavam deuses e, agora, com a eleição do Papa portenho, passaram a ter certeza.
Chegando à questão trazida, em caráter emergencial, por Fubuia, as opiniões se dividiram. Alguns defenderam a tese de que a exigência era perfeita, uma vez que não se admite um policial militar sem honra. Outros colocaram em cheque o absurdo da cláusula , lembrando que não se tinha o mesmo critério com os homens. Houve consenso num ponto: a dificuldade em formar um pelotão de imaculadas, nos dias de hoje, a não ser fazendo convênio com o éden dos islâmicos que, por tradição, possui uma mina inesgotável de virgens. Giba lembrou a estranheza e o ineditismo da notícia, com um : nunca antes na história desse país !
O velho Sinfrônio Arnaud, escorado em um dos bancos da pracinha, até então tinha sido lacônico. Quando resolveu falar, os outros silenciaram em reverência. Arnaud não era homem de muita conversa e não aprendera a ouvir opiniões contrárias. Informou, então, para uma platéia boquiaberta, que a Bahia apenas estava imitando Matozinho. Aquilo tudo já se passara ali há mais de trinta anos, esta era uma das únicas vantagens de se ser velho! - vociferava um Arnaud pletórico e com veia do pescoço dilatada.Fora, inclusive, causa de morte e de uma grande debandada de matozenses para São Paulo, fugindo dos rigores de uma seca feroz no ano de 1958. Instado por uma platéia curiosa, nosso Sinfrônio narrou o ocorrido. O prefeito da época, Pedro Cangati, preocupado com o abastecimento de água na cidade, resolveu contratar mulheres para transportar a água barrenta de alguns poços últimos do Rio Paranaporã, até à vila e ali a distribuir para a população. Com esta medida, matava dois preás com um só fojo: melhorava o abastecimento e também a renda familiar das contratadas, todos em situação de calamidade pública.
O problema é que havia cacique demais para pouco índio. Mal vazou a notícia da possível contratação, a prefeitura se viu apinhada de gente atrás do emprego: mais de mil e quinhentas mulheres faveladas. Pedro viu-se em dificuldade política no processo de escolha. Pediu então, a Saturnino-Ôi-de-Putaria , seu secretário na prefeitura e que carregava a alcunha por conta de ser vesgo, pediu-lhe para preparar um edital regulamentando a contratação da maneira mais legal possível. Saturnino lavrou o edital e afixou na recepção da prefeitura. Escrevia ruim como o diabo, fizera apenas um curso Mobral e mal assentava o nome. Passados os dias, observou-se que muitas e muitas mulheres liam o Edital, mas não se inscreviam. “Ôi-de-Putaria “ estranhou o súbito desinteresse das candidatas, a coisa tinha mudado da água barrenta e salobra do rio, para fubuia mata tatu do coronel Sinfrônio. Pediu , então, para que funcionários interrogassem as pretensas candidatas, após a leitura do Edital, sobre a má vontade em trabalhar, mesmo em tempos tão bicudos. Só então se desvendou o mistério. Elas informaram, reiteradamente, que não podiam se enquadrar nos critérios do Edital. O Secretário resolveu reler e no Art. 3 estava exposto : “As candidatas necessitam trazer a documentação exigida no Art 2 e, precisam, necessariamente ter cabaço”. O Secretário queria empregar mulheres habilitadas e que possuíssem já uma cabaça para transportar a água, o que facilitava as coisas. O problema é que na hora de datilografar , ocorreu um erro e a Cabaça saiu no masculino, tornando-se, assim, uma exigência intransponível mesmo em terras matozenses.
Ciente, agora, do esdrúxulo impasse, e pressionado diuturnamente por Cangati, Saturnino resolveu refazer o Edital. Cuidadosamente datilografou um novo documento e afixou na prefeitura. Pediu ainda para a amplificadora local divulgar o desaparecimento das exigências anteriores. Dias passaram-se, inúmeras candidatas retornaram, releram o Edital, mas simplesmente se calavam e saiam sorrateiramente sem se inscrever. Gente morreu de sede, esfarrapados fugiram para o Sul e nada de se instalar o programa salvador prometido por Pedro Cangati, por absoluta falta de inscritos. Depois de muitos meses, um dia, relendo o documento convocatório é que o ilustre edil de Matozinho descobriu a causa da falência do seu Programa Emergencial Contra a Seca. O Artigo 3 do Edital, corrigido por “Ôi –de- Putaria” , recebera uma nova redação que aparentemente deveria facilitar as coisas não tivesse incorrido em séria ambigüidade:
“As Candidatas devem se inscrever na própria prefeitura, portando os documentos exigidos no Art. 2 desse Edital. Precisam trazer uma lata dessas de dezoito litros para transporte da água tem que ter um pau no meio e não podem ter nenhum furo no fundo”.
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