Quem percorre a estrada Barbalha-Arajara-Crato, em direção à última cidade, é surpreendido — cerca de cinco quilômetros, antes de chegar ao destino — quando avista, no lado direito, uma singela e respeitável capelinha, típica dos templos rurais de antanho. Trata-se da Capela de São Sebastião do sítio Currais, erguida para atestar, às gerações futuras, uma grande graça concedida por Deus, à população daquela localidade, na segunda metade do século XIX.
Corria o ano de 1862. Uma doença contagiosa e mortal, causada pelo vibrião colérico, se abateu, e dizimou considerável parcela da população sul cearense. O pânico se espalhou pelas cidades, povoados, fazendas e sítios do Vale do Cariri. Mas, naquele tempo, a fé do nosso povo, diferente de hoje, era patente. As pessoas tinham o costume de se voltar para Deus, nas grandes dificuldades coletivas. Isso ocorria nas freqüentes crises climáticas e nas epidemias. Estas mais raras.
Damos a palavra ao historiador Irineu Pinheiro que fez menção deste fato no seu livro “O Cariri”, página 245:
“Em 1862 prometeu o major Felipe Teles Mendonça erigir uma capela em seu sítio Currais, a uma légua do Crato, dedicada a S. Sebastião, se não morresse de cólera-morbo nenhum dos membros de sua família ou de seus moradores. Naquela época a epidemia do mal asiático abateu milhares de pessoas em todo o Ceará. Nada sofreram o major Felipe e os de sua casa e sítio. Em 12 de outubro de 1863, para cumprir o seu voto, pediu ao Bispo D. Luiz Antônio dos Santos licença para edificar a igrejinha, licença que lhe foi dada no dia 13 do mesmo mês e ano, depois de informação favorável do vigário Joaquim Aires do Nascimento. Mas só em 1888, após ter o segundo Bispo do Ceará, D. Joaquim José Vieira, confirmado a graça concedida por D. Luiz, foi erguida a capelinha e benzida pelo vigário do Crato, Antônio Fernandes da Silva”.
O estado atual da Capela dos Currais
Após a sua construção, a Capela de São Sebastião dos Currais foi conservada com zelo. Os habitantes da redondeza procuravam o singelo templo para louvar, agradecer e fazer seus pedidos a Deus. Com a morte do major Felipe Teles de Mendonça a administração da capela foi passando a sucessivos herdeiros. Segundo informações colhidas junto a pessoas do sítio Currais, a igrejinha foi cuidada até alguns anos atrás, enquanto esteve sob a guarda do Cel. Filemon Teles e de dona Fernandina Teles. Com a morte deles o estado atual da capelinha não é animador.
Não existe bancada para os fiéis. O portão de acesso e as portas do templo, estragadas pela ação do tempo, ao longo dos anos, precisam ser substituídas. O mau cheiro dos dejetos de morcegos que ali mourejam é insuportável. Enfim, uma profunda restauração precisa ser feita na capela, com orientação de técnicos especializados na conservação do nosso patrimônio arquitetônico.
A propósito do surto do cólera, que matou cerca de 1.100 cratenses, a partir de 1862, existe uma monografia de mestrado do professor Jucieldo Ferreira Alexandre (“Impressões Sobre o "Judeu Errante": Representações Sobre o Cólera no Periódico Cratense O Araripe –1862-1864)”, defendida em 2010, no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
ResponderExcluirNa monografia, o prof. Jucieldo afirma que o cólera entrou no Brasil pelo Estado do Pará, em 1855, por meio de uma embarcação de colonos portugueses. No entanto a epidemia só atingiu o Nordeste brasileiro a partir de 1862. Na cidade de Crato, a principal forma de transmissão da doença foi através do Rio Grangeiro, o qual, àquela época, cortava a cidade e abastecia o consumo de água da população citadina que ainda utilizava o rio para lavar roupas e tomar banho.
Desnecessário dizer que em Crato, durante a epidemia, desconhecia-se que a doença infectocontagiosa era transmitida pela bactéria Vibrio cholerae, descoberta pelo alemão Robert Koch, o mesmo que descobriu o bacilo de Koch, que provoca a tuberculose. Em Crato, os homens que transportavam os cadáveres para sepultamento, vestiam indumentária vermelha e se embriagavam com aguardente, para realizar os enterros coletivos em vala comum, no cemitério dos coléricos.
O historiador Irineu Pinheiro fez o seguinte registro no seu livro Efemérides do Cariri, à página 148: “1862, 17 de Junho – Fundado em Crato, na estrada entre esta cidade e Juazeiro, por ordem de Dom Luiz Antônio dos Santos, primeiro bispo do Ceará, o cemitério dos coléricos, o qual mediu vinte braças de largura e quarenta e três de profundidade.
ResponderExcluirFoi benzida em frente dele pelo padre João Marrocos Teles uma cruz de madeira, mandada erguer pelo pároco do Crato, Manoel Joaquim Aires do Nascimento. Morreram da epidemia o padre Marrocos e Joaquim Romão Batista, pai do Padre Cícero Romão Batista”.
Prezado Armando - Sempre que passamos na estrada contemplamos esta capelinha e não sabemos a sua origem, sua história revelada agora em sua postagem.
ResponderExcluir