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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 10 de junho de 2010

A Copa do Mundo pela galena. – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Vivíamos o mês de junho de 1958. Eu estava cursando a primeira série do antigo curso ginasial no velho Colégio Diocesano do Crato. Numa segunda-feira, cheguei um pouco atrasado e o interno, que era sineteiro, acabara de tocar o último sinal para início das aulas. Ainda ouvi quando ele comentou com outro colega: “Mas que vitória bonita aquela do Brasil ontem: três a zero na Áustria!” Quis saber dele do que se tratava e ele me disse que era um jogo pela Copa do Mundo. Não minto! Foi a primeira vez que eu ouvi falar em Copa do Mundo. Ao término da aula, tão logo cheguei a casa, procurei entre as revistas de um dos meus irmãos noticias sobre a Copa do Mundo. Havia uma revista “O Cruzeiro” que trazia tudo sobre a seleção brasileira, fotos dos jogadores, os grupos em que cada país estava distribuído e a tabela dos jogos. Fiquei sabendo que a Copa era realizada na Suécia, que graças ao excelente professor de Geografia José do Vale Feitosa, eu sabia muito bem onde ficava sua posição no globo. Então, como bom brasileiro achei que era importante acompanhar os jogos e torcer pelo Brasil. No segundo jogo, uma quarta-feira à tarde, eu fui à casa da minha tia Pia Cabral, uma irmã do meu avô, onde vários primos ouviam a transmissão da partida contra a Inglaterra. Era bastante animado, mas o jogo foi oxo (zero a zero), não obstantes as preces da tia Lurdinha para Santa Terezinha, a santa de sua devoção, com a qual ela afirmava tudo conseguir.

Depois vieram os jogos contra a Rússia, Pais de Gales e França. O jogo contra a França foi no dia de São João e eu estava voltando do Mauriti ao Crato, acompanhando os resultados parciais em cada café da beira da estrada. Mas soube que no Crato, antes do inicio do jogo contra a França, a tia Lurdinha se retirou da sala onde estava o velho rádio telefunken, dizendo que ia conversar com Santa Terezinha para o Brasil ganhar da França. Huberto Cabral protestou: “Santa Terezinha é francesa!” Houve uma gargalhada geral. Mas acredito que nesse dia Santa Terezinha, lá do céu, se esqueceu da França e foi fiel à sua amiga, pois o Brasil começou arrasador com um gol do vascaíno Vavá, logo aos 2 minutos de partida.

Na final contra a Suécia, já estávamos de férias no São José. Era um domingo e o jogo seria iniciado às 11 horas da manhã. Naquele tempo não havia energia elétrica no São José, nem rádios de pilha. O único rádio que havia lá em casa era um velho RCA, à bateria de carro, que estava descarregada. Meu irmão Luis Flávio disse que iria ouvir o jogo na casa do Assis de Melo, um nosso parente distante. Este era um solteirão, que morava sozinho num enorme casarão que herdara dos pais, bem próximo do canavial. Tinha mania por eletrônica e sua casa era repleta de rádios velhos, todos danificados de tanto ele fazer experiências. Eu e o primo José Esmeraldo Gonçalves acompanhamos Luis e papai nos pediu para que fôssemos avisá-lo a cada gol do Brasil. Seria uma boa caminhada, pois a casa do Assis distava mais de dois quilômetros da nossa.

Infelizmente não havia nenhum rádio em funcionamento na casa do Assis de Melo e ele nos disse que dava para acompanhar o jogo pela galena. Galena é um receptor de onda média, bem simples, que funciona sem precisar de energia elétrica. Trata-se de uma bobina enrolada por semicondutores do mineral galena ligada a uma antena externa composta de fios bem compridos estendidos e, que se escuta por meio de um fone de ouvido. Sintonizava sempre a emissora mais potente ou a mais próxima. Como o sítio do Assis era mais perto do Juazeiro, a galena sintonizava exclusivamente a Rádio Iracema que retransmitia da Rádio Bandeirantes de São Paulo. O meu irmão Luis tomou conta do fone de ouvido e repassava os lances para nós. A cada gol do Brasil, eu ou primo José Esmeraldo saiamos correndo para avisar ao papai. Como houve uma chuva de gols naquela partida, enquanto um voltava após ter comunicado que o Brasil empatara o jogo, encontrava o outro pelo caminho com mais novidades. E o nosso coração batia tão forte, quão forte eram as passadas que dávamos na nossa correria. Foram mais de seis idas e vindas, pois o Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo com uma elástica goleada.

Essa foi a Copa do Mundo mais emocionante da minha vida. Nem as imagens a cores transmitidas ao vivo pela televisão me fizeram reviver as emoções daquele dia 29 de junho de 1958, um dia de São Pedro, em que pela primeira vez o Brasil se sagrava campeão do mundo.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

2 comentários:

  1. Prezado Carlos.

    Minha primeira copa começou em 1962. Não existia radio na ribeira do Sanharol e as noticias e os resultados eram recebidos bastante tempo depois. Quando a copa já estava da metade pra frente eu vi uma revista O Cruzeiros na qual tinha um foto do Zagalo fazendo de peixinho o primeiro gol brasileiro da copa contra o mexico, o primeiro jogo. Mas as lembranças são memoriadas e como eram dificeis estão mais presentes que as ultimas copas assistidas com a tecnologia existente em nossos tempos. Até hoje não vi outra foto igual aquela! Nem um lance. Nem um gol.

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  2. Pois é, caro Morais. Parece que as coisas difíceis eram mais saborosas e mais emocionantes. As outras copas já não tiveram tanta graça. Além do mais de 90 para cá passei a ter medo do coração pipocar e assito ao jogs sem me envolver muito.
    Abraços e que neste anodê certo e daqui a quatro anos também!
    Abraços !

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