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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 12 de dezembro de 2010

Do sorriso manchado pelo vinho tinto, brotam traços nervosos de um artista cujas obras transfiguram o amor

Por Beatriz Pinheiro

O caminho para chegar até ele é sinuoso. A estrada de barro vermelho contrasta com a mata branca do sertão cearense e desemboca nas paredes que protegem as mais singelas riquezas de Maciej Antoni Babinski: amor e vida transfigurados em arte. Nos encantos do sítio Exu, revive o olhar do pintor polonês. Por um instinto visual, o artista se entrega ao lugar a ponto de não deixar que a obsessão dele pelo verde lhe tire a beleza cinza dos galhos secos, que resguardam a alma nordestina e acalmam a vida do pintor.

Babinski se apropria do olhar cearense para abstrair o real, e o resultado é um esboço da poesia que só o coração dele pode ver. Da vida polonesa deixada abruptamente por conta da Segunda Guerra Mundial, sobrou-lhe o sorriso manchado por um vinho tinto encorpado. Um vinho que ele faz questão de beber a longos goles para manter o passado e, ao mesmo tempo, fugir do saudosismo.

Entre um gole e outro, ouvimos uma pluralidade de histórias que convergem para a figura de um jovem de 79 anos. Um artista que reconstrói a vida sem excessos. Um homem que extrai, do cheiro do queijo fresco e da maciez do feijão recém-colhido, valores para o cotidiano de uma vida que começa a abrandar na terceira idade.

Os cabelos brancos e as pequenas falhas na audição não estreitam a expressão do artista. Babinski arqueia as sobrancelhas, calcula os primeiros traços na tela e imerge, quase em transe, na produção de uma obra que não lhe permite repetecos. O momento é aquele. Volta e meia, o pintor eleva os olhos para a janela e ressignifica as duas árvores de aroeira que lhe inspiram nas pequenas horas do dia.

O mais breve passeio pelos corredores da “casa-museu” do polonês projeta, no visitante, a plenitude alcançada por ele após a sucessão de crises que enfrentou na vida. O nomadismo da infância. A fragmentação das raízes fincadas na Polônia, na Inglaterra, no Canadá e no Brasil. A busca pela liberdade comportamental. Em cada tela exposta, uma narrativa nos salta aos olhos. A vida de Babinski pulsa no conjunto de suas obras – gravuras ou pinturas, não importa – e leva-nos, imediatamente, a uma viagem no tempo.

As pinturas do polonês desnudam o cearense com pequenas parcelas de verdade que inquietam. O coração só é afagado pelo retrato da esposa Lídia, pendurado cuidadosamente em um espaço superior na parede da sala. Incisiva, a musa do artista nos olha de viés com ar de quem parafraseia o próprio pintor: a verdade absoluta é insuportável. Tão insuportável que a possibilidade de se ver na Vênus de Botticelli causou o estranhamento que acompanharia Maciej desde os seis anos de idade e criaria nele a necessidade de reinventar o mundo o tempo todo.

E é justamente por isso que Maciej Babinski modifica suas narrativas a cada expressão oral. Acontece de adicionar um elemento absorvido com a maturidade ou omitir momentos que prefere não mexer. Amante do presente, ele prefere falar sobre o aumento na produtividade dele e a ponta de céu descolorido que contrasta com as telhas de sua casa. O que é perceptível nas águas dos olhos claros de Babinski é o profundo mergulho do pintor na cultura brasileira e a densa relação de respeito que teceu com o pai. No vocabulário matuto que incorporou, fica o orgulho das mais finas raízes reascendidas pelos raios fortes do sol cearense.

4 comentários:

  1. Morais,

    Esta matéria é da minha filha Beatriz. Eu a encontrei, casualmente, no seu blog e roubei para o nosso, já que o Babinski é uma personagem varzealegrense.

    Boa leitura.

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  2. Dr. Savio.

    Parabens especialmente pelo objeto roubado. Como sei que não haverá B.O e você não será acusado de furto pela autora vai o minha sugestão: continue roubando e escondendo no nosso Blog do Sanharol, não me importo de ser processado por receptor.hahaha Otimo texto. Parabens Beatriz.

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  3. Sávio, você está perdoado como réu confesso e acima de tudo por uma causa tão nobre: roubar uma matéria da filha e passar para um outro blog. Abraço Fafá

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  4. Maravilha de texto. Independente do processo de trazê-lo para cá. Valeu demais!

    Abraço,

    Claude

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