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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Dom Pedro II era a luz do baile – por Monteiro Lobato


Há 185 anos – no dia 2 de dezembro de 1825 – nascia no Rio de Janeiro o Imperador Dom Pedro II. Para homenagear este ilustre brasileiro, na data que lembra o seu nascimento, publico abaixo uma crônica escrita por Monteiro Lobato, anos depois do golpe militar que implantou a República. Bom lembrar que Monteiro Lobato fora ardoroso republicano nos tempos da Monarquia.
(Armando Lopes Rafael)

"O juiz era honesto, se não por injunções da própria consciência, pela presença da Honestidade no trono. O político visava o bem público, se não por determinismo de virtudes pessoais, pela influencia catalítica da virtude imperial. As minorias respiravam, a oposição possibilitava-se: o chefe permanente das oposições estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e incorruptível. O peculatário, defraudador, o político negocista, o juiz venal, o soldado covarde, o funcionário relapso, o mal cidadão enfim, e mau por força de pendores congeniais, passava, muitas vezes, a vida inteira sem incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à violência, à iniqüidade – mas sofreava as rédeas aos maus instintos a simples presença da Equidade e da Justiça no trono.

Ignorávamos isso na monarquia.

Foi preciso que viesse a republica, e que alijasse do trono a Força Catalítica para patentear-se bem claro o curioso fenômeno.

A mesma gente, o mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário até 15 de novembro honesto, bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na ausência do imperial freio, ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus instintos mantidos em quarentena. Daí, o contraste dia a dia mais frisante entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas intenções quadrienais que se revezam na curul republicana.

Pedro II era a luz do baile.

Muita harmonia, respeito ás damas, polidez de maneiras, jóias d’arte sobre os consolos, dando o conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social.

Extingue-se a luz. As senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de tarimba, desaparecem as jóias..."
............

Monteiro Lobato chegara à conclusão -- ao escrever a crônica acima -- de que, no Brasil, a seriedade nos negócios deixara de ser uma virtude, passando a ser considerada uma coisa do passado. O civismo desaparecera por completo. Os bons costumes haviam sido esquecidos. Alguma força misteriosa havia transformado um povo sério numa turba de pândegos? É claro que não. Só havia uma diferença: havíamos perdido o Imperador.
Postado por Armando Lopes Rafael

3 comentários:

  1. Prezado Armando.

    Como muitos se calam diante de tão razoados argumentos.

    Belo texto.

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  2. Armando,

    Certa vez,vendo o meu filho caçula realizando mais uma peraltice, assisti a um interessante diálogo entre um tio do garoto e o meu falecido pai:

    - Esse memino deve ter "puchado" ao pai, quando criança! Falou o tio.

    - É... Só que o Sávio tinha freio! Retrucou o meu pai.


    Utilizo essa metáfora para comentar o bem traçado e bem lembrado texto.

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  3. Muito bonito a obra de Monteiro Lobato. Vendo o que a república se tornou só nos resta a restauração da Monarquia, para assim, a luz voltar a brilhar em solo pátrio.

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