Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Recomendo a leitura - Postagem do Antônio Morais.


Dom Quitino.

Lá pelas tantas das quantas, uma noticia alvoroçou a pequenina Várzea-Alegre: Dom Quintino, bispo do Crato, a cuja jurisdição pertencia nossa paróquia, ia fazer a desobriga costumeira e estaria, breve, entre nós. 

Não sei por que cargas d’agua, fui escolhido para saudá-lo, na sua visita a escola, item infalível de sua jornada. Talvez, porque Papai fosse capaz de fazer meu “improviso”. Jamais, pela minha eloqüência, que eu nunca demonstrara, antes. 

Instruções foram dadas, em todos os sentidos: como fazer a sua chegada, como bater palmas, como falar, educadamente, o comparecer com a roupinha limpa, bem passada, os quinaipes limpos etc e tal. Não sei, não me lembro se fiquei envaidecido ou um tanto aperreado com a incumbência. 

O certo é que papai escreveu, la, umas caprichadas linhas, que eu decorava, lendo varias vezes por dia, com inflexões e gestos medidos, nas vésperas do grande evento. Coisa de fazer inveja a Nabuco. Tava na ponta da lingua Por segurança, no entanto, no dia, levei o discurso escrito, no bolsinho da blusa. Perfeito tribuno, pronto a enfrentar as massas, no seu verbo inflamado e eloqüente.

Mas menino você sabe como é. Na hora de arrastar o improviso, o papelzinho tinha desaparecido, o haviam tirado. Embora o soubesse de cor, fiquei todo sem jeito, de todas as cores do espetro, suava e tremia e, até da existência da língua, tinha minhas duvidas. Santo Deus. 

Pelas janelas da sala já se via a comitiva que se aproximava, solene, imponente, respeitável. Como o sol que penetrasse na sala, Sua Excia Reverendíssima adentra o templo, Majestoso, no colorido esplendor de suas vestes de alto dignatário da igreja. Olhei para o homem e pensei: - Tô lascado. 

Buscando forças que não tinha, dei um passo a frente, como havia sido ensinado. Do discurso, inteiramente apagado em meu bestunto, não me restava uma só palavra. Por salvação, lembrei-me de papai quando, em casa, recebendo um amigo, sempre dizia: "Vá entrando, a casa é sua". Num plagio vergonhoso, só mudei uma palavra: Vá entrando, Senhor Bispo, a casa é sua.

Dr. J. Ferreira.

6 comentários:

  1. Do Livro

    "Varzea-Alegre, minha terra e minha gente".

    Dr. J.Ferreira.

    ResponderExcluir
  2. Morais
    Que narrativa gostosa! Dr. J. Ferreria é o mesmo Joaquim Ferreria, varzealegrense que morou em Londres e trabalhava na BBC?

    ResponderExcluir
  3. Não Carlos - J. Ferreira é Dr. Jose Ferreira, irmão do Joaquim Ferreira, jornalista que trabalhou muito tempo na BBC em Londres. São irmãos do Raimundo Ferreira das viaçãos Rio Negro, Brasilia e Varzealegrense.

    Todos da Rajalegre.

    ResponderExcluir
  4. O BLOG É UMA VERDADEIRA AULA DE HISTORIA E DE CULTURA. E ESSAS HISTORIAS MAIS QUE ACONTECIAM A ESSAS ÉPOCAS.
    PAPEL CUMPRIDO VÁ ENTARNDO SR BISPO.

    ResponderExcluir
  5. Morais:
    Postagem muito interessante e uma leitura amena e agradável.
    Armando Lopes Rafael

    ResponderExcluir
  6. Carlos Eduardo, Claudio Sousa e Armando Rafael.

    Um texto que fala do Dom Quintino tinha mesmo que ter uma leitura amena, suave e divina. Assim era Dom Quintino.

    ResponderExcluir