(Dedicada ao meu pai Edwards Batista Moreno).
Dr. José Bitu Moreno
Manhãs, manhãs, manhãs...
Eu sempre as vejo da varanda das lembranças. A minha infância está impregnada de manhãs frescas e cheia de claridade. Minha alma quando se isola de mim e se recolhe ao seu labirinto, o faz com freqüência nas manhãs, após noites mal-dormidas.
Pode ser o jeito como o sol nasce, entre as nuvens, no contexto do céu. Ou a textura da brisa, o perfume que trás, a forma como me acaricia. Ou mesmo o canto de um pássaro, ou uma tristeza que se me enrosca como um gato, buscando conforto... Vejo-me então transpondo o portão, como o de Alice, e reencontrando esboços de sensações que um dia tive.
As manhãs me lembram o verde que nasce após uma noite de chuvas e tempestades. As manhãs são as crianças despertas, a adolescente que se olha ao espelho, sacudindo os cabelos e decifrando o eterno, são os rastros dos amores noturnos nos corpos redivivos, nos lençóis ainda quentes e desarrumados, é a nudez de um corpo feminino saindo de um banho fresco e perfumado.
Elas nascem diferentes quando são os galos que as acordam, elas são puras e angelicais quando banhadas pelo orvalho, ou quando nas invernadas brotam da terra fertilizada, da terra agradecida.
Sentam-se numa rede de sol a sol, serra a serra, balançando-se ao sabor do vento, tocando nuvens... Convidando-nos a nada ser, a nada fazer...
Fui envolvido pelas luminosas manhãs do sertão, coloridas de branco, azul e dourado, que preencheram minh’alma. Depois, fui abandonado por essas mesmas manhãs, quando o abrasador sol do meio-dia as afugentou. Chorei quando as busquei e não as encontrei nas tardes vastas, nos solitários crepúsculos, nas incontáveis noites que se sucederam como um rosário, de dores e de alegrias, mas cujas contas lembravam o relógio que não parava, a areia se derramando na ampulheta do tempo, as gotas se sucedendo na torneira aberta da vida.
Significou que fui uma vez na vida, de forma plena? Significou que a partir de então foi em suma uma caminhada de perdas? A vida seria assim, alçada do céu e rolando pela encosta de encontro ao nada absoluto, ao último minuto em que já estaríamos despidos de tudo? Desmanchados? Nus?
Encontrei o meu pai na laje fria de um necrotério, reconheci o seu sapato simples, a sua roupa lisa, um tanto frouxa... Parecia estar ainda menor do que era, bem pequeno naquele recinto apertado e sem vida. Hoje acordei pensando nele, ou talvez tenha sido a manhã de luz que o trouxe. Chegou pela estradinha branca, eu o pude ver desde que emergiu ao pé da ladeira de muitas árvores, e se aproximou a trote no seu cavalo castanho. Carregava um chapéu de feltro e vestia-se em terno branco, de brim. Como era bonito o meu pai! Sentamo-nos numa varanda de sombra fresca e carinhoso vento e miramos a manga em silêncio. Estava triste, como sempre o foi, mas somente um tantinho assim, que não lhe apagava o brilho...
Um carro passa súbito e me arranca dos devaneios. Sorrio agradecido para o vento e para a manhã que já se adianta. Outras virão e trarão decerto o meu pai.
Dr. Jose Bitu Moreno.
ResponderExcluirGostaria de saber fazer uso das palavras como voce o faz. Assim, talvez soubesse escrever o signiificado de:
"Encontrei o meu pai na laje fria de um necrotério, reconheci o seu sapato simples, a sua roupa lisa, um tanto frouxa... Parecia estar ainda menor do que era, bem pequeno naquele recinto apertado e sem vida".
Somente quem passou por essa experiencia sabe tamanha dor, tristeza e perda.
Receba meu abraço.
Caro Morais,
ResponderExcluirÉ muito grande sua sensibilidade, vc pinçou um trecho que resume todo um sentimento, apenas com a descrição da cena. Muito obrigado por seu carinho fraterno. Bitu
Zé Bitu,
ResponderExcluirAs manhãs são alegres. Diferente dos crepúsculos sempre tristes e melancólicos.
No seu texto, vejo uma manhã nostálgica, num alegre-triste, por relembrar o seu saudoso e querido pai.
Aproveito o encanto desse momento para vos saudar. A você. E ao eterno galã triste. Edwards.
Um abraço fraterno.
Caro Jose Sávio
ResponderExcluirAs manhãs, algumas, aquelas depois de noites mal dormidas, as que trazem lembranças, as de segunda-feira...essas,somente essas são as ruins.
Estarei no carnaval com vcs. Podemos visitar o Babinski juntos?Só conheço a esposa dele.
Abraços,