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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

LAMPIÃO NA CHAPADA DO ARARIPE - Por Vicente Almeida

E por falar em saudade, lembro muito bem de uma história que meu pai costumava contar, sobre os apuros dele e de alguns amigos, ao se deparar certa vez com alguns cangaceiros do bando de Lampião.

Meu Pai (de saudosa memória), chamava-se Miguel Rodrigues de Almeida, mas todos o conheciam como Miguel Bernardo. Era o feitor do Sitio Belmonte, pertencente a Dr. Teles. Era muito respeitado pela sua honradez. Tinha muita ligação com os fazendeiros locais: Major Aderson da Franca Alencar, José Pinheiro Gonçalves e Major Artur Pinheiro. Quando algum morador desses proprietários tinham dificuldades, recorriam ao meu pai para interceder por ele. E Papai sempre resolvia as pendências daquele povo. Mas, vamos ao relato do cangaço.

No último século do milênio passado, mas precisamente na década de 30, meu pai e alguns amigos tinham o costume de todo sábado à noite, munidos de suas respectivas espingardas soca-soca, subirem a Chapada do Araripe para caçar.

passavam à noite, voltando somente no domingo ao cair da tarde. Todos eles residiam nas imediações do sopé da Chapada do Araripe.

Pois bem, na noite de certo sábado de Julho, subiram a serra e foram caçar. Já na mata fechada, um dos componentes do grupo pisou em um buraco recoberto de folhas verdes e estranhou. Em seguida se abaixou, retirou as folhas e descobriu muitas mantas de carne bovina escondidas
sob o folharal.

Chamou a atenção do grupo e quando viram aquilo, um deles que era o padrasto de papai, disse: Meninos, vamos ligeiro simbora daqui. Isso é coisa dos cangaceiros de Lampião.

Fizeram jeito para correr, mas, já era tarde demais, ouviram foi o estalar de cravinotes sendo engatilhados e uma voz autoritária falou: Fiquem onde estão ou morre todo mundo.

Olharam para o lado e viram muitas armas apontadas em sua direção, uns ajoelhados outros em pé.

Papai contava que ninguém teve coragem de mover uma unha. Ai um cangaceiro falou: Nóis não vai matar vocês se um for ao Crato comprar uma saca de sal pra salgar essa carne ai.

Um cangaceiro, que parecia o mais experiente, olhou para todos e percebeu que o padrasto de papai, que todos chamavam de Tio Romão, era o mais velho, e assim falou: Você velho, parece ser o mais responsável, e vai comprar o sal. Os outro fica aqui preso. Se você não vortar, eles
morre, Se der com a lingua nos dente, e os macaco aparecer, eles morre e você também.

era quase madrugada, e nessa situação, o tio Romão desceu a Serra do Araripe e foi ao Crato comprar o sal. Já estava voltando quando deu na veneta de ir falar com o Major Artur, que era um grande proprietário rural e residia no Sopé da Serra do Araripe. Lá explicou ao Major
toda a situação e finalizou, não leve soldado agora, ou morre todo mundo. Dê um tempo de eu chegar lá e voltar com os meninos.

Assim foi feito, e na manhã do domingo ele chegou junto ao bando com a saca de sal. Então um dos cangaceiros perguntou: então véi, tu viu algum macaco por lá? Ele respondeu, não eu fui só comprar sal e voltei! - Ainda bem, falou o cangaceiro, pruque se tu dá com a lingua nos
dente, nóis ia esquartejar vocês como fizemo com essas rêis.

Em seguida mandaram que meu pai e os outros tratassem de salgar a carne. Era uma manhã fria, mas, papai contava que o Tio Romão estava suando muito e de vez em quando dizia: meninos vamos simbora, e repetia, meninos vamos simobra.

Ai um cangaceiro notou a pressa e disse: Qué isso veinho, tá com medo, você avisou os macaco? E ele respondia: Não sinhô! Não sinhô!
Por causa da desconfiança dos cangaceiros, eles seguram o grupo de caçadores até a tardinha quando disseram: Pronto, agora nóis sabe que tu num avisou ninguém veinho, podem ir embora, e levem essas mantas de carne pra vocês como pagamento pelo trabaio do sal.

Todos saíram apressados e montaram em seus animais. Ao chegar na estrada, cada um esporeavam mais a sua montaria para se distanciar dos possíveis tiros, que felizmente não houve.

Quando chegaram na cabeça da ladeira do Belmonte, estava anoitecendo e a força policial ia subindo. Interrogaram os caçadores para localizar o bando de Lampião.

Somente naque hora, o padrasto do meu pai informou a todos, que havia avisado ao Major Artur, e pedido ajuda policial, pois achava que não iam voltar com vida. E era por isto que estava suando e apressado para voltar, por que se demorasse demais, ou se a polícia chegasse antes da hora,
certamente todos nós ia morrer, dizia ele.

Passado o grande susto, e já na descida da ladeira, quebraram o silêncio e começaram a conversar.

Então meu pai perguntou ao seu primo Miguel Gomes: Migué, tu tá trazendo na tua sela uma panela de feijão fervendo? e ele respondeu: Deixe de ser besta homi, o medo destemperou minha barriga e eu não sei como tô aqui nessa sela, cagado e mijado, mas com vida graças a Deus.

E foi assim. Papai disse que nunca mais, qualquer um deles manifestou vontade de ir caçar a noite na Chapada do Araripe, mesmo depois que Lampião morreu.
Escrito por: Vicente Almeida

2 comentários:

  1. Vicente, tu contado a estória e eu me lembrando se eu tivesse no meio. Eles iam dizer esse cagao vai ficar pra limpar a merda.

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  2. Vicente.

    Nesse dia Lampião tava era bonsinho ainda deu um pedaço da carne para substituir as caças que não tiveram. A volta com Virgulino era dura. Uma boa historia.

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