Canto V
Minós - 2 º Círculo - Da luxúria - Espíritos de Paolo e Francesca
Assim que entramos no segundo círculo, lá estava Minós, rangendo terrivelmente. Ele ficava na entrada e recepcionava os pecadores, julgando-os um por um. Ouvia suas confissões e proferia a sentença, se enrolando na própria cauda. O número de voltas que dava a sua cauda indicava quanto deveria descer o pecador para o seu lugar nas profundezas do inferno.
Uma grande multidão se amontoava diante daquele juiz. Cada pecador falava, ouvia sua sentença, e era atirado no abismo.
- Ó tu que entras no asilo da dor - disse Minós ao me ver, interrompendo seu ofício, - Vê bem em quem confias e como entras aqui. É fácil de entrar, mas não te enganes!
- Por que gritar? - respondeu Virgílio ao juiz dos mortos - Não podes impedir esta jornada, pois lá, onde tudo o que se quer se pode, isto se quer e não peças mais nada!
Minós se calou, e nós prosseguimos. Pouco a pouco comecei a perceber sons tristes, muito pranto e lamentos.
Neste lugar escuro onde eu me encontrava, o som das vozes melancólicas se assemelhava ao assobio do mar durante uma grande tormenta. Os tristes sons emanavam de um enorme redemoinho. Eram almas sofredoras, sacudidas pelo vento que nunca cessava.
Entendi que era o castigo pela transgressão da carne, que desafia a razão, e a submete à sua vontade.
No escuro vento, vi várias sombras que passavam se lamentando e ao mestre perguntei:
- Mestre, quem são essas pessoas que o vento tanto castiga?
- A primeira, cuja história deves conhecer - explicou o mestre, - foi imperatriz de povos de muitas línguas. É Semíramis, a sucessora e esposa de Nino. A que a segue é a viúva de Siqueu, que se matou por amor. Ali tu vês Cleópatra, luxuriosa. Veja Helena, e também Aquiles, Páris, Tristão.
- E, uma por uma, me indicou outras mil sombras que tiveram suas vidas desfeitas pelo amor.
Dante e Virgílio observando Paolo e Francesca
carregados pelo vento em eterno redemoinho.
Gravura de Gustave Doré - Sec. XIX
carregados pelo vento em eterno redemoinho.
Gravura de Gustave Doré - Sec. XIX
- Poeta - eu falei - eu gostaria, se for possível, de falar com aqueles dois, unidos, que tão leves parecem ser ao vento.
- Espera - respondeu, - em breve estarão próximos de nós, e quando a fúria do vento diminuir, peça, pelo amor que os conduz, que eles virão.
Então, quando a tormenta cedeu um pouco, eu chamei:
- Ó almas sofridas, falai conosco, se isto for permitido! Elas ouviram, entenderam meu pedido. Deixaram o bando onde estavam as outras e se aproximaram. Uma delas falou:
- Ó ser gracioso e benigno, o que desejares ouvir ou falar conosco, nós ouviremos e falaremos, se o vento permitir.
Nasci na terra onde o Pó deságua.
Amor, que ao coração gentil logo se prende,
tomou este aqui, pela beleza da pessoa que de mim foi levada,
e o modo ainda me ofende.
Amor, que a nenhum amado amar perdoa,
prendeu-me, pelo seu desejo com tanto porte,
como vês, ele ainda não me abandona.
Este amor nos conduziu a uma só morte.
Caína aguarda aquele que tirou as nossas vidas.
- Espera - respondeu, - em breve estarão próximos de nós, e quando a fúria do vento diminuir, peça, pelo amor que os conduz, que eles virão.
Então, quando a tormenta cedeu um pouco, eu chamei:
- Ó almas sofridas, falai conosco, se isto for permitido! Elas ouviram, entenderam meu pedido. Deixaram o bando onde estavam as outras e se aproximaram. Uma delas falou:
- Ó ser gracioso e benigno, o que desejares ouvir ou falar conosco, nós ouviremos e falaremos, se o vento permitir.
Nasci na terra onde o Pó deságua.
Amor, que ao coração gentil logo se prende,
tomou este aqui, pela beleza da pessoa que de mim foi levada,
e o modo ainda me ofende.
Amor, que a nenhum amado amar perdoa,
prendeu-me, pelo seu desejo com tanto porte,
como vês, ele ainda não me abandona.
Este amor nos conduziu a uma só morte.
Caína aguarda aquele que tirou as nossas vidas.
Ao ouvir esse lamento, baixei o rosto, e permaneci assim, até Virgílio me despertar. Voltei novamente àquele casal, e perguntei:
- Francesca, o teu martírio me traz lágrimas aos olhos, mas dize-me, como permitiu o amor que tomásseis conhecimento de vosso sentimento recíproco?
- Não há maior dor, que lembrar da felicidade passada - disse ela - mas se teu grande desejo é saber, te direi como quem chora e fala.
Líamos um dia a sós, sobre o amor que seduziu Lancelote. Várias vezes essa leitura nos ergueu olhar a olhar. Mas foi quando chegamos àquele ponto que falava do sorriso que desejava ser beijado por um perfeito amante, que este aqui que nunca me seja apartado, tremendo, beijou-me na boca naquele instante. Nosso Galeoto foi aquele livro e quem o escreveu. Desde aquele dia, não o lemos mais adiante.
Enquanto uma alma contava a sua história triste, a outra chorava sem parar ao seu lado, e eu, comovido de piedade e dor, desmaiei, e caí como um corpo morto cai.
No próximo canto, veremos Cérbero o cão-monstro de tres cabeças, e o círculo da gula.
- Francesca, o teu martírio me traz lágrimas aos olhos, mas dize-me, como permitiu o amor que tomásseis conhecimento de vosso sentimento recíproco?
- Não há maior dor, que lembrar da felicidade passada - disse ela - mas se teu grande desejo é saber, te direi como quem chora e fala.
Líamos um dia a sós, sobre o amor que seduziu Lancelote. Várias vezes essa leitura nos ergueu olhar a olhar. Mas foi quando chegamos àquele ponto que falava do sorriso que desejava ser beijado por um perfeito amante, que este aqui que nunca me seja apartado, tremendo, beijou-me na boca naquele instante. Nosso Galeoto foi aquele livro e quem o escreveu. Desde aquele dia, não o lemos mais adiante.
Enquanto uma alma contava a sua história triste, a outra chorava sem parar ao seu lado, e eu, comovido de piedade e dor, desmaiei, e caí como um corpo morto cai.
No próximo canto, veremos Cérbero o cão-monstro de tres cabeças, e o círculo da gula.
16/03/2011
É...
ResponderExcluirExplicando alguns detalhes:
Os círculos da incontinência (2 a 5), são a morada daqueles que pecaram sem determinação de fazer o mal, mas, por não conseguir controlar seus impulsos, falhando assim na escolha do bem. Aqui são punidos os pecados da luxúria, da avareza e da gula.
Dante classifica o pecado da luxúria como o menos grave de todos, colocando-o no círculo mais externo. Ele se emocionando com o relato de Francesca. A ventania é o contrapasso do pecado. Em vida, os amantes eram levados por suas paixões, que os arrastava como o vento que os arrasta no inferno.
Paolo e Francesca: Eram cunhados adúlteros, foram surpreendidos e mortos pelo marido traído em Rimini (onde o rio Pó deságua), nos tempos de Dante. Francesca diz que foram surpreendidos quando liam a lenda onde Lancelote, apaixonado por Guinevere (esposa do Rei Artur), é induzido a beijá-la por Galeoto. Galeoto, portanto, induz Paolo e Francesca a se beijarem também, quando são surpreendidos e mortos.
Por sua vez, o assassino, por ter matado um parente sem lhe dar oportunidade de defesa, é punido na Caína onde sofrem os traidores de parentes.
Em seus Cantos, Dante mistura pessoas reais e mitológicas. Precisamos investigar na literatura antiga, as informações necessárias à melhor compreensão do poema.
MINÓS (Minos): Na mitologia grega foi o rei lendário da ilha de Creta cuja esposa é mãe do Minotauro. Depois de morto, desceu ao mundo subterrâneo onde se tornou um dos juizes dos mortos.
No inferno de Dante, Minós ouve as confissões dos mortos (que sempre dizem a verdade, pois não têm mais o dom do intelecto) e os designa a um círculo e subcírculo específico de acordo com a falta mais grave relatada.
SEMÍRAMIS: rainha da Babilônia por 102 anos. Estudos teológicos apontam-na como esposa de Ninrode, um dos primeiros homens mais poderosos da terra, o caçador, foi descendente de Cão, filho de Noé. Segundo Gênesis, construir a cidade bíblica de Babel, a qual ficou conhecida como Torre de Babel.
CLEÓPATRA: Rainha do Egito conhecida por seus casos de amor com Júlio César e Marco Antônio.
HELENA: Era a esposa do Rei Menelau, cedeu às tentações de Afrodite, e se deixou seqüestar por PÁRIS, que a levou para Tróia, originando a guerra contra a Grécia (Poema Épico: Ilíada);
AQUILES: Foi o maior dos guerreiros gregos. Quando criança, sua mãe o imergiu no rio estige, tornando-o invulnerável. Mas a água não alcançou o seu calcanhar, por onde sua mãe o segurou. Aquiles lutou e foi vitorioso em muitas batalhas, até ser mortalmente ferido no calcanhar por Páris.
Vicente Almeida
Vicente:etou acompanhado atento e aguardando o próximo canto.
ResponderExcluirUm abraço.
Luiz lisboa.
Continuo aqui, acompanhando, atenta!
ResponderExcluirEu não tenho palavras, para comentar: só acompanhar em silencio. Abraço carinhoso e fraterno, Fatima.
ResponderExcluirÉ...
ResponderExcluirLisboa, meu compadre:
Tenho certeza de que você realmente está lendo os textos. Se tiver dúvidas em alguma passagem, estou aqui para responder dentro do contexto.
Artemísia:
Você esta usando a cadeira cativa e já conhece o poema, mesmo assim posso ajudar em eventual dúvida.
Fátima:
Você disse não ter palavras para comentar, entretanto o seu comentário lá no "Canto IV", dia 14, foi de fundamental importância e fica incorporado a postagem.
Certamente você disse o que muitos gostariam de dizer.
Abraços a todos
Vicente Almeida