Família do Padre Vieira - pai, mãe, irmãos, irmãs, cunhados, cunhadas e sobrinhos.
Meus Encontros com o Padre Vieira.
O padre Antônio Vieira foi muito querido em Várzea Alegre. Não era por menos; ele era um típico várzea-alegrense; alegre, brincalhão e espirituoso. Acredito que com suas insistentes pregações pela região tentava honrar o nome do famoso homônimo do século 17. Tive a oportunidade de me encontrar com esse ilustre conterrâneo duas vezes. A primeira, quando ele tentou celebrar uma missa lá em casa; a outra, quando ele casou um colega meu lá em Brasília.
Minha mãe foi uma das primeiras pessoas a se converter ao protestantismo no município de Várzea Alegre. Aquele gesto audacioso desafiou e mudou o rumo de nossa família, como nunca imaginávamos. Porém, causou um reboliço e transtorno na vida do pai dela, que apesar de maçom, era católico fervoroso. Ele se irritou com a decisão dela e parou de nos visitar, mas ela nunca deixou de ir a casa dele todos dias pra lhe pedir a benção. Apesar do mal entendido, minha mãe, com 96 anos atualmente, nunca deu o braço a torcer, sempre foi consistente e firme como a Ursula dos Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques.
Meu pai, que sempre defendeu o livre pensamento, apoiou minha mãe incondicionalmente e isso deixava o velho Manoel Dantas, meu avô, mais chateado. Aos poucos, meu pai foi se aborrecendo também com as perseguições indiretas e no fim de 1946 mudamos para Recanto, uma pequena comunidade pertencente ao meu tio Marcelino, as margens do riacho da Fortuna. Terra inóspita aquela; só tinha tabuleiros de solos muito pobres. Mesmo assim, meu tio, muito diligente, colhia muito milho e feijão. Ele sempre tinha um estoque de alimentos que dava para nos sustentar por três anos seguidos se não chovesse.
Infelizmente, a terra do Recanto nem se comparava com o rico massapê, característico dos vales nordestinos, existente no Baixio Dantas. A terra no Recanto era abundante, mas não podíamos produzir nem cana e nem arroz. Eu queria estudar pra fugir do trabalho árduo dos roçados mas ali não tinha escola. Além disso, não havia outras crianças para brincar comigo. Acostumado a chupar cana e saborear o mel gostoso do engenho do meu avô, aquele lugar não tinha graça; era pobre demais até para o padrão de vida que tínhamos no Baixio Dantas.
Choveu muito no ano de 1947, e meu pai conseguiu uma boa colheita de milho e feijão, mas não estava satisfeito. Foi lá que ele traçou o plano de sair do Ceará. Entretanto, depois da colheita daquele ano, o deputado Figueiredo Correia apareceu lá em casa com uma proposta do meu avô, Manoel Dantas. Ele pedia que voltássemos para o Baixio. A única exigência era que o Padre Vieira celebrasse uma missa lá em casa. Aquilo era uma tentativa do meu avô de mostrar que a filha dele, apesar de protestante, não havia saído da Igreja Católica. Infelizmente foi mal entendido. Mas eu fiquei eufórico com aquela proposta sem entender do que se tratava, apenas sabia que voltaríamos pra o Baixio. Ao pisar de volta a nossa casa foi uma das maiores alegria que já senti na minha vida.
Numa certa manhã muito quente, o Padre Vieira chegou lá em casa acompanhado por um seminarista e uma multidão de pessoas desconhecidas, porém muito bem comportadas. O padre foi a pé de Várzea Alegre até o Baixio, e por onde passava conseguia mais gente para lhe acompanhar naquela missão redentora.
Eu estava para completar 9 anos de idade. E naquela manhã brincava em frente de nossa casa preparando minhas balas de barro para caçar passarinhos que sempre fazia com garotos da vizinhança. De repente, olhei para o nascente e vi aquela multidão enorme se aproximando. Lembro de que estava muito seco e a poeira subia e pairava sobre as pessoas formando um véu protetor. Fiquei com medo daqueles homens vestidos de preto da cabeça aos pés! Corri para o quintal e fiquei olhando de longe.
Meu pai havia construído uma casa espaçosa e muito boa para os padrões da época, mas era pequena pra acomodar aquela multidão. O povo se aglomerou ao redor da casa e esticava o pescoço para vê o padre conversando com minha mãe. Eu queri vê e rapidamente subi uma cerca que dava para os fundos da casa. Pela abertura de uma janela, vi o Padre Vieira segurando a mão de minha mãe, mas não dava para ouvir a conversa. Depois de alguns minutos, ele se despediu dela e saiu taciturno em direção da casa do meu avô.
Segunda a versão de minha mãe, ela se recusou a assistir a missa, pois isso não fazia parte das negociações entre Figueredo e meu pai. Entretanto, permitiu que o Padre Vieira celebrasse a missa e ela, como anfitriã, tinha a obrigação de preparar o almoço para ele e o acompanhante, mas Vieira recusou a oferta. Ele ainda, muito educadamente, a convidou pra assistir a missa na casa de meu avô, mas ela também recusou e insistiu que ele ficasse para o almoço. Não havendo acordo, ele partiu.
Eu acompanhei a multidão para casa do meu avô. A casa dele tinha uma enorme sala com um oratório bem grande do lado direito de quem entra na sala. Eu me encolhi no canto esquerda da sala entre os fieis que ali se aglomeraram. Lembro muito bem do sermão de Vieira. Senti que ele olhava pra mim com muita tristeza. Lembro de que falava bem e com muita clareza. Fez uma bela pregação sobre o filho pródigo. Anos depois fui entender o significado daquele sermão.
Em 1971, já como professor da Universidade de Brasília, fui assistir um casamento celebrado por Vieira na famosa igreja Dom Bosco. Naquela época, ele havia sido cassado pelos militares e havia perdido a cadeira de deputado federal, mas não perdera o rigor da oratória. Estava entusiasmado com aquela oportunidade de falar para uma multidão tão seleta. Aproveitou a ocasião e fez um belo discurso.
O nubente era o professor Fernando José de Almeida, filho do deputado federal por Minas Gerais, José de Almeida. Este era um dos velhos políticos do antigo PSD. A igreja ficara repleta de políticos e autoridades importantes. Além de convidado, o Fernando pedira para eu ser o fotógrafo oficial da cerimônia. Isso me deu a oportunidade de assistir o casamento de uma posição bastante privilegiada.
Terminada a cerimonia, e eu ainda empenhado em obter as melhores fotos, cheguei para os noivos e disse: Fernando, parabéns, esse foi o casamento mais bem feito que já vi, e acrescentei; vocês não vão se separar nunca! Os noivos riram. Na realidade, Vieira, celebrou o casamento e depois repetiu várias partes do juramento como se pretendesse casá-los de novo. Muitos entenderam assim, e ficaram surpresos com aquela insistência como se ele tivesse premonição do que viria depois. Ele fez tudo isso com entusiamos, arte e empenho enfatizando a importância daquele ato. Infelizmente, o esforço dele foi em vão; anos depois o Fernando divorciou a linda esposa que era o amor da vida dele.
Antonio Dantas
Prezado professor Antonio Dantas.
ResponderExcluirIlustrei seu belo texto com uma foto inédita da família do Padre Vieira. Pais, irmãos, cunhados e sobrinhos juntos num ambiente festivo.
Obrigado pelo texto.
Grande abraço.