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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 2 de maio de 2020

JOÃO “PÉ DE ABELHA” EXISTIU - Por Wilton Bezerra.

Por muito tempo, ouvi o nome dessa pessoa ser pronunciado em Juazeiro do Norte, sem que me ocorresse saber de quem se tratava.
Depois, tomei conhecimento de que João “Pé de Abelha” assim se chamava porque produzia “remédios” populares na sua “colmeia”.
Não era um “raizeiro”. Pelo contrário, ele se frustrava por não realizar o sonho de ser grande empresário da indústria farmacêutica. Faltava dinheiro e estrutura científica para tal.
Mas, dentro de suas parcas condições, João “Pé de Abelha” alimentou esse sonho, produzindo “medicamentos” populares para várias enfermidades.
A maldade popular, também, espalhava que seus remédios não curavam nem dor de dente.
Com muita sorte (me interesso por esses personagens), consegui uma única conversa com “seu” João, no Bar do Moura, localizado em frente à estação da RFFSA.

Foi quando o proprietário, “seu” Moura, militar aposentado, o chamou para um papo. Nessa “entrevista”, indaguei sobre as condições de funcionamento de sua “indústria” de remédios e pude perceber que os seus olhos brilhavam, quando se referia a produtos que foram sucessos de vendas.
A relação dos itens, cujo mostruário não era pequeno, saia da cabeça de João “Pé de Abelha” aos borbotões. Um, em particular, foi vendido aos montes e à sorrelfa, no interior da Bahia. Tinha composição simples: fruto do fícus benjamim (a folha ainda minúscula), com um pequeno banho de maizena líquida, amido de milho.
Segundo João “Pé de abelha”, era um santo remédio para dores do estômago e intestinos. Não se tem noticia de quantos escaparam aos efeitos dessa medicação.
Indaguei se não tivera algum problema com as autoridades sanitárias, e ele afirmou categoricamente que não.
Moura, assistindo à conversa, o desmentiu: “Eu me lembro de tê-lo visto na Delegacia de Juazeiro, uma vez.” Pois bem, depois de breve discussão, chegou-se à conclusão de que foram duas idas à Delegacia e não apenas uma.
A conversa foi longa e, no final, quando nos despedimos, fiquei à admirar, por alguns instantes, aquele empreendedor de enorme disposição, apesar de tantas dificuldades para sobreviver nesse seco Nordeste.
Certo dia, recebi telefonema de um amigo (não vou dizer seu nome) de Juazeiro, me confessando que, na noite anterior, tinha tentado o suicídio, por não suportar mais as vicissitudes da vida. Foi mais longe, me dizendo ter ingerido vários comprimidos de um medicamento, no intuito de partir dessa para outra.
Para sua surpresa, acordou vivo, sem maiores problemas colaterais causados pela ingestão dos comprimidos. Desconfiava que os comprimidos engolidos não fizeram efeito, provavelmente, por serem genéricos.
Ouvindo aquela narrativa patética, num impulso humorístico (que até hoje não sei explicar como foi possível) eu reagi dizendo o seguinte: “Também, macho, tu fostes logo escolher, pra este ato, um produto de João “Pé de Abelha”!
O suicida, do outro lado da linha, irrompeu numa gargalhada tremenda e quase não paramos de rir. Os “medicamentos” à moda João “Pé de Abelha” acabaram “salvando” o amigo, exatamente porque não tiveram efeito nenhum.
A vida é um teatro - cada um com o seu papel. Trágico ou cômico.

2 comentários:

  1. Prezado Amigo Wilton, muito obrigado por sua contribuição com o Blog. Um bom final de semana. Paz e bem.

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