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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sexta-feira, 15 de julho de 2022

Morreu Dom Luiz de Orleans e Bragança, um grande brasileiro -- por Armando Lopes Rafael (*)

Uma vida longa e plena de significado! Assim foi a existência deste príncipe...

   No último dia 08.07.2022, um Comunicado sobre o estado de saúde e a hospitalização do Príncipe Dom Luiz – distribuído pela Casa Imperial do Brasil – já preparava nosso espírito: “Infelizmente, na opinião dos médicos, seu quadro é considerado irreversível”. Com profundo pesar,  na tarde desta sexta-feira, dia 15 de julho, o Secretariado da Casa Imperial do Brasil anunciou o falecimento de Dom Luiz.

    As palavras são insuficientes para traduzir – na plenitude – a grandeza moral e cívica do Príncipe Dom Luiz. Muitos, só agora, se deram conta da influência que ele exerceu junto à sociedade brasileira. Dom Luiz inspirava não só os monarquistas. Ia além. Influenciava outras correntes de opinião conservadoras existentes no Brasil. Espalhava sólidos e perenes princípios de catolicidade, brasilidade, honestidade, retidão, patriotismo e honradez.  

    A mídia brasileira – “A mais sórdida do mundo” – (na feliz expressão do saudoso Cardeal Primaz Dom Lucas Neves), tão pródiga em divulgar futilidades e mediocridades, pouco noticiava as ações de Dom Luiz.  Talvez porque as atitudes de Dom Luiz sempre  foram dignas e sérias. Dele nunca se ouviu falar num único gesto – por pequeno que fosse – que viesse a tisnar sua irrepreensível conduta ética. O Chefe da Casa Imperial Brasileira foi como um farol – sempre aceso – a espargir coerência, credibilidade e civismo; a iluminar o lado obscuro deste confuso e desordenado Brasil republicano.


Quem é quem

   Tetraneto de Dom Pedro I, trineto de Dom Pedro II e bisneto da Princesa Isabel, o Príncipe Dom Luiz Gastão Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança e Wittelsbach (este o seu nome completo) tinha nas veias o sangue de reis e santos que fizeram história. Dentre seus ilustres ancestrais estão Carlos Magno, um dos mais importantes imperadores da Idade Média, senhor absoluto do Sacro Império Romano; o Rei São Luiz IX da França e Nuno Álvares Pereira, também conhecido por São Nuno de Santa Maria, fundador da Casa de Bragança, conhecido como o “Santo Condestável do Reino de Portugal”.

   Dom Luiz de Orleans e Bragança – devido ao longo e injusto exílio imposto à Família Imperial – nasceu na França, na cidade de Mandelieu, em 6 de junho de 1938. Foi o primogênito do casal Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança e Dona Maria Isabel da Baviera. Aquele, neto e sucessor dinástico da Princesa Isabel, de quem recebeu a Chefia da Casa Imperial do Brasil. Esta, uma princesa alemã, nascida na família Wittelsbach – titular da Casa Real Bávara – neta de Rei Ludwig III, último monarca da Baviera. Ao nascer, Dom Luiz foi registrado no Consulado Geral do Brasil em Paris. Ele amou, como poucos brasileiros o fizeram, a sua pátria.


Seu pai, o Príncipe Dom Pedro Henrique

“A educação de um homem começa 100 anos antes do seu nascimento”
(Napoleão Bonaparte)

   Considerando a frase acima e antes de acrescentar novas informações sobre Dom Luiz, somos impelidos a discorrer sobre o pai dele, Dom Pedro Henrique. Este, ainda no exílio já era denominado, no Brasil, de “O Príncipe Esperado”. E aqui chegando, Dom Pedro Henrique passou a ser chamado   de “Condestável das Saudades e Esperanças”. Somente em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, ele, sua esposa Dona Maria da Baviera e os quatro primeiros filhos nascidos desse casal puderam deixar a Europa e fixar residência no Brasil. Aqui, a família enfrentou dificuldades financeiras.   Logo ao chegar – e tentar reaver seus bens, localizados na cidade de Petrópolis, ou seja, a parte que lhe cabia da herança da Princesa Isabel – Dom Pedro Henrique sofreu uma grande decepção.  Aqueles imóveis tinham sido repassados (antes do seu retorno ao Brasil) por um procurador que abusou da confiança do Príncipe. Tinham sido transferidos para outro membro da Família Imperial, aqui chegado antes de Dom Pedro Henrique.  

    Não conseguindo anular a transação e com os parcos recursos trazidos da Europa já minguando, Dom Pedro Henrique passou por contratempos até 1951. No entanto, naquele ano, um bondoso e rico português, ao falecer, deixou para Dom Pedro Henrique o legado de um valioso imóvel comercial, situado na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Com a venda desse prédio, Dom Pedro Henrique conseguiu comprar uma pequena fazenda – com área de 174 hectares – localizada no município de Jacarezinho, Norte do Paraná, à época uma pujante fronteira agrícola do Brasil. Para lá Dom Pedro Henrique se mudou, com a esposa e os seis filhos (mais dois tinham nascido no Rio de Janeiro). A esses se juntariam mais seis rebentos nascido no Paraná. Doze foi, portanto, o total dos filhos do casal. No Paraná todos viveram vários anos.

   Apesar de oriundo da nobreza, Dom Pedro Henrique revelou aptidão para os afazeres de um pequeno proprietário rural brasileiro. Plantava café e cereais. Tinha uma pequena criação de gado.  Em 1957, com o fruto dessas atividades, conseguiu permutar sua primeira propriedade rural por outra, um pouco maior – a Fazenda Santa Maria – situada no município de Jundiaí do Sul. Na década de 1960, com os filhos já encaminhados, Dom Pedro Henrique, vendeu essa última propriedade e adquiriu outra – igualmente pequena – no município de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro. Lá, instalou uma granja e lá viveu até sua morte, ocorrida em 1981.

A missão de Dom Luiz

     Dom Pedro Henrique exerceu forte influência na formação dos filhos. Herdeiro, pela primogenitura, da Chefia da Casa Imperial do Brasil, o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança cumpriu à risca as orientações recebidas do pai. Este sempre repetiu para os 12 filhos: “As circunstâncias não me permitem que lhes deixe uma fortuna material considerável. Mas três coisas faço questão de deixar: em primeiro lugar, a Fé Católica Apostólica Romana, herdada de nossos maiores; em segundo lugar, uma boa educação; e, em terceiro lugar, a consciência da missão histórica da nossa família”.

    Adolescente, Dom Luiz foi enviado para estudar num bom colégio do Rio de Janeiro. Posteriormente seguiu para a Europa, onde cursou Ciências Políticas e Sociais na Universidade de Paris (França). Em seguida, foi estudar Química e Física, na Universidade de Munique (Alemanha), terra da sua mãe, onde residiam alguns parentes maternos. Conquistado o diploma de Engenheiro Químico, retornou em 1967 ao Brasil, fixando-se em São Paulo, onde viveu sempre modestamente. Manteve, durante toda a vida, a coerência nas decisões e atitudes. Com a morte de Dom Pedro Henrique, em 1981, Dom Luiz assumiu a Chefia da Casa Imperial do Brasil. Nesta função exerceu um trabalho discreto e eficiente. Manteve acesa a chama do ideal monárquico no Brasil.

O Legado de Dom Luiz

   Para os monarquistas, Dom Luiz foi sempre o Imperador de jure do Brasil, cumprindo exemplarmente seu dever de herdeiro do Trono Brasileiro. E fê-lo enfrentando as muitas limitações existentes até 1988. A principal delas: a famigerada “cláusula pétrea” – um dispositivo constitucional, inserida na série das cinco e efêmeras constituições republicanas. Estas promulgadas em 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. Haja constituições! A tal cláusula proibia qualquer questionamento à forma de governo republicana, imposta, ao povo brasileiro, pelo golpe de 15 de novembro de 1889. Somente com a promulgação da 6ª (sexta) Constituição da República (a de 1988, atualmente vigente) mencionada cláusula foi retirada da “Carta Magna”. Também devemos este benefício a uma iniciativa de Dom Luiz.

     Explico. Em 1987, durante a última Constituinte, Dom Luiz redigiu e enviou uma “Carta aos Srs. Membros da Assembleia Nacional Constituinte”. Nela mostrava a incoerência de se manter a citada “cláusula pétrea” na mais recente “Carta Magna” republicana. Não fosse essa ação de Dom Luiz, a injusta e antidemocrática cláusula pétrea continuaria a punir ad eternum os monarquistas brasileiros. Em 1987 vivíamos a promessa de uma “Nova República” – aquela época pregada por Tancredo Neves – prometendo uma “anistia política”. Esse perdão – anunciado com estardalhaço como “amplo, geral e irrestrito” – constava no rascunho da futura constituição. Entretanto, a “anistia” deixava de fora os defensores da forma de governo monárquica. Por conta do pedido de Dom Luiz, os constituintes de 1987 revogaram, enfim, a “cláusula pétrea”. Livre desse entulho discricionário ressurgiram as campanhas e o proselitismo em favor da monarquia.  E, a partir daí, o movimento pró monarquia no Brasil só fez crescer. E o mais admirável: a maioria desse movimento é feito por jovens.

       (*) Armando Lopes Rafael é historiador.

Subsídios de Consulta para este artigo:

Livro: “Dom Pedro Henrique, O Condestável das Saudades e da Esperança”, escrito por Armando Alexandre dos Santos, publicado por Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda. São Paulo, em 2006.



2 comentários:

  1. Uma perda muito grande. Exemplo de dignidade, honradez e decência que tanta falta faz hoje ao Brasil.

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  2. Que Deus o receba na sua infinita misericórdia.

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