AS CIDADES DE FREI CARLOS
Por Zé Nilton*
Já lá se vão 39 anos da publicação do livro A cidade de Frei Carlos**, reunião de trabalhos esparsos do pesquisador Pe. Antonio Gomes de Araújo, clérigo da Diocese de Crato, Ceará.
Para o pesquisador de hoje a leitura dos textos dizem menos em comparação ao muito que dizem os anexos do livro.
Outro dia estava pensando por que o Pe. Gomes desinteressou-se em aprofundar sobre as gêneses da formação histórica do Cariri à luz de novos documentos coligidos à custa da sofreguidão de um pároco de aldeia, movido pelo entusiasmo e perseverança em fechar uma compreensibilidade sobre o Século XVIII no quadrilátero sul cearense?
De onde olho, hoje, muito fácil seria tripudiar nas falhas e nos hiatos cometidos pelo Pe. Gomes, em parte pelo seu modo intransigente e panegírico na defesa da História providencialista, e em parte pela fragmentariedade mesma de documentos elucidativos, o estado da arte de nossos primórdios.
De jeito nenhum. Teremos sempre uma atitude de profundo respeito àquele que se superou na busca de periodizar e por as coisas no lugar em meio a lacunas, descontinuidades, brechas, abismos, ausências e silêncios das fontes sobre nossa gênese.
O professor de História Pe. Antonio Gomes de Araújo compreendeu desde logo o sentido do fazer histórico na suma relativista que repõe a verdade histórica. Poderia ter ficado no céu das interpretações de segunda mão de como teria acontecido por aqui os nossos primeiros dias. Contrariamente, desceu ao inferno dos arquivos longínquos e poeirentos para fazer valer o sentido heurístico da ciência histórica e contrapor verdades.
Foi nessa que tomou a dianteira sobre fatos e acontecimentos da História do Cariri escrita por um Antonio Bezerra, um Dr. Pedro Thebèrge, um João Brígido e por fim a um Carlos Studart Filho.
Mas eu falei dos apensos do livro “A Cidade de Frei Carlos”. Pois bem, algo intrigante. Após escrevê-lo Pe. Gomes ajunta documentos importantes em torno da figura maior de seu intento, o Frade da Ordem dos Capuchinhos Italiano, Frei Carlos Maria de Ferrara.
Lá está que frei Carlos chegou ao Nordeste em 1736. Em 1738 a Junta das Missões, organismo de administração bipartite entre a Coroa e as ordens religiosas, discutia em reunião a necessidade de situar uma aldeia para o capuchinho. E revela que em 1739 frei Carlos já enviara uma carta à Junta das Missões, em Pernambuco, na qual “reclama que faça o ouvidor do Ceará a medição para a aldeia dos Jenipapos e que se chame o Pe. Ezequias Gameiro que já foi missionário dos Canindé para incorporá-los na mesma Missão”. (p. 80). Há outra carta do dia 21 de outubro de 1739 enviada por representante dos Jenipapos ao governador de Pernambuco de igual solicitação.
Sabemos que esses Jenipapos e Canindé estiveram na ponta da segunda fase da Guerra dos Bárbaros, a partir de 1712. Que os Jenipapos foram parciais dos Feitosa na luta contra os Montes. Que as duas tribos por falarem a mesma língua foram aldeadas em Quixadá, nas imediações do que hoje é Banabuiú. Que dali por força de lei seguiram para formar corpo social na elevação da Vila de Monte-mor, o novo da América, Baturité, em abril de 1764.
Então, Frei Carlos andou por estes sertões do meio fundando aldeias que seriam futuras vilas e hoje cidades. Quando se instala na Missão do Miranda, em 1740, trouxe saldos deteriorados de várias etnias. Índios alquebrados submetidos que foram a tantos desassossegos e violências. De vez em quando se ausentava para animar outros aldeamentos.
Pe. Gomes ressalta esta epopéia de Ferrara. Mas não o faz de modo enfático e apologético como fizera ao repercutir Antonio Bezerra quanto aos começos históricos de nossa cidade sob a inspiração de Frei Carlos.
Deixa uma sensação de abandono de sua luta na árdua tarefa de esclarecer o passado e ao mesmo tempo de uma profunda humildade como escritor pioneiro, quando diz: “Estas NOTAS modificam ou anulam, confirmam, contrariam ou enriquecem passagens constantes do texto do trabalho, cabendo ao leitor a tarefa do confronto”. Valeu, Pe. Gomes!
Por Zé Nilton*
Já lá se vão 39 anos da publicação do livro A cidade de Frei Carlos**, reunião de trabalhos esparsos do pesquisador Pe. Antonio Gomes de Araújo, clérigo da Diocese de Crato, Ceará.
Para o pesquisador de hoje a leitura dos textos dizem menos em comparação ao muito que dizem os anexos do livro.
Outro dia estava pensando por que o Pe. Gomes desinteressou-se em aprofundar sobre as gêneses da formação histórica do Cariri à luz de novos documentos coligidos à custa da sofreguidão de um pároco de aldeia, movido pelo entusiasmo e perseverança em fechar uma compreensibilidade sobre o Século XVIII no quadrilátero sul cearense?
De onde olho, hoje, muito fácil seria tripudiar nas falhas e nos hiatos cometidos pelo Pe. Gomes, em parte pelo seu modo intransigente e panegírico na defesa da História providencialista, e em parte pela fragmentariedade mesma de documentos elucidativos, o estado da arte de nossos primórdios.
De jeito nenhum. Teremos sempre uma atitude de profundo respeito àquele que se superou na busca de periodizar e por as coisas no lugar em meio a lacunas, descontinuidades, brechas, abismos, ausências e silêncios das fontes sobre nossa gênese.
O professor de História Pe. Antonio Gomes de Araújo compreendeu desde logo o sentido do fazer histórico na suma relativista que repõe a verdade histórica. Poderia ter ficado no céu das interpretações de segunda mão de como teria acontecido por aqui os nossos primeiros dias. Contrariamente, desceu ao inferno dos arquivos longínquos e poeirentos para fazer valer o sentido heurístico da ciência histórica e contrapor verdades.
Foi nessa que tomou a dianteira sobre fatos e acontecimentos da História do Cariri escrita por um Antonio Bezerra, um Dr. Pedro Thebèrge, um João Brígido e por fim a um Carlos Studart Filho.
Mas eu falei dos apensos do livro “A Cidade de Frei Carlos”. Pois bem, algo intrigante. Após escrevê-lo Pe. Gomes ajunta documentos importantes em torno da figura maior de seu intento, o Frade da Ordem dos Capuchinhos Italiano, Frei Carlos Maria de Ferrara.
Lá está que frei Carlos chegou ao Nordeste em 1736. Em 1738 a Junta das Missões, organismo de administração bipartite entre a Coroa e as ordens religiosas, discutia em reunião a necessidade de situar uma aldeia para o capuchinho. E revela que em 1739 frei Carlos já enviara uma carta à Junta das Missões, em Pernambuco, na qual “reclama que faça o ouvidor do Ceará a medição para a aldeia dos Jenipapos e que se chame o Pe. Ezequias Gameiro que já foi missionário dos Canindé para incorporá-los na mesma Missão”. (p. 80). Há outra carta do dia 21 de outubro de 1739 enviada por representante dos Jenipapos ao governador de Pernambuco de igual solicitação.
Sabemos que esses Jenipapos e Canindé estiveram na ponta da segunda fase da Guerra dos Bárbaros, a partir de 1712. Que os Jenipapos foram parciais dos Feitosa na luta contra os Montes. Que as duas tribos por falarem a mesma língua foram aldeadas em Quixadá, nas imediações do que hoje é Banabuiú. Que dali por força de lei seguiram para formar corpo social na elevação da Vila de Monte-mor, o novo da América, Baturité, em abril de 1764.
Então, Frei Carlos andou por estes sertões do meio fundando aldeias que seriam futuras vilas e hoje cidades. Quando se instala na Missão do Miranda, em 1740, trouxe saldos deteriorados de várias etnias. Índios alquebrados submetidos que foram a tantos desassossegos e violências. De vez em quando se ausentava para animar outros aldeamentos.
Pe. Gomes ressalta esta epopéia de Ferrara. Mas não o faz de modo enfático e apologético como fizera ao repercutir Antonio Bezerra quanto aos começos históricos de nossa cidade sob a inspiração de Frei Carlos.
Deixa uma sensação de abandono de sua luta na árdua tarefa de esclarecer o passado e ao mesmo tempo de uma profunda humildade como escritor pioneiro, quando diz: “Estas NOTAS modificam ou anulam, confirmam, contrariam ou enriquecem passagens constantes do texto do trabalho, cabendo ao leitor a tarefa do confronto”. Valeu, Pe. Gomes!
Quase terminando, Gomes trata os franciscanos como uma só Ordem. Hoje sabemos que franciscanos e capuchinhos são de ordens diferentes, com objetivos desiguais quanto à catequese no Nordeste. Não chegaram por aqui ao mesmo tempo. Bem, mas aí já é outra História...
Terminando, comecei com a frase “Já lá se vão”. Aprendi com um grande mineiro, o jornalista fundador do Diário de Minas, de saudosa memória, Newton Prates, quando me pedia para datilografar suas memórias para o jornal. Pois é como mineiro, cauteloso, que inicio uma série de despretensiosos artigos sobre a nossa formação histórica.
*Antropólogo. Professor do Departamento de Ciências Sociais da URCA
E-mail: figueiredo.jnilton@gmail.com
** Faculdade de Filosofia de Crato. Coleção Estudos e Pesquisas. Volume V. 1971
Obrigado Zenilton por tornar o Blog um motivo para pesquisa dos escritos de padre Gomes.
ResponderExcluirAbraços.