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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sexta-feira, 6 de agosto de 2010

DESAFÍO- Por Mundimdo Vale

POR CAUSO DE ZÉ MULATO

O lugá Cachoeirinha
Você sabe onde é que fica,
Tem até uma oiticica
Das gaias assim bem baixinha.
Pois bem, aquela casinha
Logo depois da cancela,
Morava eu e Maristela
Todo dois trabaidô.
Um cachorro caçadô
E um papagai tagarela.

Lá nós fizemo morada
Se danemo a trabaiá
Cavando o chão com as enxada
Até o sol esfriá.
Semeando sem pará
A vida que nós queria,
Vendo nascer todo dia
Bem distante da cidade,
Os pés de felicidade
Fulorando de alegria.

Peço até perdão premêro
Se isso for algum pecado
Mas num precisava gado,
Terra, cavalo, dinhêro,
Roupa e água de chêro
Falta isso num fazia,
Riqueza nós pissuia
Que era eu ter Maristela
E ela ter, eu perto dela
Que um sem outro, morria.

Pra nós ficá sastifeito
Bastava ouvi os trovão,
As água caí no chão
E os rio corrê nos leito.
Dava alegria no peito
Nós oiá a prantação,
De arroz, mi e feijão
Que cum suó nós regava.
Até onde a vista alcançava
O verde cobria o chão.

Na noite que num chovia
Nós corria pra calçada,
Ei ia cantá toada
Ou então fazer cantoria
Com o cabôco Zé Maria
Que em vinte légua pra frente
Era o maió no repente.
E nós bebendo cachaça,
Fazia o povo achar graça
Chorá e ri novamente.

Assim nós fumo levando
De vizim tinha um bocado
Mas cada um do seu lado.
E o que tava se passando,
Ninguém tava arreparando.
As coisa partícula
Ficava no seu lugá
Todo mundo era feliz.
Ninguém metia o nariz
Onde num devia entrá.

Aí foi nascendo os fí
Tudo bonito e corado,
Foi tanto do batizado
Quase acaba a água do ri.
Nunca mais eu esqueci
Do pequeno Valdemá,
Tinha Zefa, João, Sinhá,
Rosa, Vicente e Mané,
Expedito, Josué,
Carmelita e Juvená.

Depois eles foro crescendo
E sem precisá mandá,
Gostava de trabaiá
Dava gosto que só vendo
Os caboquim aprendendo,
Fazendo as obrigação,
Com muito calo nas mão,
Mas sem recramá de nada.
Saindo de madrugada
Voltando com a escuridão.

Todo ano nós colhia
Boa safra de algodão,
Que rendia algum tostão
Por que sempre nós vendia.
Até que chegou um dia
Um cabra dos ói de gato
Por nome de Zé Mulato
Faladô que era danado
E dos negoço atrapaiado
Que só carrêra de pato.

O danado foi chegando
Batendo palma, entroô,
Puxou um banco, sentô
E foi logo especulando.
Fez as conta calculando
Meteu as mão pelos pés
E acho que bicho em vez
De somá mutripicô
E o diabo é que calculô
Par mais de cem conto de réis.

Passou mais de duas hora
E depois de enchê o bucho,
Não comprô nem um capucho
Levantou-se e foi embora.
E pensando nisso agora
É que fico encabulado
De num tê desconfiado,
Que o infeliz queria
Era fazer vistoria
Pra robá os meus trocado.

Pois foi só eu me virá
Que o danado chegô
Na minha casa e robô.
E se fosse só robá
Minha raiva ia acalmá.
Mas num perdôo ninguém
Que pra levá uns vintém,
Feito um cabra bom de peia
Faça desgraça tão feia
E tenha de matá alguém.

Eu fui chegando e fui vendo
A casa toda queimada,
As coisa tudo espaiada
E meu cachorro correndo.
Eu fui logo me benzendo
Santa mãe imaculada
A famía tá acabada.
Subiu-me um fogo na veia,
Que quase me incendeia
O que inda tinha sobrado.

Peguei o meu bacamarte
Desses de pórva de ouvido
E num tô arrependido
De tê feito essa tal arte.
E foi aí nessa parte
Que eu com a bicha carregada,
De raiva, prego, ôi de enxada
Segurando a lazarina
Disse: - Agora ela lhe ensina
A num fazê conta errada.

Fui seguindo rastro e chêro
Que o cabra tinha deixado
E vi ele amofumbado
Na sombra de um juazêro.
Tava contando o dinhêro
E eu fui logo disparando
O ódio que eu ia levando.
Foi um tiro tão medonho
Que chega até o demonho
Vêi vê o mundo acabando.

Quando a puêra sentô
Eu já num tava mais lá
Corri até me cansar
E nem sei o que sobrô
Do caba que me robô.
Mas de mim, isso é verdade
Sobra uma grande saudade
Da casinha da cancela,
Onde eu e Maristela
Prantemo a felicidade.

4 comentários:

  1. De quem é a autoria desse belo
    trabalho?

    Dica: O poeta já teve passagem pelo blog do Sanharol.

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  2. Prezado Mundim.

    São tantos os poetas que já passaram pelo Blog que fica meio dificil a identificação.

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  3. Sérgio Piau de novo !!!!!!!!!!!!!rsrsrs

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  4. Flor do Chico.
    O Enio acertou novamente, pode pegar a sua parte com ele.

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