DEBULHA DE VERSOS
Dedico a Francisco Gomes da Silva (Nem)
Dedico a Francisco Gomes da Silva (Nem)
O folheto ou romance, hoje cordel, significava para o homem simples do nordeste o jornal impresso, a revista, o noticiário, a novela e toda a fonte de informação necessária para o seu entretenimento. De origem ibérica – o escritor português Gil Vicente já publicava as suas peças teatrais em livrinhos pendurados em barbantes, daí a origem do termo cordel - esta prática entrou no Brasil através de narrativas orais até ser utilizado de forma impressa pelo grande editor e poeta paraibano, radicado no Recife, Leandro Gomes de Barros.
As proezas de Lampião, os milagres de padre Cícero, a trajetória de Antônio Conselheiro, a morte de Getúlio Vargas, as histórias de Príncipes e Princesas e os relatos de amor com final feliz complementavam o imaginário de vaqueiros, comboieiros, agricultores e tantos outros, de forma agradável e acessível.
Coco Verde e Melancia (o Romeu e Julieta do cordel) e o Romance do Pavão Misterioso (folheto que trouxe inspiração para a música e a novela) de José Camelo de Melo Resende; Os Doze Pares de França de Sebastião Nunes Batista; A Chegada de Lampião no Inferno de Zé Pacheco da Rocha (um dos folhetos mais editados do país); História do Soldado Vingador, O Dinheiro ou Testamento do Cachorro e o Cavalo que Defecava Dinheiro de Leandro Gomes de Barros; Proezas de João Grilo de João Ferreira de Lima e tantos outros clássicos era motivo de alegria e orgulho para os leitores, cantadores e declamadores. Os três últimos serviram de base para a peça O Auto da Compadecida, do genial Ariano Suassuna.
O aposentado Nem, do sítio Juazeirinho em Várzea Alegre no sertão nordestino, ex-comboieiro, ex-pedreiro e famoso declamador de versos, narrou-me, que era comum nas comunidades rurais, a prática da debulha de feijão: forma socialista de o pequeno agricultor beneficiar e armazenar a sua safra de grãos, sem a necessidade de utilizar os seus parcos recursos. Tudo era feito de forma comunitária, tornando as noites mais produtivas e animadas, pela formidável integração do grupo e pelas conversas prazerosas existentes.
Certa noite, após uma longa maratona dessa tradicional prática agrícola, pensou: - Já estou com os dedos calejados de tanta debulha e, pelo jeito, estou no prejuízo, pois o que trabalhei nessas noitadas todas dava de sobra para eu armazenar o dobro do que produzi este ano trabalhando sozinho. - A partir daí, aconteceu a sua grande reflexão e posterior descoberta.
Um velho amigo, ouvindo as suas lamentações, disse-lhe: - Olha Nem, você nunca percebeu, mas as pessoas lhe convidam para as debulhas de feijão não é devido ao seu trabalho, não! É por conta da sua prodigiosa memória e do seu grande talento para declamar versos. Você é quem faz a festa e quem incentiva a força produtiva dessa gente. Você sempre foi a grande atração da noite.
Sem pestanejar e de maneira segura, retrucou o amante dos cantadores de violas e dos folhetos de cordéis e, até então, o acomodado artista: - Ora veja! E eu com os dedos descascados de tanto debulhar feijão, podendo estar, apenas, debulhando versos.
# Francisco Gomes da Silva, o Nem, 88 anos, sabe de cor a maioria dos clássicos da literatura de cordel, alguns com mais de cem estrofes, que os declama, solenemente, para a dedicada esposa Antônia, que não se cansa em ouvi-lo.
Parabens Dr. Savio pelo relato historia sobre o cordel. Parabens pela historia do seu Nem. Eu participei de varias debulhas de feijão e conheço duas historinhas engraçadas dos meus avós e vou aproveitar para conta-las depois. Parabens seu Nem que Deus lhe dê muito tempo para o Senhor transmitir as pessoas a sua prodigiosa sapiencia.
ResponderExcluirFeliz Natal a todos.
Caro Morais...
ResponderExcluirBelíssima história que revela com sensibilidade momentos solidários e a capacidade de nosso povo sertanejo, nas debulhas de feijão.
E contada pelo querido Dr. Sávio, um lavrador e debulhador de verso e prosa, tornou-se ainda mais interressante..
Grande abraço...
Sávio,o Nem com 88 anos decora tudo,eu não consigo decorar nem o poeminha do contra do Mario Quintana.
ResponderExcluirTodos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão...
Eu passarinho.
Amigo Morais,
ResponderExcluirFico imaginando quantas histórias interessantes você deve ter, extraídas das tradicionais debulhas de feijão. O calor humano daquelas noitadas era impressionante. A coceira também.
Um abraço.
Magnólia,
ResponderExcluirSegundo relato do próprio declamador de versos, as debulhas de feijão possuíam grande alegria, fato que ele recorda com prazer. Aproveitando a oportunidade, abrace o Aldenízio e diga-lhe que sinto saudades das suas declamações nos bares da vida.
Caro Flávio,
ResponderExcluirSempre fostes muito generoso com os meus escritos. Saiba que, além de possuíres um grande talento, tu és o nosso mais representativo precursor na arte de narrar, daí a minha grande admiração pelos seus feitos.
Luiz Lisboa,
ResponderExcluirVocê é igual a mim. Não sei nada decorado. Acho que a minha mente só aceita nome de remédio. Será se existe medicação para isso?
Um grande abraço.