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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 22 de fevereiro de 2014

ONDE ANDAVAM ESSAS FOTOS? - Por Claude Bloc



Claude (3 anos)
Tentei bordar algumas lembranças enquanto dormia. Uma menininha sorridente insistia em me dizer que a vida era boa. E eu acreditei. 

Olhei para a primeira foto. A imagem de uma vida feliz  estava estampada no sorriso inocente daquela menininha. Senti saudade dos meus avós maternos e por incrível que pareça, um velho filme, desenrolou-se em minha memória. Nessa época, eu estava na França. Na horta de minha avó Germaine. Aprendia o Francês com facilidade e me tornei fluente. 

Ia à praia com meus primos Michel e Mailé e observava o mar descer muitos quilômetros até se esconder nos confins da baía (Bassin d'Arcachon). Deixava atrás de si, grandes valas naturais onde a gente ia pegar camarão e mariscos. A água era fria e em alguns trechos havia muitas algas finas. A brincadeira era sempre marcada de risadas... Gritinhos finos. O mar sem ondas era propicio ao banho...
Georges Bloc, Claude, Janine, Dominique e Huguette

Mas o Brasil tinha seus apelos. Meus avós paternos decidiram se instalar no Ceará e viver entre os filhos e netos. Assim, Fortaleza e Serra Verde foram os polos de sua moradia. Depois veio o Crato. Isso foi definitivo. Dividiam-se enquanto a família se multiplicava devagarinho. Inicialmente éramos eu e Dominique.

Mamãe, sempre bela, tinha alguns percalços a superar. Sabe como é aquela convivência entre sogra e nora numa mesma casa... Algo meio complicado quando a sogra tem um sentido muito apurado de família e quer ter um espaço e uma participação, além do que deveria ser... No Início, foram ossos duros de roer. Depois, a força do amor e da amizade fizeram pontes entre os sentimentos e a harmonia acabou com o ranço.

Dominique, Mamie Menotte (Germaine) e Neném - (e os cães Dick e e Nico)
Minha avó materna veio ao Brasil algumas vezes. Era mais fácil vir assim apenas uma pessoa. O calor nordestino a incomodava, mas a alegria de poder conviver com a família brasileira a fazia esquecer esses detalhes.

Deixou a cada viagem o seu exemplo e sua simplicidade como marca fundamental. Apesar da barreira do idioma, conseguia se comunicar com as pessoas serraverdenses. Queria aprender os costumes, observar as diferenças e semelhanças entre a vida na França e aquela que encontrou naquele sertão brabo. 

Como exímia costureira e bordadeira, observou naquela época que na maioria dos bordados da região prevalecia a cor vermelha nas flores e o verde forte nas folhas e folhagens. Apesar de não ter conseguido falar Português, ela também observou que, na década de 50, nas letras das canções brasileiras a palavra "coração" ( que ela não conseguia pronunciar direito) aparecia na maioria delas. Enfim, foi uma convivência ímpar, que se repetiu duas ou três vezes mas que nos trouxe um grande carinho e amor por aquela avó brincalhona e gentil.
Hubert Bloc (já em Serra Verde)

 Seu Hubert, meu pai, era um caso à parte. Uma alma gentil e amorosa.  Vigoroso em seu trabalho, parecia um dínamo. Chegou novinho (23 anos) ao Brasil e teve que se aclimatar num sertão de gente matuta, mas cheia de vigor.

Já a essa idade havia vivenciado as agruras da II Guerra e tinha que se superar num país estranho e totalmente diferente daquele mundo polido e cheio dos travos da guerra. Sempre dizia que tinha um "Português ruim", mas o Rótary lhe deu asas e conseguiu escrever o Português melhor que muitos brasileiros. Era belo, inquieto, aventureiro. Tentou viver o que a guerra lhe privou de ter  nas mãos. Errou, mas não foi por falta de garra. A vida ceifou seu futuro muito cedo (65 anos) mas conseguiu, na sua espontaneidade, deixar amigos onde quer que fosse e um legado de amor entre os seus. 

Agora fico aqui entre essas fotos. Fazendo elos entre elas. Nos vazios me debruço sobre essas irremediáveis faltas. Ausências que vão se deixando ficar pela história da minha vida.


Claude Bloc

14 comentários:

  1. Claude,

    belíssimma postagem,eu me recordo do povo da região falar do nome do "seu Ruberto da serra verde".Bela recordação.

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  2. Claude.

    Grandes lembranças, muitas saudades. Uma bela postagem.

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  3. É...

    Claude:

    Uma simples foto, é capaz de desencadear um turbilhão de recordações.

    Ao olhar para uma foto, nossa mente rebusca na memória todas as ocorrências ligadas a ela, e o rssultado é uma esplosão de saudades e carinho com aqueles momentos revividos.

    Ao olhar uma foto, sempre gosto de resbuscar a sua memória. Ela tem sempre muito a nos dizer.

    Parabens pela postagem. A cada dia conhecemos mais um pouquinho da nossa estimada poetisa, além de viajar com ela nas suas reminiscências.

    Abraços do

    Vicente Almeida

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  4. Dr. Rolim,

    Papai foi um vigoroso lutador. A Guerra o pegou ainda adolescente e o feriu não só com uma granada, fisicamente, mas também deixou marcas em sua alma.

    Mesmo assim ele nos deixou uma herança de retidão e amor exemplar.

    Abraço,

    Claude

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  5. Morais,

    Recebi essas fotos da filha de uma pessoa que trabalhou na minha casa em Serra Verde por muito tempo.
    Ela aparece na foto 3 segurando o cachorro Nico. Neném era seu nome (apelido). Era da família Vieira que morava pelos ocos da Serra Verde.

    Havia com ela fotos de que eu nem me lembrava. Mas agora eu (re)costurei o tempo através das imagens e então a saudade mandou que eu escrevesse sobre elas.

    Abraço,

    Claude

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  6. Obrigada, Informativo, pelo apoio.

    Abraço,

    Claude

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  7. Vicente,

    Você tem o dom de me elevar através de suas palavras.

    É sempre uma alegria quando nossos resgates no tempo chegam até aqueles que nos leem.

    Mas são saudades benfazejas, aquelas que apenas trazem ao nosso coraçãoa oportunidade de reconfortar a falta daqueles que tanto amamos e que nos ensinaram a escrever nossa história com honradez.

    Obrigada, menino.

    Abraço,

    Claude

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  8. Claude, estou encantada com seu bordado. Belo texto!

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  9. Claude, a menininha sorridente afinal tinha razão... As suas lembranças dizem da sua felicidade, do prazer que foi conviver com pessoas maravilhosas que a vida lhe presenteou.

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  10. Menina, mas aonde é que estavam mesmo essas fotos ?

    Claude, você sumiu. Eu já deixei vários recados no Facebook e nada!

    Cadê você, em que estrela tu te escondes ?

    Abraços,

    DM

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  11. Obrigada, Mena...

    Tenho um texto que se chama Ponto de Cruz, outro bordado da vida...

    Abraço,

    Claude

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  12. Realmente, Klébia,

    Posso dizer sem pestanejar: essas pessoas me ensinaram o que é felicidade.
    E ela (a felicidade)nunca está muito longe da gente, a gente é que costuma achar que é difícil encontrá-la, quando muitas vezes ela está "debaixo do nosso nariz".

    Abraço,

    Claude

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  13. Dihelson,

    Pra falar a verdade, já me acostumei com muita coisa na internet, mas acho o facebook meio confuso...
    É uma mistura de gente e de notícia que às vezes não sei o que é para mim ou para todos... Sorry!

    Mas vc tem meu telefone... e eu sou menos ocupada do que você. Num custa ligar, né? rs

    Abraço,

    Claude

    P.S. - Vê se agenda um café aqui com Vicente e Valdenia...

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