Estamos diante de uma das “encruzilhadas da História”. Das decisões lançadas sobre os ombros de nossa geração, talvez como em poucas vezes ao longo de nossa História, sairá um Brasil moderno e preparado para os desafios do amanhã, ou então um país enfraquecido e dividido.
Fiquei a refletir sobre isso há poucos dias, quando foi lançado um sério estudo sobre como estará o mundo no ano 2025. Trata-se de uma realização do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA. Uma obra notável, bastante detalhista, abordando o impacto, sobre os próximos 15 anos, de variáveis que vão desde o papel das mulheres no Oriente Médio até os eventuais conflitos gerados pela escassez de água potável em alguns países. Uma leitura algo longa, porém fascinante.
Quanto ao Brasil, as análises dos especialistas norte-americanos demoliram algumas ilusões, porém dão margem a profundas esperanças. Comecemos pela parte ruim, que simplesmente destrói a ilusão que temos quanto ao chamado BRIC, como ficaram conhecidas as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China. Espalhou-se pelo país afora a ilusão de que somos todos “emergentes”, e criou-se a idéia de que o Brasil está a crescer nos mesmos patamares e sob as mesmas condições da Rússia, da Índia e da China.
A este respeito, o documento norte-americano é até irônico. Simula uma carta do Ministro das Relações Exteriores dos EUA, escrita em 2021, na qual lê-se o seguinte: “Uma vez ouvi uma narrativa – cuja verdade desconheço – segundo a qual a Goldman Sachs acrescentou o Brasil ao BRICs como fruto de uma reflexão posterior. Os rumores são de que ela precisava de um quarto país, preferencialmente do Hemisfério Sul, já que todos os outros eram do Norte. Também ajudou o fato de que o Brasil começa com a letra B”.
Ironias à parte, realmente salta aos olhos a desproporção de forças. A Rússia, a Índia e a China são potências nucleares, detentoras de tecnologia militar de altíssimo nível. Rússia, Índia e China trataram de fortalecer seus respectivos parques industriais e tecnológicos nacionais, enquanto que nós fizemos o oposto, vendendo para estrangeiros algumas de nossas melhores empresas. Nominalmente, não produzimos sequer uma calculadora de bolso, pois falta-nos até mesmo uma fábrica de chips – somos meros montadores de aparelhos eletrônicos.
Concluiu-se que o Brasil, após 2020, deverá ser um dos grandes exportadores de petróleo e de produtos agrícolas do planeta, o que robusteceria profundamente sua economia. Basicamente é a continuação da economia extrativista que há 500 anos retira do Brasil riquezas naturais a preço de banana em troca de bens industrializados importados a peso de ouro.
Sobre este aspecto, as gerações contemporâneas, na ansiedade de agradar o capitalismo estrangeiro, engendraram uma segunda “abertura dos portos” – esta última, entretanto, de resultados calamitosos para um país que pretende se desenvolver. Em verdade, o processo de desnacionalização da economia que se promoveu no nosso país, até onde pesquisei, não encontra paralelo no planeta!
Citarei um pequeno exemplo: há coisa de um ou dois anos planejou-se vender uma das maiores empresas privadas da França a um grupo norte-americano – um negócio absolutamente lícito. Mas eis que os Poderes constituídos daquele país, de forma aberta e frontal, anunciaram ser aquela empresa uma jóia do país, que não poderia ser vendida, e que tudo fariam para impedir o avanço das negociações. O resultado: a empresa continua francesa, e agora revitalizada.
Em nosso país o processo histórico contemporâneo foi diferente: venda-se! Entregue-se! Nos últimos anos, incríveis 60% das empresas brasileiras negociadas foram parar nas mãos de estrangeiros. Foi assim que chegamos no insólito país cujos habitantes compram o leite de suas próprias vacas, a água mineral de suas próprias nascentes e a maioria dos produtos de sua própria terra, pagando a empresas estrangeiras aqui instaladas.
Da indústria alimentícia à mineração, da comunicação à siderurgia, dos transportes à energia, o que o Brasil possuía de melhor foi vendido a grupos estrangeiros. Um país não pode se desenvolver verdadeiramente sob tais condições. Em verdade, vejo sustentando nossa aparente pujança o remeter para fora, a preços aviltantes, riquezas as mais preciosas que temos, a maioria delas de natureza não-renovável.
Dizem alguns que o Brasil cresceu nas últimas décadas. Mas quem tem crescido verdadeiramente – o Brasil, exportador cada vez maior de riquezas em sua maioria não-renováveis, ou se empresas aqui instaladas, com alguns poucos e evidentes reflexos positivos no nosso dia-a-dia e nas contas nacionais?
Após consultar a pauta de nossas exportações, constatei que a maior parte dela é de produtos fabricados por empresas estrangeiras aqui instaladas. Em uma frase: sacrificamos nossa agricultura a troco de enriquecermos empresas estrangeiras. Ouso perguntar: isto é crescimento real, sólido e consistente?
O fato é que nossa geração abriu mão de desenvolver um parque industrial próprio, desnacionalizou nossas mais importantes empresas, e está a consumir inebriadamente as maiores riquezas não-renováveis que a natureza nos ofereceu. Parece incrível, mas vergonhosamente empresas estrangeiras já são responsáveis por 70% de nossas exportações de soja, 15% das de laranja, 13% de frango, 6,5% de açúcar e álcool e 30% das de café! Isto já sangra o Brasil em mais de US$ 12 bilhões a cada ano só a título de remessa de lucros.
De toda sorte, uma outra está por vir – aquela prevista pelos estudiosos norte-americanos, que nos colocam a partir de 2020 como grande exportador de petróleo e alimentos. Dado o nosso malogro na “encruzilhada anterior”, já estaremos chegando mal a este novo período de riqueza que se avizinha – será ele, em sua maioria, explorado por empresas transnacionais aqui instaladas. Não por acaso, e cito um pequeno exemplo, há poucos dias negociou-se um campo de petróleo situado próximo ao nosso litoral por robustos US$ 7 bilhões!
Sim, nós já estaremos chegando a este novo período histórico, mas gravemente comprometidos. Mas isto não é tudo. Há, no detalhado e preciso estudo norte-americano, um muito sério alerta à nossa geração: “sem avanços no campo das leis, até mesmo o rápido crescimento econômico será reduzido pela instabilidade que resulta do crime e da corrupção infiltrada”.
Eis aí, sem retoques, o nosso desafio maior. O Brasil perde 32% do que arrecada em impostos com a corrupção, e a com a morosidade do Poder Judiciário deixamos de gerar US$ 100 bilhões a cada ano apenas em função da redução de investimentos das empresas aqui localizadas. Um país nestas condições não pode crescer, e muito menos se recuperar da sangria a que tem sido submetido nas últimas décadas.
Fazer com que as leis deste país funcionem não é uma tarefa exclusiva do Poder Judiciário. Esta há que ser, repito, a meta de toda uma elite de um país durante toda uma geração. Há que se promover uma verdadeira mudança de hábitos, de cultura e de mentalidade.
Estarei exagerando? Não. Olhem em volta. Vão a uma festa qualquer, seja no quintal de um barraco ou nos mais finos salões, e constatem a verdade simples de que ‘quanto mais bandido, mais aplaudido’. Lá nas favelas, aos bandidos são dispensadas todas as atenções e homenagens, em um comportamento que causa horror aos habitantes dos bairros nobres.
Mas ouso perguntar: em que é diferente o ato de cortejar nas finas recepções os corruptos mais notórios, aqueles cuja culpa salta aos olhos até dos cegos. Este tem sido, lamentavelmente, um comportamento normal e socialmente aceitável. Nós – cada um de nós – sabemos seus nomes e o que fazem. Constatem o quanto perdemos em tempo e qualidade de vida por conta deles. Ouçam os gritos dos miseráveis que sofrem abandonados pelas prisões e corredores de hospitais. Escutem, por um instante que seja, o choro das crianças devoradas por ratos em nossas favelas. Vejam – ou melhor, não vejam – os nossos irmãos soterrados pelos deslizamentos, sobre uma terra tão rica como é a do Brasil. E subitamente Pilatos vai nos parecendo mais e mais familiar, diante dos nossos tenebrosos silêncio e passividade.
Apenas se espera de nós, em um momento tão sério, no qual está sendo definido o destino do nosso país, que, inspirados na divisa de Tamandaré, cumpramos com o nosso dever. E não temos muito tempo para isso – em mais uma ou duas décadas também este processo histórico estará encerrado, e o Brasil terá ido rumo a um futuro de desigualdade, conflitos sociais e talvez até cisão, ou para um outro futuro, de ordem e respeito básico às leis que o conduzirá a uma era de estabilidade e progresso duradouros.
Nossa geração, e é forçoso que se diga isso, só tem mais esta tarefa a cumprir – já falhou quanto a quase todas as outras que lhe competiam! Tem o sagrado dever de buscar, através da informação técnica e correta, o esclarecimento do povo brasileiro. Só através dele, do esclarecimento do povo, daremos aos nossos governantes as ferramentas necessárias ao verdadeiro progresso.
Os meios para isso, a universalização das telecomunicações nos proporciona a cada dia com maior intensidade. É hora, assim, de que cada um de nós vá às ruas, criticar o que tem que ser criticado e defender o que tem que ser defendido. Nossos conhecimentos e recursos já não podem ficar restritos, pois sério o momento presente.
Estejamos, pois, à altura das exigências do momento histórico de nosso país e de suas instituições. Este o chamado da Pátria. Este o nosso dever, lembrando o poeta Manuel Bandeira.
“Bichos como o que vi ontem,
Na imundície do pátio,
Catando comida entre os detritos.
Quando encontrava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava.
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
O bicho não era um gato,
O bicho não era um rato.
O bicho, meu Deus,
Era um homem”
Enviado por Cesario Saraiva Cruz.
Texto é um pouco longo, mas de aprazivel leitura e facil compreenção. Só o terpo dirá quem está com a razão.
ResponderExcluirExcelente artigo.
ResponderExcluirComo sabemos que o brasileiro é um preguiçoso para ler e como uma matéria dessa deve ser amplamente divulgada, sugiro em casos futuros dividir o texto em duas postagens.
Armando