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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

DEPOIMENTO DE RITA LEE - Recomendo a leitura.


Rita Lee.

"Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinham da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.

Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente, esqueceu, morrendo tuberculosa.

Estes episódios marcaram para sempre a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres? Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos. Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso nas passarelas do samba. Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem à moda do momento e ficarem ir resistíveis diante dos homens.

E, com isso, Barbies de facaria, provocaram em muitas outras mulheres - as baixinhas, as gordas, as de óculos - um sentimento de perda de auto-estima. Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é composto de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E, no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo. Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas e punhais. Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência.

As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência. É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz.

E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas. São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer a ternura de suas mentes e a doçura de seus corações. "Nem toda feiticeira é corcunda. Nem toda brasileira é só bunda." 

Enviado Por Rita Morais.

5 comentários:

  1. Este depoimento da Rita Lee vale por cem leis Maria da Penha.

    A lei, por si, é precária pela total fragilidade e dependência da mulher. Apanha a primeira vez, a segunda, mais outra e, sempre dizendo: Vamos tentar novamente. Vã esperança.

    O depoimento reflete o verdadeiro problema. A fragilidade da mulher e a manipulação da mesma em nome de valores que nem sempre são os seus próprios desejos.

    Degradam o próprio corpo, porque os outros gostam de ver um corpo degradado.

    Não se muda isto com lei. Muda-se com consciência.

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  2. TAMBÉM CONCORDO EM PARTE COM O DEPOIMENTO E COM AS PALAVRAS DO MORAIS. MAS A CONSIENCIA E A EDUCAÇÃO NÃO FUNCIONAM NESSE PAÍS. DAÍ A SOLUÇÃO MAIS PRÓXIMA??? JÁ DIZIA MINHA MÃE REI NÃO É SANTO MAS OBRA MILAGRES...

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  3. O relato no começo do artigo lembram como as coisas funcionavam até um certo tempo aqui atrás. Aqui em Várzea Alegri a muitos anos, Carolina, moça bonita, teve um caso com Juquinha de Zé Raimundo, expulsa de casa, foi embora e nunca mais ninguém teve mais uma pequena notícia.

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  4. Acabo de ler do Augusto Cury: A Ditadura da Beleza e a revolução das mulheres - Sextante, 2005.
    Trata deste mesmo assunto, mulheres mutiladas em nome da "beleza". As que têm dinheiro, mutilam-se e as que não têm são mutiladas!
    Mulheres do Brasil, acordem!
    Sejam belas, vejam-se belas!

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  5. Concordo com o texto e os comentários.
    Se Deus quiser elevar o número de mulheres, eu não empresto só uma, Eu empresto todas as minhas
    costelas.

    Elas são guerreiras sim. Mas guerreiras sem armas.

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