Nélio Clayton Barbosa Falcão – Meu mestre, meu ídolo
(Claude Bloc)
Nélio (à esquerda) - no Rio |
Ao escrever este texto,
em alguns momentos, vou ceder, certamente, à emoção, pois sei
perfeitamente que cada dia é mais um dia roubado da noite e cada noite é
tempo de reflexão e de espera. Em nenhum sentido, me considero aqui
intelectual: escrevo impulsionada pela história das coisas e das
pessoas, e procuro lembrar delas com todas as células de meu corpo, como
se na minha vida sempre estivessem.
O que escreverei hoje aqui é como se fosse uma névoa úmida de saudade.
As palavras podem vir como sons transfundidos de lembranças que se
cruzam de forma díspar, rendas no tecido do tempo, pauta, música e
musicalidade. O que tenho aqui é a história de um homem que o tempo não
me deixou esquecer.
Eu sei que eu estou segurando a narrativa, como se pudesse segurar a
emoção. É que esse meu escrito deveria ser composto sem palavras: como
se aqui eu tivesse à minha frente apenas fotografias mudas que contassem
sozinhas uma história, como um silêncio que fala, ou melhor ainda, como
uma pauta onde desfilassem melodias puras, com clave de sol.
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De toda essa argamassa de lembranças que me atiça a memória, aparece enfim essa pessoa de que falo: Nélio Clayton Barbosa Falcão. Tinha-o/tenho-o como um ídolo. Nas festas em que “Hildegardo e seu Conjunto” ilustravam com uma maestria divina, estavam lá meus olhos voltados para aquele homem que empunhava seu instrumento de cordas, dedilhando, ora com leveza, ora com uma vibrante euforia, as notas das melodias que eu dançava ou que simplesmente escutava, enquanto sonhava com algum príncipe (des)encantado. Eu queria aprender a tocar as cordas de um violão com aquela agilidade e nelas encontrar o tom exato dessa sinfonia que me empolgava e ao mesmo tempo me apascentava.
Desde pequena, sempre fui ligada (embrionariamente) à música. Tentei praticar acordeom, mas o peso do instrumento foi desaconselhado para uma menina em crescimento, com escoliose, devido ao fato de ser canhota. Foi então que, aos 15 anos, soube por Sarah Cabral que havia aulas de violão na Educadora. Ela era a professora de teoria (leitura e solfejo) e Nélio o professor de violão (aula prática). As aulas ocorriam numa daquelas salinhas, no topo da rampa, e era lá onde eu ia assisti-las com João Roberto de Pinho e Gracinha Pinheiro.
O professor, antes de tudo, já era para mim um exemplo, não só pelo seu
desempenho como músico, mas também pela sua paciente e terna postura
para com seus alunos. Eu sonhava em ter, como ele, a mão ágil e hábil
nas cordas de uma guitarra ou de um violão. Aquela dança dos dedos em
bemóis e sustenidos era da cor da minha ansiedade. Confirmei há poucos
dias pelo seu próprio filho – Nélio Junior - que minha intuição, já
naquela época, não prescindia de um grande senso de observação. Segundo
seu filho, o nosso grande Nélio, tinha “grande intuição musical; era
amoroso; paciente e muito pacato." Era, então, assim que esse pai
passava zelosamente seu tesouro para os filhos amados: a música, a arte!
A vida de Nélio Clayton foi tão arraigada de amor ao Crato, que eu o
imaginava cratense – e ele certamente o era, de coração. Mas me
surpreendi ao saber que ele nasceu em Fortaleza - em 04.06.1928. A vida
dele foi pontilhada pela música desde cedo, e a ela devotou seu sucesso e
seu arrojado trabalho. Em todos os seus passos e gestos estavam essa
delicadeza e a harmonia de uma pessoa que veio semear o bem.
São sempre emocionados os depoimentos das pessoas que passaram de alguma
forma pela sua vida. Foi essa sua herança, mas curta sua missão. Como a
um anjo, Deus o levou cedo (aos 45 anos) e de repente. Quem sabe, para
ouvi-lo mais de perto...
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Histórico sobre a vida de Nélio Clayton Barbosa Falcão
Hildegardo e seu Conjunto (no Colégio Madre Ana Couto) |
Nélio Clayton Barbosa Falcão
Nasceu em Fortaleza em 04.06.1928
Faleceu em Crato em 27.07.1973
Criado num meio familiar musical, desde cedo habituou-se com os acordes do violão.
Ainda jovem fez parte de grupos musicais que se apresentavam em
Fortaleza, quando teve participação ativa nos tempos áureos da
PRE-9/Ceará Rádio Clube.
Seguindo os passos do irmão Nilo, que integrava o famoso Conjunto 4 Ases e um Coringa, viajou para o Rio de Janeiro, onde na companhia do Maestro polonês Arnaldo Salpeter formou um Conjunto Regional.
Chegou ao Crato no ano de 1950, trazido pelo Maestro Arnaldo Salpeter, formando o Trio Jangada juntamente com o acordeonista Luzimar Alves, quando da fundação da Sociedade de Cultura Artística do Crato e Escola de Música Branca Bilhar, da qual foi professor de violão.
Mais tarde, formou também no quarteto Jangada juntamente com Maestro Arnaldo Salpeter, Hildegardo Benício e Hildelito Parente.
Integrou ainda "Hildegardo e seu Conjunto" e "Azes do Ritmo", e, por vários anos, também tocou em programas de estúdio e auditório das Rádios Educadora e Araripe. Nesta última, foi um dos seus pioneiros, juntamente com um dos seus grandes amigos, o radialista Wilson Machado.
Apaixonado pelo Crato, faleceu prematuramente aos 45 anos de idade - vítima de infarto fulminante - deixando muitos diletos amigos nos meios musical e social da cidade.
Sobre o Crato, falava sempre que vivia no paraíso (é onde está sepultado).
Foi casado com Maria Almira Brito Siebra e teve quatro filhos: Nélio Júnior, Nelmira, Neyla e Neylton.
(Dados fornecidos por Nélio Júnior)
Prezada Claude.
ResponderExcluirUm texto autentico e uma homenagem justa e merecida.
Duas razões existiam para que eu admirasse o Nelio Clayton: Os laços de familia, pois sou primo da sua esposa, hoje viuva Almira e porque dancei muito nos salões do Crato Tenis Clube e da AABB ao som do inesquecível conjunto do Hildegardo. Essas fotos dão muita saudade.
Morais,
ResponderExcluirQuando Nélio Jr. me falou que era seu primo, vim logo postar esse texto aqui porque tinha certeza de que você gostaria de ler e relembrar.
A você meu abraço,
Claude
Claude e Morais,
ResponderExcluirEstou muito emocionado com essa sublime homenagem prestada ao meu pai.
A Claude, serei eternamente grato por tão belo depoimento, dizendo-lhe que: apenas uma criatura humana tão linda, dotada de elevado dom artístico e espiritual, é capaz de transformar a história de vida de uma pessoa numa magnífica expressão poética.
A você, Morais, agradeço pelo espaço dado no Blog e lembro-lhe da minha forte estima e consideração à sua pessoa - meu parente querido.
Um grande abraço e obrigado!
Nélio Júnior