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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Um homem sereno que não fala para sectários - O Globo


Livros já foram escritos sobre a vida do Papa Francisco, embora pouco mais de quatro meses tenham decorrido desde a sua eleição para o trono de São Pedro. Mais alguns serão escritos, com certeza, para tentar interpretar o fenômeno de popularidade em que ele se tornou.

A passagem do Papa pelo Rio foi marcada, como se sabe, por graves problemas de organização. Talvez não haja cidade que possa enfrentar incólume a chegada repentina de mais de um milhão de visitantes. Padrões mais altos de eficiência, porém, terão de ser alcançados, se vamos enfrentar desafios como Copa e Olimpíadas. Mas, das muitas confusões, emergiu um evento que será lembrado com saudade — inclusive pelo Papa Francisco.

Suas conotações são quase infinitas, atingindo todos os assuntos que fazem a vida dos seres humanos. Havia, por exemplo, o dado religioso, o fato de que um Papa popular e carismático veio encontrar-se com a maior população de católicos da terra. As multidões que corriam em todas as direções para chegar mais perto do Papa certamente incluiriam pessoas simples, que, para além dos debates teológicos, veem em Francisco, como ensina a Igreja, o sucessor de Pedro.

Mas o fenômeno meio mágico a que o Brasil e o mundo assistiram vai além do terreno religioso. Ao vivo ou pela televisão, massas humanas se defrontaram com o espetáculo notável que é ver alguém chegar aos píncaros da popularidade, do sucesso, e continuar a ser o que, nessas eminências, acaba sendo muito raro: uma pessoa normal, sem qualquer pose.

O Papa Francisco teve uma palavra suave para todos. Confessou-se, ele mesmo, pecador, solidário com os erros dos outros (no voo de volta a Roma deu declaração não discriminatória sobre os gays). Pediu que rezassem por ele. Mas, em nenhum momento, mostrou-se complacente com o comodismo, numa realidade social que pede tantos ajustes.

Ajustes ele se propõe a fazer também dentro da Igreja, ficou claro na entrevista que concedeu ao “Fantástico”. Quase que denunciou uma Igreja “clerical” que transforma os meios nos fins. Criticou os bispos que incorram numa “psicologia de príncipe”. Aos jovens, deixou um grande mote: “Ide, sem medo, para servir.” Quer que eles estejam atentos às realidades do mundo, e que não se deixem instrumentalizar por este ou por aquele caminho demagógico.

Ele falou para todos, e não para mentalidades sectárias. Tudo bem pesado, talvez a sua mensagem mais forte seja a da necessidade do Encontro, para que possamos diminuir o tamanho dos nossos problemas. Num continente como o nosso, repleto de desigualdades, é muito fácil obter dividendos políticos cultivando inimizades, criando bodes expiatórios. Toxinas desta natureza estão bem visíveis em países como a Venezuela e a Argentina. Para esses é que pode fazer bem a palavra do Papa Francisco — lúcida, serena, humana.

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