A falta de racionalidade e impessoalidade com que vem sendo discutida e tratada a aplicação das penas impostas ao núcleo político do mensalão revela que a prática nefasta da “cordialidade” na esfera pública brasileira, descrita no clássico Raízes do Brasil, de 1936, continua em pleno vigor.
O personalismo e o patrimonialismo identificados por Sérgio Buarque de Holanda como entraves à modernização da democracia não foram em nada abalados por uma inédita década de PT no comando do país. Hoje, o “homem cordial”, aquele que prefere a exceção do compadrio à igualdade da cidadania, é também de esquerda.
O maior exemplo disso é o passionalismo no caso José Genoíno, elevado quase à categoria de mártir. Foi necessária a frieza de uma junta de cinco professores e doutores da UnB para focar a realidade: o estado de saúde do ex-presidente do PT, que é cardiopata e hipertenso, merece cuidados, mas não é grave. Segundo os médicos, ele não precisaria de prisão domiciliar.
José Genoíno, condenado do mensalão
Deputado prestigiado e nunca envolvido em corrupção, Genoíno não admite o fato – e suas consequências legais – de ter assinado empréstimo considerado fraudulento pelo STF. Operação bancária pela qual operadores privados cumprem longas penas em regime fechado, sem ocasionar barulho ou protestos. É como se só a metade da ação 470, aquela que diz respeito à ação dos petistas, fosse mentirosa.
É neste enredo oficial que Genoíno se proclama “preso político”. Graças a laços e relações, ele tem recebido mais do que solidariedade no infortúnio. A condenação não impediu que o PT protelasse a votação da cassação do mandato na Câmara e tentasse lhe garantir aposentadoria por invalidez – benefício novamente vetado pelos médicos, desta vez do Legislativo.
No Executivo, Genoino também recebeu deferências. Dilma revelou “preocupações humanitárias” com sua saúde e ministros agiram a seu favor. Especulou-se que o deputado poderia até receber indulto presidencial. A extinção da pena seria o máximo da “cordialidade” brasileira – a deformação da ação isenta do Estado, caracterizada pela “ampliação do círculo familiar”.
O julgamento do mensalão, novo paradigma para políticos com foro privilegiado, continua a desafiar nossa maturidade democrática. Nesta reta final, acompanhamos fugas, omissões, perdões tácitos e subterfúgios à lei que chegam ao deboche. Caberá ao relator, Joaquim Barbosa, decidir cada aspecto das sentenças. Até aqui, os limites institucionais têm sido impostos pelo calvinismo de Barbosa – Sua Excelência, o descortês.
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