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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 11 de março de 2014

A bolha começou a estourar – Exame


POUCO ANTES DE RECEBER O PREMIO NOBEL DE ECONOMIA, no ano passado, o americano Robert Shiller fez uma viagem a São Paulo. Shiller ganhou fama internacional como uma espécie de caçador de bolhas — aquele fenômeno financeiro marcado por preços que descolam da realidade para depois cair subitamente. No fim da década de 90. ele escreveu que a obsessão do mercado americano por ações de empresas de tecnologia acabaria mal. Acertou em cheio. Uma década depois, demonstrou que o preço dos imóveis nos Estados Unidos estava beirando a loucura e despencaria logo. Shiller, que estuda o mercado imobiliário americano há décadas, acertou de novo. Pois, em sua visita a São Paulo, ele analisou o que estava acontecendo com os imóveis no Brasil. Como qualquer brasileiro sabe, faz quase oito anos que o preço de apartamentos e casas nas principais cidades do país sobe sem parar. Os sinais de exuberância irracional são os mais variados. Um “apertamento” de 35 metros quadrados recém-lançado em São Paulo costuma ultrapassar o valor de 1,1 milhão de reais. No bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, o metro quadrado dos imóveis mais chiques vale 50000 reais. Shiller olhou isso tudo, achou que já tinha visto esse filme antes e cravou — é bolha.

Mas é mesmo? O mais famoso caçador de bolhas do mundo achou mais uma? () preço dos imóveis está prestes a desabar? Para começar a conversa, é preciso deixar claro que essas são perguntas impossíveis de responder com precisão. O futuro do preço das coisas é, por definição, incerto. Em muitos casos, ondas de valorização são seguidas por mais ondas de valorização — já que há boas razões econômicas por trás delas. Por outro lado, uma bolha só se forma porque, até o dia em que estoura, há uma espécie de consenso em torno dos bons “fundamentos” da alta nos preços. A saúde do mercado imobiliário interessa, por razões óbvias, a milhões de brasileiros. Saber se estamos ou não em meio a uma bolha é, portanto, uma das discussões econômicas mais importantes do pais. Mas os números mostram que Shiller atirou no que viu e acenou no que não viu. Há. de fato. uma bolha imobiliária no Brasil. E ela já começou a estourar. Mas não onde Shiller imagina.

Os maiores símbolos da bolha imobiliária brasileira não são quitinetes de 1 milhão de reais, mas prédios comerciais vazios, shopping centers novos às moscas e galpões industriais sem uso. A bolha brasileira, em suma, está localizada no mercado comercial, e não no residencial. Durante a última década, houve nesse segmento uma espécie de fúria construtora. Em 2012 e 2013. os lançamentos somaram 25 bilhões de reais, maior volume da história. Cidades onde só havia edifícios acanhados, como Vitória e Recife, passaram a receber empreendimentos modernos. Um marco do oba-oba nesse segmento é o megaprojeto de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro. Animadas pelas obras de reurbanização prometidas pelo governo, incorporadoras nacionais e estrangeiras disseram que lançariam 1 milhão de metros quadrados de escritórios na região, o que corresponde a dois terços da disponibilidade atual de imóveis comerciais em toda a cidade. Só o bilionário americano Donald Trump se comprometeu a erguer cinco torres de 38 andares ali.

A promessa, em todos os casos, foi a mesma. O crescimento da economia e a chegada de novas empresas multiplicariam a demanda por áreas de escritórios. Quem não aproveitasse para construir perderia a maior oportunidade da história no Brasil. Deu-se o mesmo nos dois outros principais segmentos do mercado imobiliário comercial — os shoppings e os galpões. Também nesses casos a perspectiva de boom econômico levou a um recorde de construções. A área de galpões disponível no pais cresceu nada menos do que 120% em apenas três anos. São hoje 8,1 milhões de metros quadrados para estocar a produção industrial brasileira. Também nunca se construiu tanto shopping center. Até mesmo cidades com 200 000 habitantes, como Sobral, no interior do Ceará, e Arapiraca, em Alagoas, ganharam o seu.

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