Quando parece que a política já apodreceu —o Cunha ainda com mandato, o Renan ameaçando o Janot de impeachment, o Campos transferido da cova para um inquérito policial, o Rio quebrado e as empreiteiras revelando que o Cabral também distribuía mordida$— surge na Câmara mais uma evidência de que a putrefação é apenas uma escala rumo ao insolúvel: vice-presidente da CPI do Carf, o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA) acusa um membro da comissão de frequentar os dois lados do guichê, ora fingindo que investiga, ora extorquindo investigados.
Você pensa nas 105 condenações da Lava Jato, cujas penas somam 1.140 anos, 9 meses e 11 dias de cadeia, respira fundo e imagina: “O brasileiro já pode dormir mais tranquilo…” E não pode. Tem que se preocupar com a CPI do Carf. Hildo Rocha contou à repórter Gabriela Valente que um empresário lhe disse “que estava sendo chantageado por um deputado.”
Cadê o empresário? “Eu pedi que ele, junto comigo, fizesse a denúncia, e perguntei se eu poderia mencionar o nome dele e o do deputado. Ele disse que não.” Por que o vice-presidente da CPI não joga o caso no ventilador? “Porque a pessoa que me disse que estava sendo achacada não quis que eu dissesse o nome dela. Se ele permitisse que eu dissesse o nome, eu teria de dizer quem é a pessoa e quem é o deputado. Ela ficou é com medo. Ela está com medo!”
O Carf, você sabe, é o conselho que funciona como tribunal administrativo de recursos contra autuações da Receita Federal. O órgão virou escândalo porque a plutocracia foi pilhada comprando conselheiros para cancelar dívidas fiscais bilionárias. Surgida do nada, em ritmo de truque cinematográfico, a CPI do Carf parecia não ter serventia. Todas as mutretas que os deputados se dispõem a investigar já estão sendo escarafunchadas pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República na Operação Zelotes.
Os deputados forçam uma porta já arrombada. Em investigações que não devem nada à teatralidade de uma CPI, já foram quebrados sigilos bancários, fiscais e telefônicos; executaram-se dezenas de mandados judiciais de prisão e de busca e apreensão. A apuração chegou a figurões de logomarcas como a Gerdau, o Bradesco e o Banco Safra. O inquérito chegou mesmo a dar à luz um filhote, desdobrando-se no caso de comercialização de medidas provisórias. Até Fábio Luís, o caçula de Lula, já se encontra no caldeirão.
Quando se imaginava que a CPI do Carf era apenas inútil, descobre-se que sua utilidade é tóxica. Foi constituída para que certos deputados —não confundir com deputados certos— testem sua vocação para o teatro, fazendo numa mesma encenação o duplo papel de polícia e de bandido. À plateia é reservado o papel de trouxa.
O ex-senador Gim Argello está preso em Curitiba há dois meses porque cobrou R$ 5 milhões da empreiteira UTC e R$ 350 mil da OAS para que seus executivos não fossem convocados a sentar no banco da CPI da Petrobras. O deputado Dudu da Fonte (PP-PE) acaba de ser denunciado pela Procuradoria ao STF por cobrar R$ 10 milhões do ex-diretor da Petrobas Paulo Roberto Costa para abafar outra CPI que tinha a estatal como alvo. O tucano Sérgio Guerra, ex-presidente do PSDB federal, só não foi denunciado mesmo inquérito porque morreu em 2014.
Nenhum proveito da sua missão compensa o que as últimas CPIs fizeram com o instituto das CPIs e com os nervos dos brasileiros. E as encrencas não param. A coisa é tão séria que parece piada. Já se ouve “sabe a última do Papagaio?” com a mesma frequência com que se escuta “sabe a última do Eduardo Cunha?”
Esse deputado, como todo parlamentar, tem foro especial, sabe que será julgado pelo STF, e sabe também, que não julga nem condena ninguém. Assim tem autorização para delinqui.
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