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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

CARIRIENSIDADE -- por Armando Lopes Rafael


Provérbios usados no Cariri

      Outrora, nas suas conversas corriqueiras, os caririenses tinham o costume de inserir – nos seus colóquios com vizinhos e conhecidos – os tradicionais “ditados populares”. Estes resumiam o jeito do povo de entender e viver a vida naquele tempo. Relembremos alguns desses conceitos morais, muito repetidos naqueles períodos passados: “Mato tem olhos, paredes têm ouvidos”; “Brigam as comadres, descobrem-se as verdades”; “Boi sonso é que arromba a cerca”; “Ladrão de  tostão, ladrão de milhão”; “Cajueiro doce é que leva pedradas”; “Não  há fogo ameno, nem inimigo pequeno”; “O bom remédio amarga na boca”; “A bocas loucas, orelhas moucas”; “Ser valente com os fracos é covardia”; “Quem vê cara não vê coração”; “Para desaforado, desaforado e meio”; “De pequena fagulha, grandes labaredas”; Mais fere má palavra do que aguda espada”; “Quem debocha não tem bom coração”.

O Cariri no tempo da UDN e  PSD
   
  Na tumultuada tradição republicana do Brasil, o Cariri viveu 20 anos de democracia plena.  Depois da queda da ditadura de Getúlio Vargas (mais uma), que perdurou de 1930 a 1945, nosso país vivenciou – entre 1945 ao início de 1964 – uma democracia plena. O Cariri teve prestigio político nesses anos.

    Tivemos, àquela época, uma geração de políticos respeitados pela população, e filiados aos partidos que haviam surgido pós-ditadura Vargas: PSD, UDN, PTB, dentre outros. Eles representavam as correntes de opinião da época. Quem se filiava a um desses partidos permanecia fiel a ele por toda a vida. Diferente de hoje quando os políticos mudam de legenda como quem muda de camisa.

     Naqueles vinte anos, elegeram-se, pelo Cariri, deputados federais políticos da envergadura moral de um Alencar Araripe, Joaquim Fernandes Teles e Leão Sampaio, todos da UDN. Pelo PSD tínhamos Wilson Gonçalves (deputado estadual, vice-governador do Ceará e Senador da República). Nos dias atuais, com mais de 1 milhão de habitantes, a Região do Cariri não tem um único deputado federal. Houve uma época em que, apesar da economia fraca, pequena população e isolamento da nossa região (em relação aos centros mais adiantados do Nordeste) o Cariri era um celeiro de bons políticos, pois muitos deputados estaduais cearenses eram originários dos municípios caririenses. A exemplo de Wilson Roriz, Conserva Feitosa, Filemon Teles, Pio Sampaio, Napoleão Araújo, dentre outros. Bons tempos aqueles. Hoje o Cariri tem pouca força politica.

Escritores caririenses: Monsenhor Francisco Holanda Montenegro
 
    Nasceu em Jucás (CE) em 25 de fevereiro de 1913 e faleceu em Crato, no dia 10 de abril de 2005. Foi diretor do Colégio Diocesano de Crato durante 50 anos. Sacerdote culto, sério, foi membro do Conselho de Educação do Estado do Ceará e professor da Faculdade de Filosofia de Crato.
      Era sócio do Instituto Cultural do Cariri, ocupante da Cadeira 9, cujo patrono é Dom Francisco de Assis Pires. Proferiu importantes conferências em instituições culturais do Nordeste brasileiro. Ao lado de suas exaustivas atividades de professor e sacerdote, fazia pesquisas que resultaram em vários livros importantíssimos para o resgate da história do Cariri.
    
       São de autoria de monsenhor Montenegro os livros: “As Quatro Sergipanas” (publicado pela Universidade Federal do Ceará, onde resgata a genealogia dos primeiros desbravadores do Cariri);  “Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira– O Apóstolo da Caridade” (biografia deste ilustre sacerdote); “Os Quatro Luzeiros da Diocese” (resgate da história inicial da Diocese de Crato através da biografia dos seus quatro primeiros bispos); “Fé em Canudos” (mostrando o lado místico do lendário Antônio Conselheiro, líder da comunidade de Canudos). Escreveu ainda vários trabalhos (publicados em revistas e jornais), com destaque para uma biografia de Dom Quintino, primeiro bispo da Diocese de Crato.
          Mons. Montenegro foi agraciado com diversas comendas e honrarias, dentre elas: a Medalha da Abolição (a mais alta comenda do Ceará); Medalha Justiniano de Serpa, da Secretaria da Educação do Ceará; Medalha do Mérito Bárbara de Alencar, da Prefeitura de Crato; Medalha Educador Emérito, do Ministério da Educação. Um valoroso intelectual, uma grande figura humana!

O papel das “elites” para o progresso do Cariri
     Em 1838, o naturalista escocês George Gardner esteve em Crato. De volta à Inglaterra assim ele descreveu (no livro “Viagem ao interior do Brasil) Crato e sua sociedade:  “Toda a população da Vila chega a dois mil habitantes, na maioria todos índios ou mestiços que deles descendem. Os habitantes mais respeitáveis são brasileiros, em maioria negociantes; mas como ganham a vida as raças mais pobres é coisa que não entendo”(...) “A moralidade dos habitantes de Crato é, em geral, baixa; o jogo de cartas é sua ocupação principal, durante o dia; quando faz bom tempo, veem-se grupos de todas as classes, desde os que se chamam “gente graúda” até as mais baixas, sentados nos passeios, à sombra da rua, profundamente absorvidos pelo jogo (...) “São então frequentes as brigas, que muitas vezes se resolvem a faca’.
      
Quando esse panorama começou a mudar

     O historiador cratense Irineu Pinheiro escreveu no seu livro “O Cariri”:

     “ (Somente) no meado do século XIX, começou a ascender o estalão moral da sociedade de Crato, que podemos considerar padrão de toda a zona caririense. Até então era inferior o nível de moralidade do lugar. Um dos motivos de aperfeiçoamento dos costumes foi a emigração para Crato de famílias, especialmente de Icó, cujo esplendor principiava a declinar. Fixaram-se na nova terra fértil, menos sujeita às crises climáticas, enriquecendo-a com seu labor e, portanto, civilizando-a, os Alves Pequenos, os Candeias, os Bilhares, os Garridos, os Linhares, os Gomes de Matos e outros cujas descendências se prolongaram até nós. Frutificaram os bons hábitos familiares dos recém vindos”.

       A chegada a Crato dessas famílias vindas de Icó (uma cidade dotada, à época, de bonitos prédios e bom comércio, com uma população profundamente católica e mais educada do que as das vilas caririenses) teve influência decisiva para a mudança da vida religiosa, política, social e cultural do Cariri.  Antônio Luís Alves Pequeno, um dos chegados de Icó, tinha a patente de Coronel da Guarda Nacional. Praticavam hábitos e conduta de um homem empreendedor e logo se tornou influente no cenário político da cidade. Foi Presidente da Câmara Municipal, em 1853, pouco antes de o Crato ser elevado à categoria de cidade. Construiu o primeiro sobrado de Crato, feito nos moldes dos existentes em Recife.

 As elites caririenses do passado

     A partir daí começaram os frutos benéficos dessa elite. Nestes tempos medíocres e confusos, ora vivenciados – de maneira mais visível no nosso querido e sofrido Brasil – a maioria da população desconhece não só o significado da palavra “elite”, mas, e, sobretudo, o real papel que uma verdadeira “elite” exerce para a formação da sociedade na qual está inserida. A elite (hoje erroneamente confundida com o sinônimo de “burguesia” ou de "rico") se constituiu – no final do século XIX e durante as décadas iniciais do século XX –  numa força para a construção de uma sociedade saudável e fraterna. No Cariri – daquela época – as verdadeiras elites formavam a parcela mais educada, mais preparada, a que conservava os valores éticos, morais, religiosos e sociais. Barbalha, por exemplo, possuiu, naqueles tempos passados, uma elite assim. Ela formava a camada social honrada, respeitada, digna e filantrópica.  Deve-se àquela essa elite o que a “Terra de Santo Antônio “conquistou de melhor em favor daquela comunidade, cujas realizações perduram até os dias atuais.
   
Zuca Sampaio, arquétipo da elite barbalhense
O Chalé de Zuca Sampaio, em Barbalha

      José de Sá Barreto – mais conhecido como Zuca Sampaio – foi um arquétipo da elite barbalhense no período acima citado. Ele tinha consciência de que seus bens patrimoniais, seu prestígio social e até seu talento pessoal deviam ser postos em favor dos menos favorecidos. Que o seu trabalho como cristão e cidadão deveria elevar o estamento social da sua cidade natal. E fê-lo dando aos seus afazeres a finalidade de beneficiar sua família, seus amigos e as pessoas necessitadas da sus comunidade. 
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída pelas
famílias barbalhenses no inicio do século XX

        Zuca Sampaio trabalhava, o dia inteiro, no seu estabelecimento comercial, com ligeiro intervalo para o almoço. Próximo ao pôr-do-sol, passava na sua residência para o jantar. Em seguida, pegava o candeeiro, livros, cadernos, lápis e ia ensinar as primeiras letras no “Gabinete de Leitura” (instituição por ele fundada) e destinada à alfabetização de pessoas carentes de Barbalha. Ali, ministrava a doutrina cristã, os princípios morais e o amor à pátria. Foi o leigo católico de maior projeção daquela cidade. Presidiu, por longos anos, a Conferência de São Vicente de Paulo (da qual foi um dos fundadores), amparando a pobreza de Barbalha.

Um comentário:

  1. Um belo jornal. Trata da história passada e contemporânea. Um informativo valoroso e muito importante para quem ler.

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