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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Uma lenda norueguesa

Uma antiga lenda norueguesa narra este episódio sobre um homem chamado Haakon, que cuidava de uma ermida à qual muita gente vinha orar com devoção. Nesta ermida havia uma cruz muito antiga, e muitos vinham ali para pedir a Cristo que fizesse algum milagre. 

Certo dia, o eremita Haakon quis também pedir-lhe um favor. Impulsionava-o um sentimento generoso. Ajoelhou-se diante da cruz e disse:

– Senhor, quero padecer por vós. Deixai-me ocupar o vosso lugar. Quero substituir-vos na Cruz.

E permaneceu com o olhar pendente da cruz, como quem espera uma resposta. O Senhor abriu os lábios e falou. As suas palavras caíam do alto, sussurrantes e admoestadoras:

– Meu servo, cedo ao teu desejo, mas com uma condição.

– Qual é, Senhor? – perguntou com acento suplicante Haakon. É uma condição difícil? Estou disposto a cumpri-la com a tua ajuda!

– Escuta-me: Aconteça o que acontecer, e vejas tu o que vires, deves guardar sempre o silêncio.

Haakon respondeu:

– Prometo-o, Senhor!

E fizeram a troca sem que ninguém o percebesse. Ninguém reconheceu o eremita pendente da cruz; quanto ao Senhor, ocupava o lugar de Haakon. Durante muito tempo, este conseguiu cumprir o seu compromisso e não disse nada a ninguém.Certo dia, porém, chegou um rico. Depois de orar, deixou ali esquecida a sua bolsa. Haakon viu-o e calou. Também não disse nada quando um pobre, que veio duas horas mais tarde, se apropriou da bolsa do rico. E também não quando um rapaz se prostrou diante dele pouco depois para pedir-lhe a sua graça antes de empreender uma longa viagem.

Nesse momento, porém, o rico tornou a entrar em busca da bolsa. Como não a encontrasse, pensou que o rapaz se teria apropriado dela; Voltou-se para ele e interpelou com raiva: - Dá-me a bolsa que me roubaste! O jovem, surpreso, replicou-lhe: - Não roubei nenhuma bolsa! - Não mintas; devolve-me já! - Repito que não apanhei nenhuma bolsa! O rico arremeteu furioso contra ele. Soou então uma voz forte:

– Pára! O rico olhou para cima e viu que a imagem lhe falava. Haakon, que não conseguiu permanecer em silêncio diante daquela injustiça, gritou-lhe, defendeu o jovem e censurou o rico pela falsa acusação.

Este ficou aniquilado e saiu da ermida. E o jovem saiu também porque tinha pressa para empreender a sua viagem.

Quando a ermida ficou vazia, Cristo dirigiu-se ao seu servo e disse-lhe:

– Desce da Cruz. Não serves para ocupar o meu lugar. Não soubeste guardar silêncio. – Mas, Senhor, como podia eu permitir essa injustiça?

O Senhor continuou a falar-lhe:

– Tu não sabias que era conveniente para o rico perder a bolsa, pois trazia nela o preço de uma injustiça. O pobre, pelo contrário, tinha necessidade desse dinheiro; quanto ao rapaz que ia receber os golpes, a suas feridas o teriam Impedido de fazer a viagem que, para ele, foi fatal: faz uns minutos que o seu barco acaba de soçobrar e que ele se afogou.

Tu também não sabias isto; mas Eu sim. E por isso me calo. E o Senhor tornou a guardar silêncio. 

Muitas vezes nos perguntamos por que Deus não nos responde. Por que Deus se cala?

Muitos de nós gostaríamos que nos respondesse o que desejamos ouvir, mas Ele não o faz: responde-nos com o silêncio. Deveríamos aprender a escutar esse silêncio. O Divino Silêncio é uma palavra destinada a convencer-nos de que Ele, sim, sabe o que faz. Com o seu silêncio, diz-nos carinhosamente: "Confia em mim, sei o que é preciso fazer!

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