Se você professa dogmaticamente a fé católica, interrompa imediatamente a leitura. Feito o alerta, vai um esclarecimento que oferece aos católicos empedernidos uma segunda chance para evitar o desperdício de tempo com esse texto: o que se pretende fazer aqui é uma defesa de Deus contra os equívocos cometidos pela Igreja. Pronto, avisei.
Diga-se, de saída, em benefício do papa Francisco, que a conferência do Vaticano sobre os escândalos sexuais que carcomem a reputação da Santa Madre Igreja vem bem. Reconheça-se, entretanto, que a contrição iniciada na última quinta-feira (21) chega tarde. Um remorso mais rápido teria produzido reparações a quem interessa e exemplos capazes e inibir incontáveis abusos.
Na sexta-feira, segundo dia do encontro mundial do Vaticano, Linda Ghisoni, uma docente da Universidade Gregoriana, especialista em direito canônico, falou para cerca de 190 homens, a maioria bispos. Ela foi ao ponto: "De joelhos é a postura para tratar os argumentos desses dias".
Tomada pelas palavras, Linda parece não enxergar inocentes na Igreja, apenas culpados e cúmplices. Para ela, a "traição" dos abusos cometidos contra crianças, adolescentes e mulheres não é de responsabilidade apenas dos padres abusadores. O rol de responsáveis inclui os que sempre negaram o inegável, os que foram negligentes e os que ocultaram os crimes.
A culpa, disse Linda, é compartilhada. Pena que nenhum dos presentes ajoelhou-se. Num ambiente frequentado por pequenas criaturas, bastaria pôr-se de joelhos para ser considerado um sacerdote de enorme altivez. Uma alma cínica diria que o remorso é a penúltima utilidade de um crime. No caso da Igreja, porém, o arrependimento é a antepenúltima serventia da delinquência.
Eis a penúltima vantagem: Depois de conviver com seus criminosos sexuais por razões inconfessáveis, o Vaticano desfruta dos prazeres da contrição. E o papa Francisco ainda poderia extrair uma última vantagem da delinquência se, depois de tanta omissão, inaugurasse um debate franco sobre o fim do celibato.
Sua Santidade fará o encerramento da conferência sexual da Igreja neste domingo. Suas observações são aguardadas com extraordinário interesse. Mas pouca gente imagina que Francisco ousará propor o fim do celibato.
Reze-se para que o papa não venha com um rol de boas intenções ou de medidas cenográficas. Do contrário, restará a sensação de que os "representantes" de Deus gozam três vezes —com os crimes, com a expiação e com a elaboração de falsas providências—, enquanto as vítimas fazem figuração no teatro de penitências.
Uma das características da Igreja Católica é a aversão a mudanças. No começo do século 16, o Vaticano preferiu emagrecer, expelindo fiéis, a atualizar-se. Foi quando começaram a surgir as igrejas cristãs dissidentes. Assim, não se deve exigir respostas rápidas da instituição. Mas a simples abertura de um debate franco sobre os malefícios do celibato teria o efeito de uma lufada de ar fresco.
No campo da sexualidade interna, a hipocrisia foi o mais próximo que a Igreja conseguiu chegar da perfeição. A coisa vem de longe. Mencione-se, por eloqüente, um episódio ocorrido no ano da graça de 1679. Na época, muitos médicos prescreviam a pacientes aturdidos com pulsões sexuais desmedidas o "remédio" da masturbação.
Um monge espanhol chamado Juan Caramuel ousou defender a tese segundo a qual aliviar o corpo dos excessos de sêmen era mesmo uma prática médica saudável. Pobre diabo! Levou uma carraspana do papa de então, Inocêncio 11º.
O longínquo predecessor de Fancisco apegou-se ao texto bíblico que, em Gênesis (38:4-10), dá notícia da desaprovação do Senhor ao gesto de Onan que, ao se deitar com a cunhada, interrompia o coito na hora 'H', derramando o sêmen sobre o solo. Hoje, um surto de onanismo clerical seria dádiva celestial perto do que sucede no escurinho dos seminários, das sacristias e das dioceses.
Neste sábado, véspera do encerramento da conferência do Vaticano sobre pedofilia e outras violações sexuais da Igreja, o cardeal Reinhard Marx, presidente da Conferência Episcopal Alemã, admitiu que os arquivos de casos de abuso sexual foram queimados na Alemanha, para impedir a identificação dos culpados. Ele disse suspeitar que o mesmo ocorreu em outros países.
O problema de expiações históricas como a que a Igreja tenta fazer no caso dos abusos sexuais é que elas sempre chegam tarde. Se não servirem nem como estímulo para correções que salvem o Vaticano de tantas crises de consciência, aí mesmo é que a coisa se revelará de uma inutilidade hedionda.
Em conversa com jornalistas, no ano passado, o papa Francisco declarou: "O celibato não é um dogma de fé, é uma regra de vida que eu aprecio muito e acredito que seja um dom para a Igreja. Não sendo um dogma de fé, sempre temos a porta aberta. Neste momento, contudo, não temos em programa falar disso".
Ora, se a porta está sempre aberta, por que não entrar no tema? Na prática, o celibato não atenta apenas contra a natureza humana. O voto de castidade imposto aos sacerdotes afronta o próprio preceito bíblico. Está escrito: "Crescei e multiplicai-vos." Se fosse chamado a opinar, Deus ajustaria um velho ensinamento: "Amaivos uns aos outros, irmãos. Mas deixem em paz os coroinhas. Outra coisa: me deixem fora dessa!"
O texto do Josias de Sousa é cheio de verdades.
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