Dias Toffoli está no mundo da Lua, onde não ecoam as críticas. Encantou-se com a ausência de redes sociais, de procuradores e de jornalistas. Com um inquérito secreto, tentou transportar o Supremo Tribunal Federal para esse cenário ideal. Errou o caminho. Levou a Corte à autodesmoralização. A prioridade dos colegas de Toffoli é trazê-lo de volta do espaço.
Sabe-se que Toffoli está brigado com a Constituição. Mas espera-se que volte a respeitar pelo menos a lei da gravidade, reaprendendo que as encrencas sempre caem na cabeça de quem se coloca embaixo delas. As declarações de Toffoli indicam que não será fácil recolocar os pés dele na Terra. Seu alheamento atingiu um grau que roça o delírio.
Na manhã da última quinta-feira, o presidente da Suprema Corte cultivava duas ilusões: a ilusão de que preside e a fantasia de que a censura teria o respaldo da maioria dos seus pares. "Sou presidente do Supremo", declarou. "Eu sei exatamente a correlação de forças que tem lá, porque todo colegiado é plural. As decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes têm respaldo da maioria."
Àquela altura, faltava a Toffoli o respaldo do próprio Moraes. Relator do inquérito secreto aberto para conduzir o Supremo a um mundo isento de críticas, Moraes revogaria a censura horas depois. Além das críticas de Marco Aurélio, caiu-lhe sobre a calva uma nota do decano Celso de Mello pró-liberdade de imprensa. O texto continha o peso do endosso de mais da metade da Corte.
Noutra evidência de que está fora da órbita da Terra, Toffoli passou a esgrimir nos últimos dias a teoria segundo a qual a Lava Jato é obra do Supremo. Nessa versão a maior operação anticorrupção já realizada na história só existe porque a Suprema Corte firmou dois "pactos republicanos" —um sob a presidência de Nelson Jobim, em 2004; outro sob o comando de Gilmar Mendes, em 2009.
Jobim não é propriamente um entusiasta da Lava Jato, que encrencou muitos dos seus amigos. Gilmar tornou-se, ao lado de Toffoli, um adepto da política de celas abertas. Refere-se aos procuradores como "gentalha", "gente desqualificada", "despreparada", "covarde", "gângsteres", "cretinos", "infelizes", e "reles". Acha que eles "integram máfias, organizações criminosas". Considera que "força-tarefa é sinônimo de patifaria".
No mundo da fantasia de Toffoli, "todos nós somos a favor do combate à corrupção, de passar o Brasil a limpo, todos nós somos a favor de que quem desvia dinheiro público seja investigado e condenado. E cumpra a sua pena." No mundo real, gente como José Dirceu, corrupto reincidente, está em liberdade graças a uma decisão da Segunda Turma do Supremo, com os votos favoráveis de Toffoli e Gilmar.
Guindado à presidência do Supremo graças a um sistema de rodízio que não leva em conta a qualificação, Toffoli permanecerá no posto até setembro de 2020. Se não for contido, é tempo suficiente para consolidar o suicídio institucional.
As decisões mais recentes de Toffoli indicam que ele tomou gosto pelo comportamento de alto risco. Muita gente está empenhada em chamar a sua atenção —dentro e fora da Corte. Mas quanto mais o criticam, mais desmoralizado Toffoli se empenha em ficar.
Toffoli ama o desastre. E é plenamente correspondido. Mas não é recomendável dizer isso em voz alta. Aí mesmo é que o hipotético comandante do Supremo e seu relator predileto Alexandre de Moraes podem atear fogo às próprias togas, chamuscando ainda mais a Corte.
Resta confiar na sobriedade e na responsabilidade da maioria do Supremo. Não há tempo a perder. Ou fica claro nos próximos dias que o inquérito secreto viajará do mundo da Lua para o arquivo ou o delírio de Toffoli será convertido num processo de autocombustão do próprio Supremo.
O tempo dirá.
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