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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A escrita de Wilton Bezerra - Por Batista de Lima

Naqueles tempos já amávamos os Beatles e os Roling Stones e ouvíamos falar de uma Guerra do Vietnam. Assistíamos, no Cine Moderno, “Assim caminha a humanidade”, com Elizabeth Taylor, James Dean e Rock Hudson. 

Depois íamos à Quadra Bicentenário ver o Votoran com Paulo Frota e o AABB e o Volks com Gladson, Manga e um craque alto e magro, chamado Ítalo. Era o mesmo que no desfile do Diocesano ia à frente, na Banda, abafando no tarol.

Aqueles anos dourados e seus momentos atípicos aparecem com mestria em Crônicas e Causos, escrito por Wilton Bezerra, ExpressãoGráfica e Editora, 2022. 

Logo no Prefácio, Renato Casimiro apadrinha a obra com sua categoria de mais celebrado intelectual caririense em atividade. Daí o leitor já vai ciente de que está diante de algo agradável, de paladar requintado para degustação lectual. 

Afinal, um dia o autor foi pegar “bigu” no trem lá em Cedro, em que foi parido, e quando deu de si estava no “Cratinho de açúcar, tijolo de buriti”. São coisas do Cariri. Isso aconteceu ao contrário com Chico Pierre que adormeceu no trem de carga no Crato, acordou em Cedro e voltou casado.

No caso aqui, trata-se da Ilíada de Wilton cuja Troia foi o Crato de 1957 e que usando o trem como seu cavalo começou a odisseia que passando depois por Juazeiro em temporada, veio a perder-se de seu berço cedrense em que passou de passagem para desembarcar de vez na “Loura desposada do Sol”. 

Fortaleza tornou-se sem posto de chegada, sua Ítaca. Dedicou-se a falar como se tivesse bebido água de chocalho na infância cedrense. De tanto pular o muro do Campo do Sport, em Crato, um dia por lá ficou. Fez dos estádios sua sala de aula para dizer e exercitar o bem falar.

Quando fala como entrevistador de Roberto Carlos e Luís Gonzaga é como se estivesse falando com os amigos do Bar Social, do Seu Chiquinho. Não titubeou porque aprendeu que todos são humanos como nós, que todos podem ter tido frieiras, escorbuto, beibéri e boqueira. Todos são carne e osso, amam e odeiam como todos os mortais. 

Wilton Bezerra é irrequieto, palrador e sabe botar sustança no que diz. Seu espojador primeiro foi na Várzea da Conceição, no Cedro, lugarzinho pequeno no tamanho, mas grande na arte de esperar chuva, porque esperar o trem não vale mais a pena.

É bom saber que enquanto este José seminarista da Sagrada Família ajudava as missas do Padre Frederico na Igreja de São Vicente, o garoto Wilton era menino praticante de traquinagem nas ruas do Crato. Mas sempre que ouvia o apito da Maria Fumaça, partindo da Praça Francisco Sá em busca da Capital, ele sabia que era um convite para romper a garganta do horizonte. 

Pois um dia botou seu fusca azul, vulgo “caixão de anjo” para funcionar e rumou em busca do brilho e do sucesso elasticado na Capital, porque no Cariri sua voz já se impuseva e seu humor já criara raiz.

Wilton Bezerra escreve como quem conversa com amigo próximo. É o João do Rio do futebol, um flaneur que faz de uma mesa de bar uma ribalta, um palanque e um altar. 

Quando fala em Várzea Alegre é como se estivesse na presença do Padre Otávio, que celebrava na frente dos filhos, ou com José Clementino, Pedro de Sousa, Chico de Amadeu e o Padre Antônio Vieira, maior amansador de jumento do mundo. 

Quando teoriza, sobre a crônica é como se estivesse em defesa de tese em término de curso. É capaz de citar passagens de Nélson Rodrigues, Vinícius de Morais e de uma porção de intelectuais que com ele poderiam aprender a ser grande sendo simples.

Seu livro possui momentos de nostalgia que nos transportam a uma adolescência que a gente às vezes esconde, mas não perde. Por isso é importante sua leitura, seu humor para o leitor saber como é possível levar a vida de “fair play” sempre tirando casquinha com as adversidades e fazendo cafuné nos momentos de felicidade. 

Para esse viver, ele militou por muitas rádios, frequentou muitos bares e arranjou inúmeros amigos. Não se preocupou em ficar rico de dinheiro porque já é milionário de alegria, o que não é para qualquer um.

Wilton Bezerra escreveu um livro biodegradável. É tanto que lá pela página 86 ele consegue a culminância de sua coletânea ao escrever “As árvores e o sentido da vida”. Esse belo texto traz lições de defesa da ecologia a partir do grande amor de um senhor idoso por uma centenária árvore, da qual se despede, diante da perspectiva de não retornar ao seu quintal. 

Esse texto lacriamoroso comprova que Wilton Bezerra pode direcionar bem mais suas crônicas para essa temática e produzir belas peças literárias nas suas próximas publicações.

3 comentários:

  1. Prezado Wilton Bezerra.

    Eu sei que o amigo não tem nenhum tipo de vaidade, que não se envaidece com elogios e aplausos, até porque tudo que estar escrito neste belo texto é muito verdadeiro.

    Mas, devemos reconhecer o esmero, a sabedoria do Batista de Lima na explanação dos fatos e ocorrência vividas por você em cada fase de sua vida. Não esquece nada, narra tudo
    sem esquecer nenhum
    detalhes.

    Parabéns.

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  2. Este é um daqueles textos de leitura agradável e prazerosa. A gente ler, reler e tem vontade de ler novamente. Na mão do Batista de Lima a caneta desliza no papel como o vento faz flabelar o talhe das palmeiras caririenses. Faz passar um filme na frente não só do Wilton Bezerra, mas de todos nós que também habitamos essas tribos. Parabéns aos dois - Wilton Bezerra e Batista de Lima, a humanidade se alimenta de comunicação e vocês comunicam muito bem. Um abraço aos dois. Antonio Morais.

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  3. Muito obrigado, amigo. Voce é co autor do livro e sabe disso. Abraçaço

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