(palavras proferidas na noite de 03 de novembro de 2022, no Instituto Cultural do Cariri, na cidade de Crato)
É escasso o número dos livros editados abordando a memória de Benigna, a Mártir da Castidade. Que eu saiba – com esta obra que está sendo lançada agora – este número chega a apenas três livros publicados. Antes do início do Processo de Beatificação desta menina santa, havia apenas publicações esparsas sobre a primeira Beata do Estado do Ceará. Faz muitos anos, por volta do início deste novo século e novo milênio, li uma crônica sobre Benigna.
Recordo bem, e muito bem, daquele livrinho de crônicas – com um nome poético: “Retalho de Seda"
– escrito por Laudícia Holanda, professora da URCA, nascida em Santana
do Cariri. Uma das crônicas, lá inseridas, tinha por título “A Menina
Benigna”. E dela transcrevo os dois parágrafos abaixo:
“Muitas noites (quando eu era criança) perdi o sono pensando na história triste de Benigna. Era a história mais triste que se conhecia em Santana, naquele tempo. Depois eu conheci outras (histórias tristes). (...) Mas nenhuma igual ao barbarismo do crime que abateu o ânimo dos habitantes de Santana e dos arredores, em todo lugar onde a notícia circulou. Principalmente porque Benigna era duplamente indefesa, naquele trágico dia (da sua morte). Como poderia ela, criança que era, imaginar que alguém seria capaz de tamanha ignomínia e que ela era o objeto do sórdido desejo reprimido daquele pretendente? Até aquela época eu não sabia que a humanidade pode gerar seres tão disformes (...)
O Padre Cristiano, logo após o acontecimento (do assassinato da menina)
pediu à família dela que lhe desse o pote de Benigna, marcado para
sempre naquela última viagem. Guardou-o com zelo. Quando as chuvas não
se faziam prenunciar e o povo sofria a ansiedade da espera decisiva,
Padre Cristiano costumava orar. Rogava à Benigna que intercedesse a Deus
pelo povo da sua terra; pelos agricultores cujo destino se marca pela
presença, ou não, das chuvas, e colocava aquele pote sob a biqueira.
Dizia Mamãe que a chuva vinha”.
Antes deste livro de Flávio Morais, ora lançado (e depois da abertura do Processo de Beatificação, iniciado em 2012), só foram publicados os dois livros sobre Benigna. Na verdade, foram pequenas obras divulgando textos integrantes do Processo de Beatificação dela, na fase diocesana. Agora, temos a oportunidade de ler este novo livro: objetivo, com ordenação cronológica, o qual me foi conferida a honra de apresentar nesta solenidade. Meu agradecimento, de público, ao autor por essa distinção.
A bem dizer, esta obra de Flávio Morais – escrita em tempo recorde, a fim de ser divulgada nesta atmosfera da renovação espiritual, que pervade o Cariri e adjacências, vai ser útil na divulgação da vida da nossa santinha. Vamos à análise literária deste livro. A priori, após a leitura deste escrito, cabe-nos ressaltar que o livro consolidou o estilo literário do autor. Embora os livros de Flávio sejam ecléticos, pois abordam vários assuntos, predominam neles a temática do regionalismo, com sua beleza e a riqueza de expressões, tão bem explorados no século passado por Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, dentre outros. O livro “Bem Aventurada – A História de Benigna Cardoso da Silva” tem o estilo do movimento regionalista.
Aliás, Flávio já era reconhecido por possuir “um estilo simples, direto e elegante, que prende a atenção do leitor do início ao fim (da leitura)". Nesta nova obra, sobre Benigna, ele adentrou na mentalidade e na realidade social da população do município de Santana do Cariri, no segundo quartel do século passado. Foi um desafio, mas o autor se houve bem na empreita. Manteve a fidelidade na contextualização social e aprimorou a sua criatividade. Contribuiu muito para a maior divulgação da memória da nossa Santinha.
Flávio definiu bem, no último capítulo deste seu livro, como enfrentou o desafio que lhe foi proposto:
“Não foi fácil para mim aceitar a incumbência de escrever esta história. (...) Caminhar nos meandros da história de Benigna teve seus muitos perigos. A importância enorme que ela ganhou após o anúncio de sua beatificação tornava ainda mais espinhosa a tarefa (...) Foi preciso escutar, registrar, interpretar, concatenar versões, costurar fatos e, o mais desafiador, preencher de forma lógica as lacunas de tempo, de espaço e de impressões”.
Tanto nas pesquisas, como nas conversas com as pessoas de Santana do Cariri e adjacências, Flávio se credenciou para interpretar prováveis reações psicológicas vivenciadas por Benigna. Sem se dar conta, o autor repetiu um antigo desabafo feito pelo primeiro Presidente do Instituto Cultural do Cariri – o médico e intelectual Irineu Pinheiro – quando inseriu a frase abaixo num dos seus livros:
“É empresa difícil a análise de almas, perscrutar–lhes os recessos mais interiores e ocultos”
Para comprovar esta constatação, reproduzo a seguir um parágrafo, que me chamou a atenção, neste livro de Flávio. Trata-se de uma reflexão da menina Benigna ante às apreensões e dificuldades do cotidiano dela, e que consta na página 61:
“Sempre
que lhe vinha na cabeça, sem querer e de supetão, algum pensamento que
achava impuro, seu coração sensível percebia de longe o peso da malícia
se aproximando e ela (Benigna) apertava entre os dedos o crucifixo do (seu)
tercinho. Fechava com força os olhos e implorava ajuda celeste para se
manter limpa. Isso sempre dera resultado, e por tal razão acreditava
sinceramente que alguma força misteriosa a protegia como um escudo
daqueles cavaleiros das histórias do imperador Carlos Magno e seus doze
pares de França, que escutara de Adrião numa das noites do (sítio) São
Gonçalo. Bastava pensar no seu Jesus ali do lado, com a mão no seu
ombro, e o coração (da menina) parecia se iluminar espantando pra longe a escuridão do pecado”.
Admirável como Flávio Morais soube captar, nas páginas do seu livro, o sentimento que Benigna possuía sobre o valor da dignidade humana. A nossa Menina Mártir foi oficializada agora como uma destas figuras heroicas da Igreja Católica, apesar de ter durado apenas 13 anos a sua curta existência. Existência vivida na orfandade e na pobreza. No entanto, uma vida cheia de elevados e nobres ideais; de uma grandeza de alma que, passados já 81 anos da sua morte, faz ela permanecer viva no imaginário popular da Região do Cariri. E agora está viva também na veneração de muitos fiéis católicos, espalhados pela vastidão do Nordeste brasileiro, na chamada Nação Romeira, que já santificou a pessoa do Padre Cícero, outro filho da Diocese de Crato, cujo processo de beatificação – na fase diocesana – prevê-se seja aberto ainda este ano.
Qual a relevância da beatificação de Benigna Cardoso da Silva, para o Ceará e, particularmente, para a Diocese de Crato? Sabe-se que a Igreja Católica Apostólica Romana não cria o santo, apenas o reconhece. Nunca é demais recordar a célebre frase de São Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei: “Verdadeiramente a crise do mundo é “crise de santos”. Ou seja, todos os desacertos morais da humanidade – e os sofrimentos daí advindos – decorre, em grande parte, do pouco número daqueles que hoje se sacrificam e oram por si e pelos outros.
Através das beatificações e das canonizações, a Igreja dá graças a Deus pelo dom dos seus filhos que corresponderam heroicamente à graça divina concedida por ocasião do batismo. Ao honrar esses Beatos e Santos, a Igreja incentiva seus filhos a invocá-los como nossos intercessores junto a Deus.
Ademais, este novo livro de Flávio, trouxe à tona, nas entrelinhas, como
foi o processo de santidade da menina Benigna. Desde a mais tenra
infância, sem pai e sem mãe, Benigna foi adotada por uma família da zona
rural. Viveu em meio aos humildes trabalhos domésticos, bem mais
estafantes naqueles tempos do segundo quartel do século XX. Vivenciou
uma fé comum, simples, sem êxtases ou visões. Sem ocorrência de milagres
ou fatos extraordinários. Benigna não realizou prodígios. Atravessou o
anonimato do seu cotidiano, fiel a sua crença expressada num profundo,
exemplar e singelo amor a Deus e na caridade para com o próximo. Rezando
suas orações diárias. Enfrentando a poeira e o sol quente, no verão; e a
lama, na temporada das chuvas, para ir, a pé, à cidade, a fim de
assistir as missas e comungar na primeiras sextas-feiras.
Em meio a tudo isso, sofreu um tenaz e penoso assédio sexual da parte
de um rapaz que era seu colega de escola. Contudo Benigna resistiu
bravamente em defesa da sua virgindade e pureza. Até que um dia,
desesperado pelas recusas da menina, seu algoz a feriu mortalmente com
uma arma cortante. Ao resistir bravamente e heroicamente à investida do
mal, Benigna não apenas preservou sua virgindade. Foi além. Consolidou
eternamente sua amizade com Jesus. A Beata Benigna Cardoso é hoje um
exemplo de santidade leiga, na qual realizou plenamente o Projeto do
Deus, Uno e Trino, para a humanidade...
Senhoras e Senhores,
Encerrando estas breves palavras, gostaria de relembrar um fato
acontecido com o escritor Victor Hugo, da Academia Francesa de Letras, a
primeira academia do gênero criada no mundo. Pois bem, certo dia,
Victor Hugo recebeu tocante homenagem naquela Academia, sendo chamado de
“imortal” por um confrade. E a resposta de Victor Hugo foi admirável.
Disse ele:
– “Glória imortal a minha? Nunca! Morrerei e,
depois de alguns séculos, somente uns poucos eruditos ainda saberão que
existiu um Victor Hugo. Imortal, sim, é a glória dos Santos que figuram
no calendário litúrgico da Igreja Católica. Dois mil anos depois de
mortos, ainda no mundo inteiro se celebram seus louvores”.
Meu caro escritor José Flávio Bezerra Morais: este seu livro tem o
condão de preservar – pelos tempos futuros –, a glória de Benigna
Cardoso da Silva, a Mártir da Castidade, a nossa Santinha, a primeira
Beata do Ceará...
Chamou a
minha atenção a homilia proferida pelo Cardeal Leonardo Steiner,
representante do Papa Francisco na cerimônia de Beatificação da nossa
Santinha. Na sua fala, o Cardeal Steiner afirmou que a menina Benigna
hoje é invocada como defensora da dignidade de mulher; como um ícone
contra o abuso sexual de crianças e adolescentes; como um símbolo contra
o feminicídio; contra a violência praticada com as mulheres; além de
se constituir num ícone dos direitos fundamentais das mulheres e nas
relações domésticas e familiares. Não é pouca coisa!
Os
tempos futuros difundirão cada vez mais a memória de Benigna. E, nesses
tempos vindouros, o livro de Flávio Morais será lido, comentado e
pesquisado pelas futuras gerações que nos sucederão. Pois como disse
Victor Hugo: “Os santos são verdadeiramente eternos”.
Parabéns ao Dr. Flávio de Morais pelos estudos históricos que resultaram em tão bela obra literária, louvores a Beata Benigna e a comunidade católica, e, a você Armando, o meu aplauso pela dedicação e disseminação dos fatos importantes que marcarão a história no futuro. Parabéns.
ResponderExcluirParabéns pela belíssima obra sobre a vida de Benigna. Nosso escritor Flávio Morais tem uma mente brilhante. Como católica sinto mais uma presença intercessora e como cidadã um grande grito contra o feminicídio que aumenta nessa geração.
ResponderExcluirLouvores à Beata Benigna. Que muitos pedidos e promessas sejam atendidos por Ela.
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