Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A Vendedora de Laranjas – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

As lembranças vez por outra entram em ebulição na minha cabeça. Agora relembro que nos primeiros meses de 1961, Mãe Zarena, a minha bisavó torta, bastante idosa, adoeceu. Ela era a segunda mulher do meu bisavô e irmã de Santana, sua primeira mulher, minha bisavó pelo lado paterno, que faleceu no inicio de 1900. A vigília em torno do leito da enferma era constante. Os seus descendentes diretos e indiretos se revezavam nas orações pela recuperação da sua saúde. Como era de se esperar, ela faleceu. Foi numa manhã de uma segunda feira. Aguardávamos seus dois filhos, que residiam no Rio de Janeiro.

Enquanto o velório ocorria na sala de jantar no interior da casa, eu e o primo José Esmeraldo Gonçalves sentávamos no peitoril da janela da fachada e apreciávamos o movimento das pessoas que passavam pela Rua Dom Quintino. De repente chegou uma vendedora de laranjas, postou-se na soleira da porta e com voz aguda e cortante, gritou a todo pulmão: “Quer comprar laranjas? Olhe a laranja de primeira!” Como ninguém lá de dentro da casa respondia e nem nós, a vendedora insistia: “Quer comprar laranja?...” Repetiu essa cantilena várias vezes, até que uma das minhas primas, bastante autoritária, veio até a porta recriminar a vendedora: “Fale baixo! Respeite o sentimento das pessoas dessa casa. Aqui morreu a dona da casa. Não está vendo que é um velório?” Ao ouvir a reprimenda, a vendedora gritou mais forte ainda: “Morreu, morreu, quer comprar laranjas? Estou vendendo minhas laranjas. Quer comprar laranjas?” E saiu Rua Dom Quintino acima, resmungando e descompondo minha prima. Até hoje a frase dessa vendedora de laranja virou para mim um refrão que eu sempre repito, quando alguma coisa não dá certo ou não têm mais jeito: “Morreu, morreu quer comprar laranjas?”

Por Carlos Eduardo Esmeraldo


5 comentários:

  1. Caro Carlos.

    A historia é triste pela morte de sua besavó, interessante pela sobrevivencia da vendedora de laranjas, e deixa a mensagem: morreu, morreu, aceitemos a vontade de Deus e a devolvemos a casa celeste, a casa do Pai.

    ResponderExcluir
  2. Caríssimo Morais

    Neste texto despretensioso, quemuito relutei em postá-lo, você encontrou lições das quais eu não havia percebido. A de que apesar de perdemos entes queridos, a vida continua e necessitamos vivê-la com muita intensidade.
    Muito obrigado pela complementação do sentido que você encontrou para algo que antes eu havia considerado tão banal.

    Abraços e Boas Festas!

    ResponderExcluir
  3. Certa vez Doona Dolores estava com duas filhas com gripe em casa e chegou Antònio Pau D'arco vendendo laranjas, Compre, D. Dolores são doce que só mel.
    Mas Antônio, eu queria era azeda que é prá fazer suco.
    _É, mas eu não passei por dentro delas prá saber se elas são doces, não.
    (coisas d evendedor)

    ResponderExcluir
  4. Carlos, mais uma vez você prova que é bom escritor. Sabe mesclar e dosar bem uma história que apesar de trágica é também cômica. Você descreve com perfeição que me vi presente na cena. Parabéns!!!
    Feliz Natal!!!

    ResponderExcluir
  5. A Giovane Costa e Glória

    Vendedores são pessoas com alto poder de persuasão.
    Agradeço a vocês pelas palavras de incentivos.

    Boas Festas!

    ResponderExcluir