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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A vida é bela e breve – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

A vida da gente parece um breve piscar de um relâmpago. Dura apenas algumas frações de segundos. Quando menos esperamos, estamos percorrendo o ramo descendente da parábola. Se pararmos para assim pensar, o eterno que existe em cada um de nós começa a desvanecer e nos precipita à conclusão simplória de que somos seres simplesmente descartáveis. Mas não é bem assim, acreditem. A eternidade existe. À medida que vamos envelhecendo, a nossa percepção de tempo muda, e este nos parece passar mais aceleradamente. Penso que, na eternidade, o tempo se faz correr mais velozmente que os raios que descem dos relâmpagos em noites de tempestade.


Ainda outro dia era criança e, de repente, fui surpreendido com um aviso da proximidade da minha inclusão nos benefícios oferecidos pelo novo estatuto do idoso. Necessitando fazer uma polissonografia, um exame de nome feio e execução mais horrorosa ainda, tive de ir à sede da Unimed para conseguir uma autorização. Na recepção, a atendente me deu uma senha de número 41 e, ao chegar ao guichê de atendimento, a senha que estava sendo chamada era a de número 185. Então, voltei e indaguei à moça se ela não havia se enganado, pois já estava sendo chamada a senha 185. Ela calmamente respondeu, indicando-me um outro guichê:
– A sua senha é para aquele guichê à esquerda!
Olhei para o local indicado e estava escrito: Atendimento a gestantes, deficientes físicos e idosos. Mirei a minha barriga e conclui que, após o rigoroso regime alimentar, ao qual tenho me submetido ultimamente, não poderia de modo algum ser confundido com gestante. Pisei firme com as duas pernas e estava inteirinho. Então, perguntei à moça:
– Você me deu a senha da fila dos idosos?
– Foi – respondeu ela com muita naturalidade.
– Muito obrigado! – disse agradecido, antevendo as virtuais delícias e regalias da terceira idade.

A propósito desse assunto, lembrei-me de que a Coelce tinha um funcionário conhecido por seu Chiado. Era meio pernóstico e falava chiando, querendo imitar os cariocas, pois gostava de dizer que morara no Rio de Janeiro por mais de vinte anos. Dizia que era natural do Crato e parente da famosa musicista Branca; da professora Ida, homenageada com uma placa contendo o seu nome numa pequena travessa da nossa cidade, e também de Ana, nome de rua em Fortaleza, todas elas, suas primas. Apesar de aparentar mais de sessenta e cinco anos de idade, atribuía a si próprio a fama de grande conquistador. Cabelos tingidos de preto e impecavelmente penteados, assentados à custa de muita brilhantina, andar elegante, cigarro permanentemente entre os dedos, tal qual um astro de Hollywood. Era dessa forma que ele se apresentava. Esta história me foi contada por ele mesmo. Precisando ir descontar um cheque numa agência bancária do centro da cidade, entrou numa interminável fila, quando notou duas jovens acenando para ele. Entusiasmou-se todo, pois julgou que elas estavam a fim de paquerá-lo. Aproximou-se delas e assim as abordou:
– Boa tarde! Nós já nos conhecemos, tenho certeza. Vocês acenaram pra mim e aqui estou inteiramente à disposição dessas tão belas jovens.
– Não, senhor. A gente queria apenas avisar ao senhor que a fila dos velhos é aquela outra – responderam as duas mocinhas, para tristeza do nosso Dom Juan.

A vida é bela, mas é breve. A gente nunca pensa que um dia morrerá. Para nós, a morte somente acontece aos outros. Sem pensar no futuro, mas somente para me livrar de um vendedor insistente, comprei, há uns oito anos, um jazigo num novo cemitério em Fortaleza, em construção. Depois do pagamento do título, comecei a receber pequenas cobranças da taxa anual de manutenção, que poderia ser paga em doze módicas prestações mensais. Mas Magali pagava tudo de uma vez, pois dizia não se sentir bem olhando para aquele papel todos os meses. E eu, então, acrescentei:
– Não sei pra que eu comprei esse túmulo. Acho que se eu morrer aqui em Fortaleza, vão levar o meu corpo para o Crato.
– E eu? – disse ela. – Que nem de morrer gosto!

A vida é bela, é curta, e ninguém quer morrer, por maior que seja a fé. Ah, se a nossa fé fosse ao menos do tamanho de um grãozinho de mostarda! Pensando nisso, lembrei-me de uma pequena história que me contaram.

Um cardeal voava com destino a Roma, num desses superjatos, ao encontro do Papa. Com todo direito que a sua autoridade lhe permitia, sentou-se na fila da frente da primeira classe. Em dado momento do vôo, que até então havia sido tranqüilo, ouviu-se um estranho barulho, um grande sacolejo no jato. A comissária foi até à cabine, para saber o que tinha ocorrido. Então o comandante lhe disse:
– Avise aos passageiros que iremos cair no mar, pois pifaram de uma vez as quatro turbinas e não estamos conseguindo fazê-las funcionar novamente. Mas dê a notícia com muito jeito, para não causar pânico – ordenou-lhe, com aparente tranqüilidade, o comandante.
Ao sair da cabine, o primeiro passageiro avistado pela comissária foi o cardeal. Então trêmula, porém esforçando-se para aparentar calma, tentou disfarçar:
– Monsenhor, que é que o senhor diria se este avião caísse daqui a cinco minutos, e nós todos morrêssemos?
– Oh! Seria a glória suprema! O momento mais aguardado da minha vida! Iria estar face a face com Jesus. – respondeu-lhe o cardeal.
– Pois, monsenhor, daqui a cinco minutos o senhor estará face a face com Jesus, porque este avião vai cair. Todas as turbinas falharam e não resta nenhuma possibilidade de serem recuperadas a tempo.
– Pelo amor de Deus, não diga uma desgraça dessa não, moça!
A vida é bela, porém breve.

Extraído de “Histórias que vi, ouvi e contei” de Carlos Eduardo Esmeraldo, Premius Editora, 2005, p.17

6 comentários:

  1. Carlos Eduardo.

    É verdade. O tempo passa, se esvai, não volta nunca mais, e os "Chiados" da vida nem notam que não foi só o tempo que passou, a vida tambem se foi, apesar de bela.
    Parabens pela postagem.

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  2. Sr. Carlos Eduardo,parabéns, gostei de mais da sua cronica, cheia de bom humor; o senhor pode está certo de que esse chiado é contagiante;pois me pego as voltas com ele; não porque eu queira ser carioca,mais porque gosto, como da mesma maneira que goste de dizer arre égua... pois adoro ser Cearense, de Várzea Alegre, e da Família Gibão; que não tem eira nem beira, mais que é muito honrada; ai se alguém quiser vê como é um Gibão de verdade; estando no ceara, Rio de Janeiro, ou em qualquer parte deste planeta fiquem a vontade.Quanto a morte,Dona Magali tem toda razão, de não pensar nela; tem que se pensar na vida.Dona Magali, permita-me pedir que repita todos os dias:Vitalizo meu cérebro e corpo com a consciência da juventude. Reconheço que a força vital, ou Energia Divina, nunca envelhece, adoece ou cansa. Em consequencia, meu corpo somente conhece o entusiasmo e a energia da juventude. Tenho consciência da imortalidade e da divindade e sei que a alma é para sempre jovem e feita à eterna imagem e semelhança de Deus.Polissonografia(do grego polis= "muitos"= "som nus".e graphos= "escrita" é um teste, multiparamétrico, utilizado no estuda do sono e suas variaveis. Feira de Santana é pioneira nesse exame; mas aqui no Rio, na Neuroclass: Rua Siqueira Campos; o senhor será atendido não como um idoso; mais como um ser humano maravilhoso, que és. Desculpe as brincadeiras. Meu carinho, admiração e respeito ao casal,Carlos Eduardo Esmeraldo e Magali. Maria de Fatima Bezerra Cordeiro ( Fatima Gibão)

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  3. Carlos, parabéns!
    Várias histórias em uma só.
    Rindo sempre quando leio suas histórias.
    Quero aqui fazer uma repação porque lhe exclui, por descuido, do "quadro dos humoristas" do Sanharol. Para você, deverá ficar todo o nosso querido estado do Ceará, com algumas passagens pelo Rio de Janeiro.
    Porque aquela viagem do Pedrinho com seus tios e primos meus, Homero e Custódio foi de muito bom humor. E o contista esteve presente como testemunha ocular somente até a Bahia, não foi?
    Um abraço

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  4. Carlos, Morais, Fátima e Glória. Viver com bom humor torna tudo mais leve e mais saudável. Carlos e eu resolvemos temperar o nosso relacionamento com bom humor. Acho que ajudou, pois vamos fazer trinta e sete anos de casados, vivido com muita felicidade e harmonia. E vamos viver assim pelo resto da nossa vida, com a Graça de Deus. Temos muitas histórias vividas por mim e Carlos engraçadas. Juntos poderemos contar posteriormente. Já iniciamos quando escrevemos juntos o texto "Aquela viagem."Foi postado no Blog do Crato. Posteriormente poderemos contar outras.

    Fátima

    Quanto a conversar sobre a morte, que sabemos todos chegaremos a esse momento, prefiro viver cada dia bem. Eu sou muito otimista e alegre. Quem me conhece, se me ver sem sorrir já pergunta: o que aconteceu?
    Uma vez Carlos se submeteu a uma cirurgia do nariz e veio me entregar um papel para pagar um imposto, caso ele morresse. Eu respondi que quem ia pagar era ele mesmo, pois ele não ia morrer coisa nenhuma. E assim vamos levando e evitando falar em coisa tristes. Quando ele quer falar sobre esse fututo eu digo: " vamos falar no presente?


    Abraços a todos


    Magali

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  5. É...

    Carlos Eduardo

    A vida é como um raio de luz: passa ligeiro.

    A gente tem dez anos, vinte, trinta, e ai parece já saltar para os sessenta.

    Bem vindo ao Clube. Finalmente você caiu na real não foi? – Claro, precisou de uma ajudazinha da moça da Unimed.

    Olha cara, não tem coisa melhor Do que ser idoso. É uma curtição. Tenho o maior orgulho, por que curto com muita saude e muita paz.

    Já imaginou poder curtir os netos sem aquela preocupação de ir trabalhar?

    E quando um neto exclama: Vovô, a gente corre a atender se derretendo todo. E o sorriso ó, vai de uma orelha a outra. Nossa casa passa a ser o desbanque deles. O que impedimos os filhos de fazer, permitimos aos netos, ou seja; fazemos uma completa deseducação, no bom sentido é claro.

    Nas filas, é uma curtição. Temos um lugar privilegiado na frente dos jovens que chiam pra valer.

    Dia desses Fui à lotérica fazer um pagamento. Tomei a frente de muitos na fila e lá no meio alguém chiou. Olhei para traz e vi um senhor grisalho enrugado e aborrecido no meio da fila, questionando por que eu tomara sua frente, pois ele tinha completado naquele mês, 64 anos, por tanto ali era o mais velho.

    - Respondi: Pois o senhor perdeu para mim por três meses, a minha fisionomia não dá sinais da minha idade, mas os documentos comprovam. Mesmo assim, se é muito importante para o senhor, tome o meu lugar.

    Mas ele não aceitou, queria mesmo era que eu ficasse no final da fila. Gente birrenta sabe? Assim não dei mais bolas.

    Quanto ao tumulo, achei um barato a postura de Magali dizer “Que Nem de morrer gosta!”

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  6. Prezados amigos:
    Morais; Maria de Fátima; Gloria; Magali e Vicente Almeida.

    Pois é, amigos, já estou pagando meia entrada nos cinemas e os porteiros ainda perguntam pela carteira de estudante. rsrzrsrzrsz..
    E o pior é que somente fui saber dessa vantagem quase dois anos depois...
    Realmente eu e Magali harmonizamos nossa vida com bastante humor. Para tudo temos uma brincadeira onde rimos muito. Já pensaram no nosso primeiro conflito? Na primeira noite de casado ela queria usar outro tipo de pasta. E eu disse que só usava pasta colgate e ela disse: eu só uso kolinus. Por fim ela renunciou.
    Abraçois a todos

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