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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

PRAGA DE CIGANO - Por Mundim do Vale

No ano de 1953, meu tio José Piau plantou ma rocinha de arroz num terreno de sua propriedade no sítio Lagoa do Arroz. Inverno bom, terra descansada, muito trato e pouca lagarta, o arroz prosperou tanto, que ficou a chegar da altura de um homem. Soltou uns cachos tão graúdos que quem estivesse na cabeça da ladeira do Sr. Cirilo, chegava a confundir com palhas de coqueiro.
Um dia lá meu tio estava contemplando aquela maravilha, quando de repente chegou um cigano e pediu:
- Seu Zé, me dê uns cachos desse arroz pra eu torrar e fazer um baião de dois.
- Não Senhor, o arroz ainda não tá bem maduro e vai virar papa.
- Você num dá não, né Jurom? Pois você vai perder esse arroz todim, qui é pra deixar de ser miserave. Quando o cigano saiu, além da praga ainda furtou uma perua do chiqueiro.
Depois disso chegou Joaquim de Pedro André, deu uma olhada na roça e falou:
- Eita Zé Piau! Você já tem arroz seguro pra mais de vinte quartas.
- É mais passou agorinha um condenado dum cigano aqui e rogou uma praga, dizendo que eu vou perder meu arroz. O desgraçado achou pouco e ainda furtou a perua da Maria de Lourdes, que nós tava engordando pra comer na apanha do arroz.
- Pois você tenha cuidado, porque praga de cigano é que nem trombose, quando não mata aleija.
No dia seguinte chegou um funcionário da prefeitura deu a mão ao meu tio e fez a seguinte proposta: - Seu Zé, vai chegar uma máquina de colher arroz e eu gostaria de usar primeiro aqui na sua roça. Seu arroz é o melhor do município para fazer a demonstração. Meu tio acostumado com a colheita convencional e mais cismado do que mineiro em saída de banco falou:
- É melhor o Sr. procurar outro, porque eu acho bom é cortar na faca, fazer a moqueca e depois fazer o pote dentro da roça.
- Mas Seu Zé. O Sr. vai passar uma semana ou mais, para colher esse arroz, enquanto que na máquina é apenas uma hora e não vai lhe custar nada.
Com todos esses argumentos, meu tio ficou sem resposta e concordou.
Uma semana depois chegou a máquina e junto dela o prefeito, a primeira dama, os vereadores, o padre, o delegado, umas duzentas pessoas adultas e mais de trezentos meninos onde um deles era eu. Fizeram as solenidades e em seguida derrubaram um pedaço da cerca para a máquina entrar. Quando aquela máquina entrou,que o operador botou pra funcionar, parece que esqueceu de acionar algum botão, a máquina descontrolou-se, ficou fazendo um barulho esquisito, saiu rodando desgovernada, transformou todo o arrozal em poeira, depois derrubou o resto da cerca e partiu acabando com tudo na direção do Ronca.
Quinco de Pedro beca que estava presente, assustou-se e correu em direção ao Sanharol que o rabo era um reio. Chegou na casa de Raimundo Bitu mais aperreado do que bode em canoa dizendo:
- Dona Cotinha! Aconteceu uma desgraça ali na roça do meu ti Zé Piau. Truvero uma máquina prumode catar o arroz, mais quando o chofé se apiou nela, parece qui a bicha tava pissuida, saiu rodando a moda carrosé, fazendo uma zoada da gota e uma poeira junta cum uma ventania tão medonha, qui carregou inté os chapéu do povo e ainda alevantou o vistido da muié do prefeito. Adispois qui correu todo mundo, a condenada disimbestou pras banda do Ronca, acabando mei mundo de roça. Agora eu vou vortar pra lá, prumode oiá se já acentou a poeira, qui é pra eu ir ajudar a cassar Chiquim de Ontõe bento, qui correu pru lado da serra do Gravié e tá todo mundo cassando ele.
Depois do prejuízo do meu tío José. O bom poeta Bidinho, que também era ligado a agricultura, improvisou essa décima.

Eu não sou de acreditar
Em conversa de feitiço,
Quando escuto falar nisso
Começo a me arrepiar.
Mas talvez por um azar
Ou um ato desumano,
Uma praga de cigano
Destruiu um arrozal.
E o pobre do Zé Piau
Foi quem entrou pelo cano.
Mundim do Vale

Um comentário:

  1. Mundim.
    Tio Jose Piau frustou o baião de dois do cigano e o agôro do cigano lhe frustrou a colheita.

    Duas coisas Mundim.

    Primeiro voce fala em tantas pessoas queridas, importantes e que nos marcaram a vida e em segundo lugar, todo essa historia é a mais pura verdade. Foi a maior festa do Arroz realizada em nossa terra. Competições para disputa de quem mais colhia o arroz no sistema antigo - cacho por cacho. O Oliveira Satiro foi o vencedor, e a atração maior era a apresentação da maquinha colhedora. A maquina estava mal regulado e colhia o arroz e soltava na
    terra junto com as palhas. Me lembro do meu pai dizendo: compadre Ze Piau teve o maior prejuizo! Aquilo não é serviço de gente.

    Abraço Mundim.
    Parabens por mais este achado.

    A. Morais

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