No mesmo dia em que transformei minhas gravatas em meras tiras de pano também concedi aposentadoria aos meus sapatos. Percebi uma tesoura sorridente, tanto quanto eu, trocando alegrias com meus pés agradecidos. Não mais os uso, nem gravatas, nem sapatos. Aos paletós dei melhor utilidade doando-os a um cunhado que mora no alto da Serra do Araripe, onde faz um frio danado. Os relatórios e processos saídos de um burocrata engravatado, não mais sei produzi-los. Na verdade, nem sei de que adiantou e se valeu a pena algum dia fazê-los. Hoje, bem ou mal, escrevo versos e canções e essa missão dispensa as formalidades, rituais e regras no vestir que me azucrinaram a cabeça por mais de 25 anos. Mas numa sexta-feira de agosto, a contragosto, fui obrigado a voltar a usá-los: o paletó, os sapatos e a gravata. Fui ser Cidadão do Recife – só uma honraria desse tamanho justificaria o sacrifício. Ao ver-me assim fantasiado o passarinho que se serve da água açucarada que lhe ofereço em minha varanda recusou-se a bebê-la e não cantou. Além da tristeza de ver um passarinho sedento em uma varanda muda tive calos, sufoquei-me de calor e constatei não mais saber enforcar-me dando o nó na gravata. Desaprendi o que nunca deveria ter aprendido. No retorno pra casa, o pescoço, os pés e a alma agradeceram. Também gratos ficaram os meus ouvidos por voltarem a ouvir o passarinho cantar tão-logo voltei a ser eu, vestindo meu traje simples de Poeta.
Xico Bizerra.
Prezado Amigo Xico.
ResponderExcluirAbraços.
Esta sua cronica me fez lembrar o encontro dos poetas Helder França e Eneas Duarte. Helder decepcionado com a indumentaria do Eneas perguntou:
Responde-me,
Oh! pobre vate.
Qual foi o mal alfaiate
Que te aleijou de uma vez?
Não tardou a resposta do Eneas:
Foi o alfaiate da miséria
Que pobreza
É coisa séria
Foi a miseria quem fez.
No caso seu:
Foi a grandeza da liberdade,
Que nasce da simpliscidade,
De todo cristão e todo ser
Daqueles de alma pura
Que encontram na natureza
A paz e toda beleza
E as razões para viver.
Xico,
ResponderExcluirQuisera eu ser tu exercendo a minha poetividade autêntica sem mais ter que me descontentar nos meus plantões dominicais.
O cantar de um passarinho é bem mais salutar que o soluçar de um enfermo.
Um dia, curo-me da gravata e dos jalecos do SUS.
Lamentações de um médico e saudações de um poeta.
savio,
ResponderExcluirvocê verá como é bom livar-se dos jalecos e gravatas. eles, porém, não impedem que se poetize, apenas inibem um pouco. mas a missão nobre de ouvir soluços, por si só, já é uma forma de poesia que se torna nobre na medida em que interferimos para amenizá-los. essa é a missão poética do médico enquanto veste jalecos e gravatas, enquanto não chega a hora de jogá-los ao lixo. grande abraço,XICO BIZERRA