SEXTA DE TEXTOS – Sávio Pinheiro

O ENCONTRO DE SÃO RAIMUNDO NONATO COM GETÚLIO VARGAS NA FESTA DE AGOSTO
Dedico ao Major Joaquim Alves (in memoriam)


Terceira Parte:

Getúlio: Enquanto você informa
A sua programação,
Eu relembro amargurado
A maldita solução
Encontrada por meu vice
Bem naquela ocasião.

A ideia pioneira
Para regularizar
Era a renúncia da cúpula
Do governo popular,
A qual o alto comando
Insistiu em rejeitar.

O Café Filho abordou-me,
Dando um novo parecer:
Sugeriu a nossa renúncia,
A outorga do poder
Ao ativo Carlos Luz,
Deixou-me transparecer.

Carlos Luz era o primeiro
Deputado do Congresso,
Que assumindo a presidência
Frearia o retrocesso
Favorecendo ao Brasil
Prosseguir o seu progresso.

Com o Dutra favorável
À renúncia exemplar
E o estado de alerta
Muito perto de aflorar,
A Marinha e a Aeronáutica
Só tinham que esperar.

O Eurico Gaspar Dutra,
Que me deu apoio veemente
Agora, muda de lado,
Com resposta contundente
Desejando ver agora
A queda do presidente.

São Raimundo: Meu querido e bom gaúcho
Não relembre esses tormentos
Fique aqui em Várzea Alegre,
Reveja os seus argumentos,
Pois no dia vinte e dois
Haverá só bons momentos.

Do lado religioso
Haverá celebração
Com um padre fervoroso
E os fiéis em louvação
Cantarolando o seu hino
Em completa comunhão.

Na calçada da igreja
Um fogueteiro famoso
Fará a queima de fogos
Dando um brilho vigoroso
Clareando o nosso céu
Num festejo luminoso.

Porém, se você não gosta
De rezar uma oração
Temos a roda gigante,
Um show de assombração
E as barracas com churrasco,
Só não temos chimarrão.

Getúlio: Meu caríssimo Nonato
Eu não me sinto contente,
Pois em 22 de agosto,
Num dia pouco decente,
Um grupo de oficiais
Quis me tirar a patente.

A Aeronáutica em ação
Mostrou sem pestanejar
A ideia da renúncia
Como forma salutar
E em evento programado
Veio me comunicar.

Estes fatos me dominam
Fazem-me entristecer,
Transtornam a minha alma
Favorecem o meu sofrer,
Partem o meu coração
Suprimindo o meu viver.

São Raimundo: Esqueça meu bom Getúlio
Daquele seu pesadelo
Venha para a nossa festa,
Faço a você um apelo,
Não aceito mais desculpas
Dia vinte e três quero vê-lo.

A homenagem neste dia
Terá forte aceitação,
Pois será feita às Senhoras
Numa terna gratidão,
Lembrando Santa Maria
Com amor no coração.

Logo, às cinco da manhã,
Em bonito ritual
Ouviremos bela salva,
Um saudável musical,
Rememorando o Seu Prégio
Da banda municipal.

Já na área de lazer
Veremos gente arrumada,
Roupas de todas as marcas,
Muito riso e gargalhada,
Avoantes, carne assada
Muita conversa fiada.

Getúlio: Veja bem, caro Nonato
Esse dia eu não agüento:
O meu vice Café Filho
Comunica o rompimento
Discursando no senado
Contra o seu presidente.

Não bastasse esse momento
Infeliz da minha história
Os generais anunciam,
Já dão conta da vitória,
E em manifesto me exigem
De mudar a trajetória.

Quase no final da noite,
O meu ministro da guerra,
O bom Zenóbio da Costa
A minha defesa emperra;
Aderindo ao movimento
Fala em renúncia e encerra.

Porém, no final da noite
Mascarenhas de Morais,
Chefe do estado maior,
Com o Zenóbio e os generais
Pedem, já, a minha renúncia:
Eu não esqueço jamais!

São Raimundo: Getúlio, eu muito te peço,
Esqueça tanta emoção,
Vamos rezar na matriz,
Fazer uma louvação,
Pois se assim não o fizeres
Terás uma depressão.

Venha que eu vou te guiar
Para apagar má lembrança,
Você precisa sorrir,
Renovar vossa esperança,
Pois no fim da tempestade
Renascerá a bonança.

Pra melhor te convencer
Quero aqui te revelar:
O vinte e quatro de agosto
É dia bem salutar,
Bela homenagem aos políticos
A paróquia vai mostrar.

A população presente
Irá te homenagear,
Pois foste um grande político,
Um estadista exemplar,
Precisando ser lembrado
Pra história registrar.

Getúlio: São Raimundo, não nascido,
Não estou de brincadeira!
O gaúcho de São Borja,
Com gibão e algibeira,
Quando toma a decisão
Não larga a sua bandeira.

Em vinte e quatro de agosto,
Eu fiz valer a moral.
Não ousei renunciar
A mando de general;
Convoquei a minha equipe
Toda ministerial.

No palácio do Catete
Já às três da madrugada
Conversei com os ministros
E a minha filha amada;
Sem nenhuma conclusão
Dei, esta, por encerrada.

Pedi para todo o grupo
Nesta vã reunião
Pra manter a ordem pública,
- Esta é a minha decisão!
Se assim o conseguirem
A licença, eles terão.

Porém, se não conseguirem
Não sintam constrangimento.
Os revoltosos terão
No seu exato momento,
A visão do meu cadáver
E o fim do meu tormento.

Ainda de madrugada,
O Café Filho anuncia,
Que está pronto pra assumir,
Com toda a diplomacia,
O destino do país
Em plena democracia.

A imprensa é testemunha
Da voraz convocação
Do senhor Benjamin Vargas
À base do Galeão,
Daí, ter-lhe ordenado:
Não compareça lá, não!

Às seis horas da manhã,
Eu segui para o meu leito,
Com uma hora depois,
O ultimato me foi feito:
Os militares pediam
Que eu renunciasse ao pleito.

Às oito e meia do dia,
Concluí o meu pensamento,
Cumpri a minha promessa
Sem mostrar constrangimento
Entregando o meu cadáver
E a carta testamento.

Às nove horas da manhã,
Notificaram à nação,
Que o presidente Getúlio
Com um tiro no coração
Partiu para o firmamento
Só restando uma oração.

O Palácio do Catete
Preparou-se, prontamente,
Pra receber grande público,
Que surgia de repente
Devido à inesperada
Morte do seu presidente

Mobilização profunda
Aconteceu de improviso
Onde o povo organizou-se
Num gesto muito preciso
Mostrando grande pesar
Sem carecer de aviso.

São Raimundo: Getúlio, eu bem compreendo
Todo o seu ressentimento.
A manobra que usaste
Para vencer o momento
Muito convenceu o povo
E acabou o seu tormento.

Mesmo assim eu peço a ti
Em tom de delicadeza
Venha para a nossa festa,
Que, à noite, será beleza,
Pois vem gente do Japão
De Recife e Fortaleza.

Essa noite na igreja
Será muito especial:
As famílias mostrarão
Toda a produção rural,
A força comunitária
E o valor paroquial.

Na noitada de lazer
Teremos bela atração
Grande banda de forró
Com bastante animação
Salim batendo retratos
E fazendo confusão.

As comidas das barracas
Serão muitas por aqui:
Pão de arroz e tapioca,
Baião de dois com pequi,
Arroz mexido e arroz doce
Mais os temperos daqui.

Getúlio: Eu estou agradecido
Santo da roupa encarnada,
Mas 25 de Agosto
É uma data maculada,
Pois fui, morto, pra São Borja
Minha terra abençoada.

Fui velado nessa terra
De maneira verdadeira,
Como cidadão comum
Tive um enterro de primeira,
Com o povo em minha volta
Como foi a vida inteira.

Desculpe-me outra vez
Não poder comparecer,
Já não tenho em Várzea Alegre
O medo de entristecer,
Porém, ainda não sinto
Vontade de ter prazer.

São Raimundo: Getúlio, eu não sou médico
Nem um santo moralista,
Mas entendo que você
Necessita de um analista,
Tem de se recuperar,
Ter um psicanalista.

A nossa Festa de Agosto
(Terapia Popular),
Neste dia vinte e seis
Irá homenagear
Movimentos e Serviços
(Pastoral Familiar).

Na avenida festiva
O passado e o presente
Passearão lado a lado
Na boca do filho ausente,
Que lembrará com ternura
Sua vida comovente:

Cacimbão, motor da luz,
Chico Carrin e Amadeu,
Padre Otávio, dona Cira
E o partido que venceu,
Mestre Antônio e Clementino
E aquele que morreu.

Getúlio: Admiro o saudosismo
De filhos tão dedicados
Porém, neste dia santo,
Eu abdico aos pecados;
O meu enterro em São Borja
Foi um dos mais festejados.

Esta data eu admiro
Já que faz parte da história.
O “vinte e seis de agosto”
Recolocou-me na glória
E ao povo do Brasil
Fiz uma dedicatória:

Leia a carta testamento,
Que eu escrevi comovido,
Onde coloco em holocausto,
Com jeitinho destemido,
A outorga de minha vida,
Para ser compreendido.

São Raimundo: Getúlio, eu vou te pedir
Implorando uma vez mais,
De vinte e sete até trinta
Serão dias bem vitais,
Pois faremos homenagens
A grupos fenomenais:

As escolas e os médicos,
Agrônomos e dentistas,
O comércio e as empresas,
Engenheiros e frentistas,
Os psicoterapeutas
E os fonoaudiologistas.

O dia trinta será a vez
Dos Raimundos e Raimundas
De onde virão os xarás
E as pessoas oriundas
Dos distritos mais distantes
E das terras mais fecundas.

As missas serão cantadas,
Entoadas com louvor
E os fiéis em oração
Pedindo a Nosso Senhor
Uma vida abençoada
Com alegria e muito amor.

Já na rua das barracas
Haverá estripulia
Roda gigante, Roletas,
João sem Braço como guia,
Vereador, deputado,
Passeando noite e dia.

Haverá sempre cervejas,
Muito namoro de cama,
Muita briga entre os casais,
Uma caída na grama
E avoantes requentadas
Bem na barba do Ibama.

Terá sempre um fuxiqueiro
Na guarda do quarteirão
Esquentando o seu ouvido
E fazendo gozação
Comentando algum contraste
Ou um fato novo em questão.

Amigo Getúlio Vargas
É pela última vez,
Que te peço com carinho
E com bastante altivez:
Não se mostre tão indeciso
Com quem sabe ou com talvez.

Getúlio: São Raimundo, grande padre,
Mestre no convencimento,
Desejo externar aqui,
Que não vou a este evento
Até trinta de Agosto,
Pelo meu padecimento.

Porém, prometo a você
Uma esperança tardia:
Que após se concretizar
A missa de sétimo dia
Vou direto pra a sua igreja
Participar da homilia.

Fim da Terceira Parte.