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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 9 de junho de 2011

Coisas nossas, por Zé Nilton



De Pedro Honório e da agonia do mundo rural.

Para o professor Carlos Rafael Dias.


Este é o famoso Pedro Honório Carlos de Melo, ou só Pedro Honório, conhecido por todas as gentes espalhadas pelos quadrantes da Chapada do Araripe.
Sua família chegou ao Juazeiro quando ainda estavam bem quentes os acontecimentos turbulentos originados pelo fato de a beata Maria de Araújo derramar sangue da boca, enquanto tomava a comunhão. O acontecimento calou fundo nos corações e mentes dos nordestinos, e eles acorreram para o Juazeiro, a terra santificada. Era o começo do Século XX, e o início da inventiva engenharia de Juazeiro como cidade destino das almas em busca de salvação.

Pe. Cícero, segundo a História, procurou acomodá-los pelas terras da Serra de S. Pedro e, em seguida, pelas terras devolutas da Chapada do Araripe. Não teria sido fácil. Romeiros relutaram ao enfrentar matas virgens cheias de onças, de cobras e de caça.

Os avoengos de Pedro Honório, vindos do Rio Grande do Norte, acreditaram no padrinho, e subiram a serra. Ocuparam grandes porções de terras. Ali se reproduziram social e economicamente. Fundaram uma grande família – os Honório – que ainda hoje estão por lá, embora muitos tenham arribados rumo ao Brasil de cima, à procura de dias melhores.

Pedro Honório ficou, e fincou raízes. Homem muito disposto, empreendedor e pessoa de rara sabedoria. Tem posições próprias sobre a vida, a natureza, a política e tudo o mais. Discute com o interlocutor sobre qualquer assunto, e rebate, e debate à sua maneira. E quando se pensa que ele não entendeu, engoliu a isca dos “homens da cidade”, ou foi vencido pelos argumentos, qual o quê; nada disso. Ele fica certo tempo a matutar – olha que verbo adequadíssimo para o caso de Pedro Honório. E o homem matuta mesmo, sem matutagem, porque ele não é matuto.

Mas tudo o que está escrito atrás é para falar também do desmoronamento do mundo rural. A cada dia os tentáculos do capitalismo, através de seu maior e eficiente instrumento – o Estado -, adentram a vida campesina, e ela vai se transformando, ou tomando um jeito meio “esquizóide”, entre ser ou não ser camponesa.

E o velho Pedro Honório, quase noventão, faz tempo vem cismando sobre isto. E quando fala do passado, diz de um tempo de abundância, de sua condição de camponês “forte”, de um mundus criado e vivido por todos sob a cultura do dar, receber e retribuir.

Hoje, só lembranças, em meio as perdas de quase tudo o que fora no passado. Ele faz seu lamento em forma de poesia, forma detestada pela “besta fera”, onde tudo é dissolução.

Eu tinha muita mandioca
Fazia muita farinha
Possuía muita besta
Um cavalo e uma poltrinha
Também tinha muito gado
Tinha vaca, bezerrinha
Também tinha muito porco
Criava muita galinha
Também tinha muito negro
Muitos negros e negrinhas

Deu um morfo na mandioca
E a crueira na farinha
Deu uma roda no cavalo
E um escancho na poltrinha
Deu um mal triste na vaca
Caruá na bezerrinha
E deu um ronco nos porcos
Um incruge nas galinhas
E deu sarampo nos negros
Catapora nas negrinhas

Baixou a desgraça em riba
E acabou tudo que eu tinha...
(Pedro Honório).

Coisas nossas falar do passado e das pessoas que encontramos pela vida. O mundo rural agoniza e pode mudar, e como anda mudando depressa, mas as pessoas que nos tocam, em qualquer dos mundos, continuam as mesmas em nossas recordações...

Mudando de assunto, hoje, no programa Compositores do Brasil, começando às 14 horas, na Rádio Educadora do Cariri: www.radioeducadora1020.com.br, diremos um pouco de Aldir Blanc e de suas letras musicadas por grandes compositores.

Um bom final de semana.

Um comentário:

  1. Prezado Zenilton.

    Muito boa a postagem "Coisas Nossas" de Hoje. Já estamos no aguardo da proxima quinta-feira.

    Abraços.

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