Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 23 de junho de 2011

Coisas nossas, por Zé Nilton


Sobre origens

Para o prof. Antonio Alves - o Toínho - de Ponta da Serra

Coisas nossas lembrar as origens e a caminhada humanas do estado de natureza para a cultura, do nomadismo ao sedentarismo e nos situarmos nessa história enquanto sociedade.

Historicamente tudo começa lá pelo quaternário, último período da Era Cenozóica, quando o homem, surgido mais precisamente no sul da África, iniciou seu processo de caminhada pela terra em busca de alimentos na qualidade de caçadores-coletores.

Pelo caminho o homem vai se cruzando com outros bandos humanos até mais adiantados, porque deram a largada primeiro. Instaura-se o processo de miscigenação que hoje nos leva a crer não haver “raça” pura na face da terra.

Dizem os especialistas em Antropologia, Arqueologia e Paleontologia, animados pelos historiadores das sociedades primitivas, que já bem adiante, pelo Neolítico, os homens se encontram chegando à América do Norte pelo estreito de Bering, numa dessas marés baixas das Eras Glaciais, e paulatinamente, vão ocupando todo o continente americano, quando já estavam mais aprimorados enquanto espécie - o chamado “Homo sapiens”.

Enquanto a antropóloga Niede Guidon, executiva do Museu do Homem Americano, no Piauí, assume que chegamos por aqui por volta de 60 mil anos, seu colega do México, Juan Comas, registra 22 mil anos como marco de nossa entrada no continente.

Hoje, nova polêmica está em curso quanto às rotas de chegada. Em vez de uma só, pela ponte terrestre do Estreito de Bering, há possibilidade de outra, pela costa americana, através de embarcações. Um recente estudo A História da Humanidade Contada pelo Vírus, de Stefan Cunha Ujvari, Editora Contexto, 2008, dá conta da presença de ovos do Ancylostoma duodenale, aquele do nosso Jéca Tatu, em cropólitos (massa fecal fossilizada) em índios americanos. Esses ovos não poderiam ter migrado pelo gelo, por razões óbvias, dentro do intestino de levas e levas de sapiens.

Bom, mas nós aqui dessas bandas do Ceará, como por todo o interior do Nordeste, somos descendentes de índios da grande nação Cariri, que habitava desde o norte da Bahia até o norte do Piauí, passando por Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Interessante observar que as condições sócio-ambientais permitiram a manutenção de traços bem característicos em nossa população, basta prestar atenção em nosso biotipo. Temos um corpo assim, uma cabeça assim...

No grande Cariri encontramos muitos conterrâneos com feições bem nítidas, na compleição física, da herança cariri. Isto porque nosso cruzamento teria sido recorrentemente entre índios com índios, índios com europeus, já que o estoque negróide pouco se reproduziu por aqui.

Costumes e mais costumes nos saltam à vista ou, de tanto familiar, não nos apercebemos sobre suas origens.

Quem não gosta de uma redinha após o almoço. De uma tapioca, beiju... O uso do cachimbo é bem presente pelas mulheres em comunidades campesinas. As falas de algumas pessoas lembram sons da língua indígena. A cor da pele e dos cabelos. Os trejeitos musicais de bandas de pífanos. E vai por aí...

Então, meus amigos, gostaria de juntar à História do vencedor à do vencido, e lembrar eles também nesse momento de comemorações ancestrais.

Aliás, uma das maiores lembranças em favor dos índios habitantes dessas terras antes da vinda dos europeus, é aquela em que, por ordem da carta régia de 05 de março de 1755 e da lei de 06 de junho do mesmo ano, as autoridades luso-brasileiras fazem chegar aos rincões do Brasil os alvarás de criação de “vilas de índios”, minudenciando os detalhes das instalações físicas até a constituição do governo local. Há um cuidado em manter orientações exaradas desde 1680 em favor da integridade indígena, um sempre apelo da coroa em tornar todas as humanidades vassalas do reino português.

Obedecendo fielmente as orientações de 1755, as primeiras autoridades da Vila Real do Crato foram compostas por seis senadores. Seguindo a carta régia o poder executivo ficou nas mãos de um índio, José Amorim e de um colonizador, o abastado agropecuarista com título honorífico do Estado Português, o capitão Francisco Gomes de Melo. Aliás, como ainda não havia instituída a figura do prefeito por esses tempos, os dois foram elevados ao status de “juízes ordinários”.

Tem uma turma na historiografia local que não vibra com a condição de um índio ter sido também nossa autoridade primordial. Mas é a História que o conduziu àquele mister, muito embora logo, logo, a Câmara do Senado advogue todo o poder municipal para si.Mas aí é outra história...

Nesta foto lhes apresento Rosa Carlos de Melo, residente na Serra do Araripe. Uma índia cariri em tudo, no jeito de ser, de fazer e de falar.

Rosa Carlos de Melo é coisa nossa, e através dela eu saúdo a memória de nossos antepassados.

Convido-os para ouvir pela Rádio Educadora, nesta quinta, às 14 horas, o encanto dos festivais da canção no Brasil, no programa Compositores do Brasil, através também da www.radioecudadora1020.com.br

Bom fim de semana.

15 comentários:

  1. Zé Nilton,
    Quero em primeiro lugar, pela primeira vez que me dirijo ' Vssa. EXcia. externar a minha admiração pelo senhor, que é um guardião da nossa História.Quando o senhor fala nos nossos índios, aqui em Várzea Alegre habitaram também estes seres, que eram os verdadeiros donos das terras. Tribos de índios jucás, existe relatos deles no distrito d e Ibicatu. Aliás, nome indígena. Como também Calabaça e Naraniú, nossos distritos. Naraniú quer dizer terra de planta de espinhos. Seia laranja? No sul cearense existiam os índios Icós, que alguns historiadores defendem que deu origem "a cidade, Já outros acham que foi a planta icó. mas eu só quero enfatizar isto pelo fato do que o senho escreveu e mostrar que é verdade que todos nós temos um pouco d esangue indígena. Parabéns pela postagem e um forte abraço.

    ResponderExcluir
  2. No livro ' GEnealogia da Família Feitosa, d eLeonardo Feitosa, ele narra com precisãoabsoluta como os índios Jucás foram mortos, expulsos 'a força da região dos Inhamuns para Baturité, Horripilante, revoltante, maldade pura, sob alegação que ele sroubavam gado dos famigerados, gananciosos fazendeiros invasores da nossa Tera, já que eram portugueses da Província d e Feitosa.

    ResponderExcluir
  3. Caro Giovani,
    Muito obrigado pela postagem.
    É verdade, os índios que habitavam a região do que hoje é a Varzealegre eram cariri e foram aldeados no que hoje é Iguatu, a chamada Missão da Telha, juntos com os Icós, Icozinhos e parte dos jucás e Calabaças. Depois, por volta de 1743, foram trazidos parte deles, juntos com Cariús para o Adeamento da Missão do Miranda, e depois, alguns deles foram expulsos pelas autoridades locais para o que hoje é Messejana, perto de Fortaleza.
    Você diz certo, caro Giovani, temos sangue correndo em nós desde nossos ancestrais.
    É preciso lembrarmos disso e escrever sobre eles para que não caim no esquecimento histórico em que sempre estiveram.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  4. Zé Nilton, belo texto.
    Giovani, ótimo comentário.
    E é preciso que todos tenham consciência de que, em meio à toda essa diversidade, somos uma "raça" única: Raça Humana!
    Linda Índia, Rosa Carlos de Melo!

    ResponderExcluir
  5. Caro, Zé Nilton,
    Sou fascinado pela História (verdadeira) E aquela que eles querem que a gente aprenda. èmuito bom conversar e ouvir de quem sabe, e eu que pensava que você só entendia d e música! Salvei seu comentário nos meus documentos, muito útil. Muito obrigado.Depois vou procurar uma história d eum indiozinho pego por vaqueiros na localidade de Vacaria. Vou ver com professoras daquela localidade depois te passo a história completa. Abraços!

    ResponderExcluir
  6. Artemísia,
    Muit acoisa tem que ser revelada para que a geração presente saiba que não foram os portugueses ( inclusive o avô d ePapai Raimundo o primeior a pisar na nossa Várzea Alegre. 99,9 % das pessoas não sabem que aqui viveram índios, que em 1647 os holandeses estiveram por aqui, descobriram a mina da Fortuna, etc...Ano passado o Diário divulgou documentos e mapas que os holandeses fizeram do Ceará naquela época e agora foram encontrados num museu da Holanda, comprovando esta expedição. Para mim o comentário d eZé Nilton é mais que uma aula.
    Um abraço bem varzealegrense.
    Giovani Costa

    ResponderExcluir
  7. É sempre bom ler os artigos concisos, objetivos e verdadeiros de Zénilton Figueiredo.
    Espero que um dia ele reúna em um livro, as crônicas históricas que vem produzindo, preservando-as para os pósteros.
    Hoje já podemos chamar Zénilton, merecidamente, de historiador, além do sociólogo e antropólogo e professor que ele já é há décadas!

    ResponderExcluir
  8. Pois é, Zénilton: historiador, sociólogo, antropólogo e acima de tudo um professor há muito tempo!
    Aposto que está tudo muito bem arquivado, já era de compor seu livro com todo mérito que você tem. Abraço Fafá

    ResponderExcluir
  9. Prezado Zenilton.

    Chegando atrasado para lhe cumprimentar pelo belo texto.

    ABRAÇOS.

    ResponderExcluir
  10. Fafá, gosto quando você aparece. Acho que este blog é como se fosse uma família. Às vezes a gente fica se perguntando: onde está Mundim, cadê Fafá, menino, me diz onde anda Morais; e o Dr. Rolim, tu viu a Artemisa, o Xico Bezerra e o Chico Gonçalves ??????????, enfim, cadê todo mundo que dão as caras por aqui ? Só sei de Vicente Almeida porque ele mora bem ali, no reino encantado, e só o vejo quando ele entra na ruela que o leva ao reino, pois em seguida ele se encanta...

    ResponderExcluir
  11. Zénilton, também gosto quando vc aparece. Realmente, o blog do sanharol é uma família. Apareça sempre para um dedo de prosa. Abraço Fafá

    ResponderExcluir
  12. Zé Nilton,

    Eu concordo com o Ariano Suassuna, quando se rebela diante de uma elite cultural, qua fala de 500 anos de cultura brasileira.

    Realmente, a nossa rica cultura na música, na culinária, na dança, na religiosidade começou bem antes com os nossos ancestrais índios.

    Essa cultura colonialista, só serve para por panos mornos na crueldade da matança indígena, que se fez nesse país, com o objetivo de dizimá-los.

    Um excelente texto, para nos conhecermos a nós mesmos.

    Um abraço.

    ResponderExcluir
  13. Eita que eu cheguei atrazado, e quase não pego um espaço no bonde, da cultura e conhecimento do professor Zé Nilton. Professor, parabens, pela publicação. Falta pesquisar tanta coisa, na região do carri, no que diz respeito a Antrologia e nosssa formação étnica. E olha que passaram pelo nosso país, os maiores antropólogo que esse mundo já viu. Produziram grandes pesquisas que nortearam as Ciências Sociais no mundo inteiro, Lévi-Strauss, com sua teoria estruturalista, no final dos anos trinta para os quarentas, estudando os Bororos e os Canela, mas um pouco adiante, o inglês Radcliff-Brown, com sua teoria estrutural-funcionalista. Já no início dos anos cinquenta, é o brasileiro Florestan Fernandes que surpreende as Ciências Sociais, com sua grande obra: A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá.
    Washington

    ResponderExcluir
  14. Meus cumprimentos aos leitores/escritores Artemisa, Morais, Giovani, Armando, Dr. Sávio, Fafá e Washington pelos comentário estimulantes.
    Excelente resenha de Washington sobre os doutos da C. Sociais e da Antropologia.
    Só mais um: contemporâneio de Radcliffe Brown, o excelente funcionalista Brolisnau Malinóviski, que fez uma obra magnífica chamada "Os Argonautas do Pacífico Ocidental", fruto de sua pesquisa de campo entre os habitantes das Ilhas Trobriandesas, no pacífico ocidental.
    Abraços em todos.

    ResponderExcluir
  15. É verdade professor, por falar nisso, esta, nas minhas mãos, meu exemplar de Malinoswki, da Abril Cultural Os Pensadores,2ª edição 1978. O mesmo inclui vários textos inclusive, os Argonautas do Pacífico Ocidental.

    ResponderExcluir