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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 25 de junho de 2011

A DIVINA COMÉDIA - Canto IX - Inferno - Por Vicente Almeida

Canto IX
Erínias e Medusa Círculo da heresia (6) - Túmulos

Dante e Virgílio aguardando alguem abrir o portão
da cidade de Dite - Gravura de Gustave Doré
O medo me tomou quando vi o semblante do mestre, que se aproximava, e dizia quase para si:
- Precisamos triunfar, se não... Mas não, ora! A ajuda nos fora prometida! Como demora!
Eu vi muito bem como ele mudou de tom ao tentar encobrir o que falara, ou a palavra que não havia pronunciado, por isso mais medo tive ainda, pois a frase que ele deixara incompleta, eu completei com sentido pior.
- Alguma vez já desceu, a estes círculos profundos do inferno, alguém do Limbo? - perguntei-lhe.
- Isto é raro - respondeu-me o mestre -, mas é verdade que eu mesmo já fiz esta viagem e desci até o círculo mais profundo, quando uma vez fui convocado. Não se preocupe, pois conheço bem o caminho.

As medusas tentando petrificar Dante e Virgílio
Ilustração de Gustave Doré
Virgílio continuou a falar, mas, de repente, minha atenção se voltou para o céu onde vi três Fúrias infernais. Eram figuras femininas, ungidas de sangue e com serpentes ferozes no lugar dos cabelos. O mestre, que já conhecia as escravas de Proserpina, me apontou:
- Olha! São as Erínias ferozes! Aquela é Megera, à esquerda, e aquela que chora à direita é Aleto. Tesífone é a do meio.
Elas gritavam alto e com as unhas rasgavam o peito. Eu fui para junto do poeta, tomado pelo medo.
- Venham, Medusa chama, venham! - gritavam - vamos transformá-lo em pedra! Que pena que deixamos Teseu escapar!
- Fecha os olhos e volta-te! - gritou Virgílio - pois se a górgona vier e tu olhares para ela, não haverá mais volta ao mundo! - e com estas palavras ele me virou de costas e, não confiando nas minhas mãos que já estavam sobre os olhos, colocou as dele sobre as minhas e lá as manteve.


Os demônios barraram a entrada de Dante e Virgílio, mas um anjo
desceu das alturas para abrir os portões da cidade de Dite.
Ilustração de Gustave Doré

De repente, ouvi um grande estrondo e uma ventania tomou conta do ar levantando poeira e fazendo um barulho assustador. Depois, o inferno começou a tremer. Ele então tirou as mãos dos meus olhos e disse:
- Agora vira-te e olha na direção do pântano, onde a bruma é mais espessa.
Olhei e vi mais de mil almas apavoradas no ar, fugindo, saindo do caminho de um ser que vinha, caminhando sobre o Estige, sem molhar os pés. Ele afastava o ar sujo com as mãos, e essa aparentava ser a única coisa que o incomodava. Eu tinha certeza, agora, que ele vinha do céu. Voltei-me para o guia mas ele fez um sinal para que eu permanecesse em silêncio.
O anjo chegou e tocou as portas de Dite com uma pequena vara, fazendo com que elas abrissem sem esforço.
- Ó almas mesquinhas - ele começou, sobre as portas da cidade sombria - por que resistis contra aquela vontade que nunca pode ser negada e que, mais de uma vez, só fez aumentar vosso sofrimento?
Depois de falar, voltou pelo mesmo caminho por onde tinha chegado. Nós depois prosseguimos, seguros por suas palavras sagradas, e entramos sem dificuldades pela porta principal.

Túmulos do heréticos
Ilustração de Gustva Doré

dentro da cidade, encontramos um cemitério de tumbas abertas, de onde se ouvia o lamentar de muitas vozes que queimavam em brasa dentro das covas.
- Mestre - perguntei -, que sombras são estas que aqui jazem e que só podemos perceber pelos seus lamentos?
- São os hereges e seus seguidores. - respondeu-me Virgílio - Em cada tumba repousam os réus de uma mesma seita, que são torturados pelo fogo eterno.
Dobramos, então, à direita, e continuamos a caminhar entre a muralha da cidade e as sepulturas.

No Canto X Espíritos de Farinata e Cavalcanti - uma profecia sobre Dante

25/06/2011

4 comentários:

  1. É...

    DITE - Cidade dos hereges: como cidade dos mortos, contém um cemitério que abriga vários grupos heréticos, entre eles, aqueles que não acreditaram na sua existência, como os seguidores das doutrinas de Epicuro, que negava a sobrevivência da alma após a morte corporal.

    As gravuras do poema, foram inseridas no decorrer do tempo, por desenhistas e pintores consagrados. A maioria pertence a Gustave Doré.

    Elas têm a finalidade de auxiliar a leitura, simbolizando a visão do pensamento de Dante em cada passagem.

    O curioso é que no inferno, as almas dos pecadores estão sempre despidas. É uma alegoria dando a entender que da terra nada se leva de bens materiais, ficando a alma totalmente indefesa a mercê das mentes malígnas.

    Vicente Almeida

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  2. Vicente, como as gravuras ajudam a entender a leitura: como elas são belas; a nudez das almas, nos lembrando que, só levamos da terra as boas ações; ou seja para os que acreditam na sobrevivencia da alma, viveremos eternamente no estado que acreditamos ser, ou está; nos leva a meditar no misterio da vida.
    Obrigada querido. Gosto muito da maneira como tu escreves. Abraço fraterno. Fatima Bezerra Cordeiro.

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  3. Olá, Vicente, eu aqui outra vez.
    Lendo o texto e seus comentários.

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  4. É...

    Fátima:

    Uma imagem/quadro fala mais do que mil palavras.

    Mas uma frase é tambem como se fosse um quadro pintado pela linguagem.

    Assim como não compreenderemos o quadro antes da sua conclusão, a frase tambem não será entendida até que se pronuncie a última palavra.

    Artemísia:

    Tô vendo você ai na sua cadeira cativa.

    Continuem com a leitura, há muitos pontos possitivos, do contrário eu não faria estas postagens.

    Abraços do

    Vicente Almeida

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